JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

Vem por aí uma nova crise bancária?

E, de repente, o mundo está de novo confrontado com a uma crise bancária.

Primeiro foi o Sillicon Valley Bank (SVB), um banco da Califórnia que, como o próprio nome sugere, é um banco especializado em empresas tecnológicas, desde as mais estabelecidas até às que estão na fase de “incubação”, as famosas start-up.

Em termos americanos não é banco muito grande, 230 biliões de dólares de balanço, qualquer coisa como a 16ª instituição americana segundo o critério do tamanho do balanço.

Embora pequeno por padrões americanos o SVB vale três vezes e uns trocos o nosso BCP e em Espanha, por exemplo, seria o quarto banco do sistema.

Antes de mais, vamos tentar perceber porque quebrou o SVB.

Na base da quebra do SVB estão duas circunstâncias peculiares e uma gestão desastrosa dessas circunstâncias.

Uma das peculiaridades é a clientela a outra a estrutura do balanço que de alguma forma é consequência da clientela.

Os clientes do SVB eram empresas tecnológicas. Essas empresas, quando estabelecidas e bem-sucedidas geram imenso dinheiro. As que estão na “incubadora” de uma forma geral também estão forradas de dinheiro porque se financiam nos abundantes mercados de capital de risco que andam por ali sempre à procura do próximo unicórnio. Talvez mais lhes conviesse a simbologia da cornucópia, a qual, como é sabido, é o símbolo da abundância.

Muito desse dinheiro foi para ao SVB na forma de depósitos.

Acontece que, também pelo tipo de clientela, o SVB tinha muita dificuldade em transformar uma generosa parte dos depósitos em crédito remunerado. Os empréstimos remunerados representavam apenas 30% do total do ativo.

A solução encontrada pela gestão do SVB foi aplicar os “excedentes” dos depósitos em títulos de dívida, em particular, títulos do tesouro americano. Os títulos de dívida valiam quase 60% do total do ativo.

Nos tempos das taxas de juro muito baixas basicamente os depósitos pagavam zero e os títulos do tesouro sempre pagavam alguma coisa, ou seja, fazia-se margem sem qualquer tipo de risco. Aparentemente o melhor negócio do mundo.

O problema surgiu quando as taxas de juro começaram a subir.

A clientela do SVB é uma clientela sofisticada e, quando as taxas começaram a subir, passaram a exigir remuneração substancial dos depósitos até porque, entretanto, tinham alternativas bem remuneradas para o seu dinheiro depositando noutros bancos ou aplicando nos mercados monetários.

Para o SVB não era fácil acomodar essas exigências porque a parte do ativo onde podiam aumentar as margens e compensar o aumento do custo dos depósitos, ou seja, os empréstimos a taxa variável, eram apenas um terço do balanço.

Ao mesmo tempo que era cada vez mais difícil competir pelos depósitos, a base de capital do banco estava a ser erodida. Na verdade, os títulos de dívida que o banco tinha comprado para aplicar os “excedentes” dos depósitos estavam a perder valor em virtude da subida das taxas de juro.

Inicialmente o SVB não tinha que reconhecer as perdas nos títulos como prejuízo, a desvalorização apenas afeta a conta de justo valor nos capitais próprios, ou seja, o problema começou por ser de liquidez, mas, com o tempo e uma gestão descuidada da crise, passou o problema passou a ser de solvência.

Pergunto-me o que pode justificar a inação da gestão do SVB no caminho que parecia evidente para o abismo.

Talvez a crença de que as taxas de juro não precisariam de subir tanto como efetivamente subiram ou que iniciariam um ciclo de descida mais cedo. Não sei!

É estranho porque nem sequer parece difícil ter lidado com a situação. Quando as taxas de juro começaram a subir poderiam ter vendido parte da carteira de títulos de dívida com prejuízos comportáveis, eventualmente fazer uma chamada de capital para reforçar o balanço. Uma gestão prudente e um reconhecimento tempestivo de prejuízos poderiam ter resolvido o problema.

Agora temos o drama do Credit Suisse.

Os problemas do Credit Suisse não têm nada que ver com os erros do SVB.

A proporção do balanço do Credit Suisse representado por títulos de dívida nem sequer se aproxima da proporção completamente anómala da que se verificava no SVB. A erosão da base de capital do Credit Suisse devido a perdas não realizadas em títulos de dívida é mínima e não coloca qualquer problema de solvência.

Ao contrário do SVB, que quebrou por efeito da subida das taxas de juro, no Credit Suisse, entre efeitos positivos e negativos da subida dois juros, o lado positivo sobreleva os aspetos negativos.

O problema do Credit Suisse é um problema de reputação que vem de vários escândalos recentes a envolver a sua gestão de topo e, em tempos de turbulência e medo, isso paga-se!

A parte mais pristina do Credit Suisse sempre foi a gestão de fortunas – neste particular ser um banco suíço dá um certo jeito.

A verdade é que, devido aos problemas reputacionais do Credit Suisse, os ativos sob gestão já tinham caído quase 30% em 2022 – a malta rica quando sente cheiro a esturro muda-se!

Com o tempo o medo passou para os depósitos – no último trimestre de 2022 os depósitos caíram mais de 30%.

Duas crises diferentes? Sem dúvida!

Contudo, na base está o mesmo fator – quando as taxas de juro começam a subir, algures no sistema surem brechas.

Como diz Warren Buffett, para muitos o mais brilhante investidor do mundo, é quando a maré baixa que se vê quem andava a nadar sem roupa.

A pergunta do milhão de dólares é: podemos estar à beira de uma nova crise bancária global?

Pelo que sabemos até agora, e dada a resposta dada pelos reguladores americanos e suíços, o risco parece pequeno.

Mas quem sabe? Quem imaginaria, há um par de meses, que um banco da moda como o SVB estaria quebrado?

Algures nos cantos mais obscuros do sistema, para onde ninguém olha, os ovos de serpente podem estar a chocar. Se vier borrasca séria por aí, virá de onde ninguém espera.

Segurem-se!

 

 

Data de introdução: 2023-03-16



















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