HENRIQUE RODRIGUES

Dupond et Dupont

1 - Faz por agora 11 anos que a troika chegou a Portugal, chamada por José Sócrates, em Abril de 2011, num dos últimos actos por si praticados como Primeiro-Ministro, imediatamente antes de pedir a demissão e da consequente derrota nas eleições que se seguiram a tal demissão e que deram a vitória a Pedro Passos Coelho.
O Governo pediu então ajuda externa, dado o estado para que trouxera as finanças públicas, incapazes de honrar os compromissos do nosso País; a que se seguiu a entrada triunfal do triunvirato de credores - o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu -, que nos emprestaram o dinheiro para solver as obrigações, com a condição de os deixarmos mandar nas decisões essenciais da governação, cada um mais exigente do que o parceiro.
Essa troika governou em coligação com o Governo de Pedro Passos Coelho, que conseguiu desembaraçar-nos dela em Maio de 2015, no que foi então designado como “uma saída limpa” do programa de ajustamento.
O programa de Pedro Passos Coelho convivia bem com as exigências da troika, acompanhando, no essencial, o diagnóstico feito pelos credores, de que os portugueses estavam no aperto financeiro em que se viam metidos por gastarem o que tinham e o que não tinham, em suma, por “viverem acima das suas possibilidades”.
De modo que a culpa era deles, cidadãos, por desejarem para si os padrões de conforto e bem-estar que pensavam acompanhar a democracia e por pedirem emprestado para melhorarem o seu nível de consumo e de vida.
Tais “maus hábitos” eram, pois, censurados, quer pela troika, que pelo Governo; até mais por este, que proclamou o objectivo de “ir além da troika” – reforçando as medidas restritivas impostas pelos credores, numa vertigem austeritária de que ainda hoje lembramos a intensidade.
O Governo tinha então o apoio da maioria absoluta no Parlamento, coligados que estavam o PSD e o CDS, apoio que entendia outorgar-lhe o privilégio de decidir a seu talante as medidas que entendia tomar, sem contraditório eficaz.
Entre 2011 e 2015, comentei criticamente por diversas vezes nestas crónicas a pulsão do excesso que marcou a actividade legislativa e administrativa nessa época, que teve como único limite o Tribunal Constitucional.
Foi, com efeito, o Tribunal Constitucional que travou – ou, pelo menos, moderou – as tentativas das sucessivas leis do Orçamento de Estado, no sentido de cortar rendimentos de salários e pensões, subsídios de férias e de Natal, aos trabalhadores do Estado ou aos reformados ou aposentados, decretando em sucessivos Orçamento de Estado a inconstitucionalidade da referida redução de rendimentos de trabalhadores ou pensionistas.
Como nos lembramos, Pedro Passos Coelho, à frente da PàF – Portugal à Frente -, ganhou as eleições de 2015, mas por margem que não lhe permitiu aprovar o seu Governo na Assembleia da República, destronado que foi pela “geringonça” que coligou improvavelmente PS, PCP e BE.
Parece hoje consensual que foi em grande medida o voto dos trabalhadores do Estado e dos reformados, espoliados de rendimentos entre 2011 e 2015 e desconsiderados no discurso do poder, a decidir pela viragem de ciclo politico – para o que muito contribuiu a campanha de António Costa, cabeça-de-lista pelo PS em 2015, centrando as suas propostas no fim da austeridade, na restituição dos rendimentos e na atenção à classe média, principal pagadora da crise financeira.
Principal pagadora da despesa pública, em geral …
António Costa: quer durante a campanha, quer depois de ser ungido.
Ainda nos lembramos da sua afirmação, de retórica fortíssima, de que não concebia ter de escolher entre as expectativas do seu filho e os direitos da sua mãe, já reformada.

