1. O Decreto-Lei nº 55/2020, de 12 de Agosto, veio dar execução à Lei nº 5/2018, de 16 de Agosto – diploma que aprovou a transferência de competências para as autarquias locais, em vários domínios, designadamente em matéria de ação social.
As portarias nº 63, 64, 65, e 66 de 2021, respetivamente relativas a SAAS – Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social, CLDS - Programa Contratos Locais de Desenvolvimento Social, à celebração e acompanhamento dos contratos de inserção dos beneficiários do RSI e Cartas Sociais Municipais, vieram regulamentar o referido Decreto-Lei nº 55/2020.
O número 4 do artº 24º do Decreto-Lei nº 55/2020 estabelecia que todas as competências previstas e já referidas se consideravam transferidas para as autarquias locais e entidades intermunicipais até 31 de março de 2022, porém o Decreto-Lei nº 23/2022, no seu número 5 do artº 24º, veio dar a possibilidade de prorrogação do prazo até 1 de janeiro de 2023 aos municípios que entendam não reunir as condições necessárias para o exercício das referidas competências. Assim sendo, e se não houver acidentes de percurso, a partir do início do próximo ano, algumas competências que estavam contratualizadas com as IPSS passarão para a responsabilidade dos municípios ou comunidades intermunicipais.
2. No que diz respeito ao âmbito das Portarias nº 63/2021 e nº 65/2021, relativas ao SAAS e ao acompanhamento dos contratos de inserção dos beneficiários do RSI, não são, em regra, os Serviços do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social a desenvolver ou executar as referidas competências. Com efeito, nestes dois domínios, tem sido fundamentalmente ao abrigo de acordos ou protocolos de cooperação, sucessivamente renovados ao longo dos anos, entre Instituições Particulares de Solidariedade Social e o Instituto de Segurança Social, que tem sido possível desenvolver, com o sucesso que é reconhecido, estes dois programas, tendo as IPSS constituído equipas multidisciplinares para levar a cabo a execução desses acordos e protocolos, que têm maioritariamente assegurado o êxito das políticas públicas respetivas em todo o território nacional.
Mais especificamente, no que respeita aos protocolos no âmbito do RSI, muitas Instituições vêm mantendo os referidos protocolos desde 2005, assegurando os objetivos desta medida a nível nacional. E, no que se refere ao SAAS, muitas Instituições desenvolvem tal atividade desde 2012, em cooperação com o ISS, I.P, através dos Centros Distritais de Segurança Social.
Nos termos do novo enquadramento jurídico, caducam os protocolos e acordos em vigor, entre as Instituições e o ISS, I.P., podendo as autarquias passar a assumir diretamente a execução destes programas; e podem também as autarquias, após a transferência, manter o modelo de cooperação com Instituições Particulares de Solidariedade Social, substituindo-se ao ISS, I.P. como parte nos protocolos e acordos.
Resulta do exposto que cabe às autarquias locais a competência para decidir pela celebração de novos acordos e protocolos com IPSS para a continuidade do modelo de cooperação com as Instituições; ou para decidir pela assunção direta da execução desses programas no território do município ou da comunidade intermunicipal.
Por outro lado, o artº 5º-A, 1., g) da Portaria nº 188/2014, de 18 de Setembro, com a redação que lhe foi conferida pela Portaria nº 63/2021, de 17 de Março, enuncia o princípio de que, caso as autarquias optem por manter a cooperação com as IPSS para a execução de tais programas, deverão optar preferencialmente por instituições que possuam experiência em atendimento e/ou acompanhamento social.
A CNIS recomenda às suas associadas que, após a transferência de competências, e agora com os Municípios, pretendam manter os acordos para SAAS e os protocolos para a celebração e acompanhamento dos contratos de inserção de beneficiários do RSI, que manifestem à Câmara Municipal respetiva a sua disponibilidade e interesse na continuidade do trabalho que vêm desenvolvendo, e para outorgar os novos acordos ou protocolos, por forma a que o processo de transferência não perturbe o modelo de funcionamento destas medidas de proteção social que vêm sendo asseguradas aos seus beneficiários desde há vários anos - com menores custos e não menor qualidade do que se fossem diretamente prestados pelo ISS, I.P. ou pelos seus Centros Distritais de Segurança Social.
De alguma maneira, trata-se de replicar o modelo, que já vem sendo posto em prática pelos municípios em cujos territórios se desenvolvem, dos Contratos Locais de Desenvolvimento Social, em que as IPSS são convidadas pelos órgãos competentes para entidades executoras de tais Contratos.
3. Não contestando a transferência daquelas competências para as autarquias mas tendo em atenção que tais competências vinham sendo exercidas pelas Instituições de Solidariedade por encomenda do Estado e com acordos ou protocolos assinados com o ISS, IP, algumas observações podem e devem ser feitas:
1. Para prestar os serviços que o Estado lhes encomendou, as IPSS assumiram compromissos, destacaram equipamentos e recrutaram trabalhadores: estranha-se que neste processo de transferências de competências do Estado central para o Estado local pura e simplesmente não sejam tidas nem achadas;
2. Quando, e muito bem, as autarquias exigem recursos adequados para competências que lhes são transferidas, também as Instituições de Solidariedade têm todo o direito de exigir a necessária compensação para as despesas que agora terão de suportar com a extinção de serviços para cuja prestação tiveram de investir muito significativamente;
3. Pensando especialmente no atual contexto de grande constrangimento da vida e atividades das Instituições, as IPSS entendem que o Instituto de Segurança Social não se poderá dissociar dos efeitos gravosos para as Instituições que podem decorrer do processo de transferência de competências, fundamentalmente no âmbito dos Serviços descritos – SAAS e RSI -, tendo em conta a circunstância de as Instituições terem oportunamente alargado a sua ação aos referidos domínios de intervenção social em resposta a convite e proposta de cooperação por parte do ISS,I.P.
4. Nos casos em que, em virtude da execução do processo de transferência de competências para as autarquias locais em matéria de ação social, ocorram situações de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, com os efeitos indemnizatórios correspondentes, nos termos dos artigos 366º e 372º do Código do Trabalho, o ISS, IP deveria comparticipar financeiramente no pagamento dos encargos correspondentes, em moldes a definir no seio da Comissão Permanente do Setor Social Solidário;
5. Com a transferência de competências alguns serviços na ação social começarão a ser desenvolvidos pelas Autarquias. Há trabalhadores com competência e experiência nessa mesma área contratados pelas IPSS; não poderão ou não deverão ser avocados por essas mesmas Autarquias? Muito úteis aí podem ser;
6. Desejável será que, na assunção de novas competências na ação social as Autarquias outorguem novos acordos ou protocolos para SAAS e acompanhamento dos contratos de inserção de beneficiários do RSI com as IPSS que já vêm desenvolvendo tais serviços, por forma a que o processo de transferência não perturbe o modelo de funcionamento destas medidas de proteção social que vêm sendo asseguradas aos seus beneficiários desde há vários anos - com menores custos e não menor qualidade do que se fossem diretamente prestados pelo ISS, IP ou pelos seus Centros Distritais de Segurança Social.
Lino Maia
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