1. A CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade representa cerca de 3.050 das 5.000 Instituições Particulares de Solidariedade Social existentes no nosso País, numa rede capilar que vai desde a freguesia mais urbana de Lisboa à aldeia mais recôndita do interior ou da raia.
Nas semanas mais recentes, os vários canais generalistas de televisão, no que parece ser uma competição entre si, vêm apresentando programas, ditos “de investigação”, e que têm como objeto as condições de funcionamento de respostas sociais, designadamente estruturas residenciais para pessoas idosas ou lares residenciais para pessoas com deficiência.
O tom geral desses programas é de crítica e denúncia das situações apresentadas, normalmente associadas a práticas de maus-tratos ou de aproveitamento da situação de vulnerabilidade em que, com frequência, se encontram os utentes de tais respostas sociais.
Frequentemente, num registo obsessivo e torrencial de “casos e casinhos”, tais programas apresentam uma versão errónea ou deturpada das situações neles descritas e induzem generalizações das situações apresentadas – como se tal fosse a regra.
2. Um exemplo: recentemente, um canal de televisão insurgia-se contra o facto de as diretoras de lares gerirem e movimentarem as contas bancárias dos utentes – associando essa circunstância a apropriação para a entidade gestora dos montantes nelas depositados.
Não quer dizer que não possa haver movimentos irregulares.
Mas o repórter não achou importante esclarecer que, em processos no âmbito do regime do maior acompanhado de residentes em lares, é frequente os tribunais nomear os diretores dos lares como acompanhantes, mesmo contra a vontade dos nomeados.
Nesses casos, que são numerosos – e que tenderão a ser predominantes, à medida que os Tribunais decretem o regime do maior acompanhado -, não só os diretores dos lares podem movimentar as contas bancárias dos utentes, como só eles, em caso de dependência do titular, o poderão fazer.
Por ordem judicial.
Mas esse esclarecimento, se fosse apresentado, afastava o pendor justicialista que caracteriza tais programas.
Ora, como sabem os profissionais da comunicação social, uma meia-verdade é uma mentira. E como é sabido e explorado o negativo é que é notícia e tem audiência.
Outro exemplo: como refere o Expresso de 17 de março, existem em Portugal cerca de 1.600 lates de idosos pertencentes ao Sector Social Solidário, que a CNIS, a União das Misericórdias, a União das Mutualidades e a CONFECOOP representam.
Não se sabe quantos lares clandestinos existem, sem autorização de funcionamento pela Segurança Social. Mas devem ser outros tantos – sem licença, sem fiscalização.
Alguns desses lares são clandestinos mas não são desconhecidos e alguns também são clandestinos por dificuldades de legalização e porque há falta de resposta de lar.
É sabido, ou deveria sê-lo, que é nos lares clandestinos que ocorrem predominantemente deficiências de funcionamento.
Ora, normalmente, quando servem o produto das suas reportagens, os “repórteres” também omitem a natureza dos lares: se são licenciados, ou se funcionam à margem da lei.
São todos indiferenciadamente metidos no mesmo saco – como se fosse idêntico todo o universo desses equipamentos.
3. Numa das “reportagens” mais recentes, tentou-se associar a CNIS a práticas apresentadas como irregulares de associadas suas.
Não de forma frontal, mas de maneira oblíqua, insidiosa.
Ora, a CNIS, enquanto organização de cúpula do Sector Social Solidário, tem orgulho no papel que as suas filiadas têm desempenhado – e continuam a desempenhar – no sistema de proteção social do nosso país, desde o apoio às crianças e jovens ao acolhimento e prestação de serviços a idosos ou portadores de deficiência, refugiados ou migrantes, vítimas de violência doméstica ou menores em risco. O mesmo também se pode dizer da União das Misericórdias, da União das Mutualidades e da CONFECOOP.
Esse papel – e o modelo português de proteção social – foi reconhecido unanimemente como fundamental na resposta à pandemia e na mitigação dos efeitos devastadores causados pelo vírus.
A própria comunicação social fez-se eco desse papel e desse louvor.
É certo que, como diz o povo, só se atiram pedras a árvores que dão bons frutos.
Mas espera-se que os responsáveis editoriais dos canais televisivos velem pelo rigor da informação e não sirvam de viático ao registo populista que ameaça as nossas liberdades – e também a liberdade de informação.
E por que não também fazer notícia de algumas das muitíssimas, boas e exemplares práticas? Poderia vender-se menos, mas acautelar-se-ia a promoção voluntária da dignidade humana e dos direitos dos mais frágeis.
Lino Maia
Não há inqueritos válidos.