Convidados pelo Papa Francisco, mais de 1.000 jovens, idos de todo o mundo – de Portugal estiveram 20 – ligados às ciências económicas, ao empreendedorismo e ao mundo do trabalho, reuniram-se, em Assis, de 22 a 24 de setembro últimos, interessados por construírem uma “economia diferente”. Em cada um dos 120 países, durante cerca de 3 anos foram pensadas propostas criativas que consubstanciassem os valores fundamentais que Francisco anseia que sejam o suporte de uma «“Economia do Evangelho”, atenta aos mais pobres e à natureza.»[1].
Assim pode não se ter qualquer dúvida de que esta profética iniciativa papal tem como objetivo a criação de um novo modelo económico. O atual modelo neoliberal já deu as provas, mais que suficientes, de que está a levar o mundo para a ruína, pois os pressupostos em que assenta são mais do tipo “financeirista” do que dirigidos a alcançar o bem-estar comum. Não há um naco de indicações que apontem para a transformação desta economia, dominada pelo capital, pois, ela procura defender-se dos vírus que ela própria gera, contaminando os que são mais vulneráveis aos efeitos malignos da livre circulação dos mercados, respondendo cada vez, com mais dificuldades, às crises económico-financeiras regionais e locais gravíssimas, que são frequentes. Apesar de inevitável o relacionamento interdependente para o bem-estar de cada pessoa e das sociedades em que habitam, esta intrínseca alteridade está a ser esmagada pelo egoísmo que tem feito crescer um individualismo que faz das sociedades autênticos “coliseus de combate” para se identificarem os mais competitivos, gerando competitividades ferozes sempre em vista ao crescimento do lucro que fica nas mãos de menos de um terço da humanidade. É esta economia que mata[2]. É incontável o número de mortos que causou e dos que, apesar de palmilharem as ruas das nossas terras já estão “mortos” para si mesmos e para muitos com quem se cruzam.
A Economia Social surge para responder às limitações do modelo vigente, mas o que está em causa é a urgência de um novo modelo económico que, segundo Francisco, já está a dar sinais de emergir, na medida em que «estão a formar-se e começam a estudar e a pôr em prática uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a devasta. Um acontecimento que nos ajuda a estar unidos, a conhecer-nos uns aos outros, e que nos leve a estabelecer um “pacto” para mudar a economia atual e atribuir uma alma à economia de amanhã»[3]. No plano da geração de riqueza e gestão financeira estão aqui algumas das matizes identitárias das IPSS e outras que, mais adiante Francisco mencionará.
Ele sabe, assim como nós, que não é fácil derrubar o modelo económico em vigor. O seu braço forte é o Capital que não é mais do que um “polvo” gigantesco com tentáculos e ventosas em todos os setores do mundo. Há, por isso, muitos interesses envolvidos. Só os incautos é que não saberão que o mundo está a ser comandado pelo Capital e não pela política. É que Francisco, não sendo ingénuo nem um utópico irrealista, tem a plena convicção da mudança que se impõe, sob pena de nos mantermos no caminho da autodestruição. Talvez esse novo tipo de economia ainda não surja no seu tempo, mas tem de se iniciar já a sua construção, e os seus alicerces são os jovens que assinaram, com o Papa, um “Pacto pela Economia”, conscientes de que será difícil a transformação dos modelos em vigor, pois isso irá colidir com interesses de grandezas diversas, incluindo os de pequena dimensão. O fatalismo é muito mais gravoso para o desenvolvimento humano que a utopia, que é essa capacidade de acreditar e de lutar “contra toda a esperança” (cf. Rm 4,18). Assim, Francisco pede, com todo o seu vigor, que os jovens se ponham a caminho, sejam motores de transformação das realidades nefastas hodiernas, onde a economia tem uma dimensão incontornável. O grande anseio de Francisco é que a pessoa esteja no centro de todas as decisões e se respeite a Natureza, também, como algo sagrado.
No último dia do encontro, já com a presença de Francisco, os participantes afirmaram ter consciência da responsabilidade, individual e coletiva, que tinham sobre os ombros e comprometeram-se a gastarem as suas vidas para que a economia, a começar já, seja amiga da paz; cuide da criação e não a use mal; esteja ao serviço da pessoa humana, da família e da vida, respeitosa de cada mulher, homem e criança, dos idosos e especialmente dos mais frágeis e vulneráveis; onde o cuidado substitua a rejeição e a indiferença; não deixa ninguém para trás; reconheça e proteja o trabalho seguro e digno para todos; as finanças sejam amigas e aliadas da economia real e do trabalho; valorize e proteja; contra a pobreza em todas as suas formas, reduz a desigualdade; guiada por uma ética da pessoa humana; crie riqueza para todos; gere alegria e não apenas riqueza[4].
As IPSS estão integradas no modelo que, em Portugal, se assumiu designar-se por Economia Social. Todavia, corre riscos de resvalar para a Economia de Mercado. Esse perigo torna-se maior e, já em alguns casos a única distinção é o destino dos excedentes finais que não são propriedade de ninguém, senão da própria instituição. Por isso, é de uma importância vital que os dirigentes entranhem e criem formas de relacionamento com os demais colaboradores para que eles consigam alcançar o mesmo nível que é o de nunca esquecerem a identidade, a missão e os valores da instituição em que estão integrados. O art.º 1, do Decreto-Lei n.º 172-A/2014, condensa em duas palavras todos os princípios, finalidades e resultados da Economia de Francisco. Não são as IPSS portuguesas que, por muito rigorosas que sejam no cumprimento das orientações de Francisco que iriam alterar o modelo económico capitalista em curso. Todavia, já lembrava Santa Madre Teresa de Calcutá que os oceanos são constituídos de pequenas gotas de água e se lhe retirarmos uma, ninguém dará por isso, mas o oceano ficará mais pequeno. Uma das aproximações à Economia de Francisco era repensar-se o modelo de cooperação vigente e colocar nos órgãos sociais das IPSS muitos mais jovens, sobretudo, os que alinham por uma economia diferente. Que vos parece?
Eugénio Fonseca
Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado
[1] Cfr. https://agencia.ecclesia.pt/portal/assis-2022-jovens-e-papa-francisco-assinam-pacto-por-uma-nova-economia/ , visto em 30.9.22.
[2] Cfr. FRANCISCO. Evangelii Gaudium, 53.
[3] Cfr. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2019/documents/papa-francesco_20190501_giovani-imprenditori.html, visto em 30.9.22.
[4] Cf. https://francescoeconomy.org/pope-francis-pact-for-the-economy-with-young-people/, visto a 1.10.22.
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