O SOLIDARIEDADE enceta nesta edição de maio 2023 um périplo por Portugal, visitando todos os distritos, em concreto as Uniões distritais ou regionais, a que se juntará igualmente o trio de Federações, que integram a CNIS, como algumas das suas associadas, no sentido de fazer um pequeno retrato do trabalho das IPSS, das Uniões Distritais e da CNIS em todo o país, no cumprimento da sua missão que é, no limite, o serviço aos mais desfavorecidos.
A digressão inicia-se no Algarve, uma região que apresenta algumas particularidades. Aliás, desde há muitos séculos que o Algarve tem uma situação particular no país. Por alguma razão até à proclamação da República, em 1910, foi considerado o segundo reino da coroa de Portugal: o reino do Algarve, um reino de direito separado de Portugal, ainda que de facto não dispusesse de instituições, foros ou privilégios próprios, nem sequer autonomia.
Para as gerações contemporâneas, o Algarve é sinónimo de calor, águas calmas e tépidas, de turismo, de estrangeiros e de sazonalidade.
Também no que concerne à proteção social estas características influenciam as IPSS que dão resposta social às populações de todo a faixa sul do país.
“O Algarve tem uma particularidade que é a sazonalidade do emprego. Como em mais nenhum sítio do país, durante um período as pessoas metem baixa para irem trabalhar para um restaurante ou para a hotelaria, o que provoca um grande absentismo nas instituições e isso levanta-lhes um enorme problema. Por outro lado, dentro dessa sazonalidade, há um outro ponto negativo, que é, durante o período em que as pessoas estão no desemprego e têm as crianças ou os idosos nas instituições, diminuem as comparticipações familiares. Ou seja, existe aqui um ciclo económico no Algarve que é particular e que não acontece em mais nenhuma zona do país”, afirma José Carreiro, presidente da URIPSSA.
De momento, há 120 as IPSS sedeadas no distrito/região mais a sul de Portugal, 95 das quais associadas da União Regional das Instituições Particulares de Solidariedade Social (URIPSSA), cujos órgãos sociais para o mandato 2013-2026 já tomaram posse e a Direção volta a ser presidida por José Carreiro.
SOLIDARIEDADE - No seu discurso de tomada de posse, chamou a atenção para determinados assuntos, dirigindo-se especificamente às IPSS associadas e à CNIS. Nas palavras que dirigiu às IPSS associadas pediu mais colaboração. O que quis dizer?
JOSÉ CARREIRO - Quis chamar a atenção das Direções das instituições que a CNIS e a União Regional só funcionam se tiverem um grande apoio e colaboração das instituições. Elas deverão colaborar e responder a tudo aquilo que a CNIS e a URIPSSA lhes solicitam. