A 5 de dezembro de cada ano, por decisão da Organização das Nações Unidas (ONU), assinala-se o Dia Internacional dos Voluntários. É escolhido um tema para dar o mote às iniciativas que, em cada país, se realizarem para dar visibilidade e impulsionamento à causa, nesse dia, com evidência mundial. Este ano, o tema é a solidariedade. Pode até parecer uma redundância, na medida em que um dos maiores e mais consistentes alicerces da solidariedade é o voluntariado que tem como fundamento intransponível a gratuidade e não admite motivações egoístas centradas em interesses que não sejam o bem do ser humano e da defesa do planeta que habitamos.
Na sua designação, a Instituição Particular de Solidariedade Social concentra o essencial da sua identidade. Particular por ser singular a sua natureza, ou seja, que vale por si, tem uma legitimidade própria. Essa legitimidade só pode ser posta em causa quando os atos praticados lesam o bem comum. Assim, qualquer IPSS existe por direito natural, que nada nem ninguém deve obstaculizar nem proibir. A negação desse imperativo humano costuma acontecer em Estados governados por regimes ditatoriais, quando os cidadãos dessas nações se organizam para fins não convenientes às decisões opressoras e injustas desses governos. Em Estados onde vigora a democracia seria uma aberração acontecer o mesmo. Por isso, só quem não viveu sob domínios ditatoriais ou desconhece, em profundidade, a história dramática de muitos povos que assim viveram e vivem, é que não dá o devido valor à possibilidade de se poder escolher, livremente, quem seja o mais alto representante, ou o partido político que governa e os que tenham assento no Parlamento, para elaborarem e aprovarem as leis do país. Essa liberdade estende-se até à escolha dos que governam as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia ou são seus respetivos deputados. No poder local, felizmente, já os cidadãos se podem candidatar ao sufrágio eleitoral. Mas não é demais lembrar que a plenitude de um regime democrático não se esgota na representatividade, assegurada pelos partidos políticos, embora eles sejam fundamentais para o funcionamento regular da democracia. Na verdade, ela será mais consistente, quanto maior for a colaboração participativa dos cidadãos que, de forma corresponsável e organizada, cumpram com legitimidade os seus direitos e deveres de cidadania, cooperando para o desenvolvimento integral e sustentável das suas comunidades. O Estado, a nível central e local, tem o dever de apoiar, estimular, financiar e monitorizar a ação destas organizações que emanam da sociedade civil e permitem que se cumpra um princípio facilitador do relacionamento de proximidade com os cidadãos que é o da subsidiariedade. Na génese da criação credível de uma IPSS está o bem-estar da comunidade humana que a envolve e, por vezes, de outras, geograficamente, mais próximas. A iniciativa é de mulheres e homens, de confissões religiosas, ou de outras organizações já constituídas, que se organizam, voluntariamente, para alcançarem esse bem-estar nas suas diferenciadas dimensões. Se fossem registadas em livros as burocracias e outras dificuldades que tiveram de vencer, os departamentos que foi necessário contactar, o número de horas gasto em reuniões, e os meses ou mesmo anos que passaram entre a ideia de criar a IPSS, e a sua aprovação e funcionamento da primeira resposta às necessidades da população, seriam relatos de autênticas epopeias que construiriam, ao longo deste país, autênticas “bibliotecas épicas”. Todo este esforço feito para bem da sociedade. Daí o timbre social deste tipo de instituição. Emergiram da sociedade e uma das suas marcas identitárias está na inteira disponibilidade para tudo o que contribua para que não haja qualquer forma de assimetrias sociais, mas progresso integral.
A solidariedade é, incontornavelmente, o valor humano que maior substância dá à identidade de qualquer IPSS. Quando se colocou a possibilidade, por ventos soprados da União Europeia, das IPSS passarem a chamar-se “Empresas sociais” (questão ainda em aberto), o Pe. José Maia dizia que da palavra solidariedade nem a pinta do “i” lhe tirariam, reforçando, assim, a importância indelével deste princípio ético para as IPSS. A solidariedade é entendida não como um mero sentimento emotivo, mas como um valor humano firme e perseverante que faz com que as pessoas se sintam responsáveis umas pelas outras. O voluntariado é uma das expressões mais exigentes de solidariedade. O voluntário dá, sem remuneração, o seu tempo e o seu saber e, muitas vezes, até dos seus bens. Nas IPSS, para que a solidariedade tenha ainda maior evidência, o voluntariado não se pode restringir às pessoas que compõem os órgãos sociais. Há que ser criativo para abrir a porta das instituições a quem queira dar de si e das suas competências, com motivações solidárias, e esteja disponível para receber formação em novas áreas e respeitar a identidade, missão e valores da instituição que o acolhe. Para dar esse acesso a quem pretenda ingressar no voluntariado, não faz sentido invocar problemas como o “idadismo” (porque já se é demasiado velho) ; a infoexclusão; a desconfiança de outras etnias e culturas; o desconhecimento das tradições antropológicas e culturais; a assistência espiritual para quem quiser e de acordo com a confissão religiosa que professar; comunicar com familiares por meios digitais; dar tempo para escutar; atividades ecológicas… Há, porém, dois deveres a respeitar: nenhum/a voluntário/a pode iniciar funções sem ter um seguro de vida e nenhum trabalho voluntário deve substituir a criação de postos de trabalho remunerados, pois isso seria uma ignóbil contradição da solidariedade que se diz praticar.
Só as IPSS, com uma adequada gestão de voluntariado, poderiam constituir um grande exército de gente que contribuiria para vencer a cultura individualista predominante e provar que, afinal, ainda há “almoços grátis”.
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