Nos últimos anos vimos assistindo a uma contínua e impressionante degradação dos serviços públicos. No sistema de justiça, para além da inexplicável lentidão na conclusão dos processos, chegou-se ao ponto de os próprios juízes admitirem que há casos de corrupção na magistratura. As forças armadas mostraram-se incapazes de guardar as armas e munições que lhe estavam confiadas. Na educação, de forma surpreendente, baixou-se o nível de qualificações para exercer as funções de professor. Na saúde, o caos passou a ser a normalidade. O sistema de decisão para o investimento em grandes obras públicas, como é o caso do aeroporto, dá mostras de um grande amadorismo. O atraso na aplicação dos fundos que foram postos à disposição do País pela União Europeia é de todo incompreensível. Apesar de todos os anos sermos fustigados pelos incêndios e de ouvirmos até à exaustão que a causa maior para o facto é a ausência de uma política florestal, nada tem acontecido quanto a uma verdadeira reforma florestal. Fora das instituições públicas e em larga medida como resultado da sua insuficiência, a pobreza aumenta, as desigualdades acentuam-se, o custo de vida sobe de forma muito expressiva, os salários, especialmente para os mais jovens, mesmo altamente qualificados, são baixos e a classe média vai desaparecendo. Como consequência as pessoas abandonam o País que ocupa o oitavo lugar no mundo, quando se compara o número de emigrantes com o número de residentes. Acima de nós a emigrar só estão os países em que a população teve que fugir devido à guerra ou de desastres naturais.
Por vezes surgem análises e estudos de grande relevância com ideias e soluções para muitos dos problemas que afetam o País. Recentemente a Fundação Gulbenkian, a Fundação Manuel dos Santos e a Sedes brindaram-nos com publicações que apresentam interessantes pistas e que são merecedoras de atenção. Todavia, a minha experiência mostra que o problema de fundo da sociedade portuguesa não reside na análise dos problemas nem na identificação de soluções. Saber o que fazer, sabemos. O grande problema está no como fazer e isso depende largamente do funcionamento das instituições públicas que como na sua maioria funcionam mal ou não funcionam de todo, as boas ideias vão ficando pelo caminho. O último exemplo aconteceu com a vacinação. Sabia-se o que era preciso fazer, mas quando chegou à altura da execução teve que se chamar um militar para levar a carta a “Garcia”, porque as instituições públicas não revelaram capacidade de coordenação.
Por vezes surgem até surgem boas ideias no seio da administração pública, mas a forma como são executadas revelam-se um desastre. Dou dois exemplos. A tentativa de descentralizar funções para os municípios. Uma ideia boa, mas que, na sua aplicação, transformou-se numa enorme salgalhada. Outra ideia boa foi a criação do Banco de Fomento, mas a forma como nasceu e as vicissitudes e confusão porque tem passado em nada contribuem para a credibilização da instituição. São casos que demonstram que Portugal sofre de uma grave doença no que respeita ao funcionamento das suas instituições.
Tenho para mim que o estado de desenvolvimento de um País mede-se pela qualidade das suas instituições públicas. A sua debilidade é a principal responsável para esta tendência de não sermos capazes de dar o salto para níveis de crescimento mais ambiciosos e com menos desigualdades.
No Estado surgem alguns casos de sucesso de que são exemplos algumas instituições de ensino e centro de investigação mas, infelizmente, são a exceção. O País também beneficia da excelência de muitas empresas privadas e da atividade de muitos emigrantes bem-sucedidos no estrangeiro, mas isso não chega para compensar a ineficiência e o desperdício do que acontece no setor público.
Se olharmos para as instituições que funcionam no domínio da iniciativa da sociedade civil encontramos uma enorme diferença, não só quanto à capacidade demonstrada, mas também quanto aos resultados apresentados face aos meios disponíveis, quando se comparam com muitos dos serviços públicos. Refiro-me, no domínio da política social, às Instituições Particulares de Solidariedade Social e às Santas Casas de Misericórdia, que são excelentes exemplos de prestação de serviços à comunidade que se fosse o Estado a desempenhar essas mesmas funções seguramente que ficaria muito mais caro aos bolsos dos contribuintes e não chegaria a sua ação a largos estratos populacionais, especialmente os que vivem no interior.
Este exemplo de cidadania e de nobreza que nos dão estas instituições da sociedade civil fazem-me pensar que o País poderia ser muito diferente se o Estado confiasse mais nas instituições que funcionam fora da sua órbita, criando mecanismos de contratualização e de compromisso em torno de programas e objetivos partilhados. Mas para isso acontecer era preciso existir um clima de confiança entre todos e, a este respeito, os primeiros a desconfiar são as instituições públicas.
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