2 – De 2015 até hoje, com uma inflação que tem sido próxima de zero, pode dizer-se que a ambição de restituição de rendimentos e de atenção à classe média tem tido uma execução muito modesta.
É certo que foram eliminadas umas taxas e contribuições extraordinária criadas no tempo da troika – medida que também havia sido prometida por Passos Coelho.
Mas as actualizações anuais das pensões que traduzam um efectivo reforço do poder de compra têm sido dirigidas apenas às pensões mais baixas.
Está bem que estas sejam aumentadas, de tão escassas que são.
Mas sem esvaziar a lógica do regime contributivo na formação do direito à pensão, que deve em cada momento fazer corresponder o montante da pensão de velhice ao esforço contributivo de trabalhadores e entidades empregadoras.
Para todos os reformados ...
(Não obstante o tom eufórico com que o Governo faz alarde da actualização geral anual das pensões, como se todas o fossem – no que é acriticamente acompanhado pela generalidade da imprensa -, o certo é que há pensões do regime contributivo que não são objecto de qualquer alteração nos últimos 7 anos.)
Ora, uma pensão superior a 1.000 euros mensais em 2015 tem hoje uma correspondência em poder de compra inferior à que tinha nessa data.
Tal efeito deve-se à forma de cálculo das actualizações das pensões estabelecida na lei, que é de 2006 e que depende da aplicação de uma fórmula complexa, tendo em conta a variação do Índice de Preços no Consumidor de cada ano e da taxa de crescimento do PIB nos dois anos anteriores, a que normalmente se tem aplicado uma redução de 0,5%.
Em 2022, pela primeira vez desde 2015, e pela conjugação da previsão do crescimento do PIB, (em 2021 e 2022), com a variação em 2022 para o IPC, que se prevê seja de 5,9%, a aplicação da lei de actualização anual das pensões obrigará a um aumento das referidas pensões numa percentagem superior a 6%.
O próprio Primeiro-Ministro já veio, há meses, confirmar os “aumentos históricos” que os reformados vão ter em 2023, alegando que tal actualização se não deve a qualquer benevolência do Governo, mas ao mero cumprimento da lei.
Tal actualização não será, na verdade, um aumento, em termos reais, mas apenas uma reposição - já que uma inflação de 6% representa uma perda real de rendimentos em idêntica percentagem.
Representa, em termos reais, uma ablação de 6% da pensão; ou mais, se a inflação vier a ser superior a essa percentagem.

3 - Amanhã – escrevo esta crónica no domingo, 4 de Setembro -, em Conselho de Ministros, o Governo vai aprovar uma série de medidas extraordinárias de apoio às pessoas e às famílias, para ajudar a combater a inflação galopante que tem marcado os últimos meses.
A imprensa tem adiantado a informação de que a matéria relativa às pensões será decidida no Conselho de Ministros de amanhã.
Ver-se-á então se o Governo cumpre a lei em vigor, como prometeu; ou se se regressa aos maus hábitos do tempo da troika, com ablação efectiva de parte da pensão em poder de compra e utilização da força compressora da maioria absoluta para fazer vingar medidas contrárias à lei.
Não será esse o único tópico a decidir em Conselho de Ministros.
Mas o tom unificador das medidas será, naturalmente, o apoio às pessoas e às famílias, no contexto de dificuldades muito particular em que vivemos.
O contexto não é privativo do nosso País; e as dificuldades e surpresas que a guerra nos trouxe alargam-se a todo o mundo ocidental, a que pertencemos.
(E ao mundo em geral, até na satisfação de necessidades básicas, como António Guterres tem prevenido – e para cuja solução tem assumido um protagonismo exemplar.)
Alguns dos nossos parceiros na Europa (que digo eu, até na vizinha Espanha!) vêm ensaiando medidas concretas, de apoio efectivo e imediato à vida e ao dia-a-dia dos cidadãos.
É o caso da redução mediata do IVA na factura energética, mesmo que temporária; ou da taxação dos chamados “lucros excessivos”, das empresas que aproveitam e promovem a economia da guerra para maximizarem os seus resultados e dividendos.
O aumento dos lucros em virtude da guerra tem – não há que ser macio com as palavras – um carácter obsceno.
Penso que o Conselho de Ministros deveria seguir o exemplo dos parceiros europeus – e somar a colecta fiscal daí resultante aos 4 mil milhões de euros de receita fiscal que excedem a previsão orçamental – e que são também, num certo sentido, uma espécie de “windfall profits”.
E distribuí-los em apoios extraordinários …

Henrique Rodrigues (Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde)

 

Data de introdução: 2022-09-08



















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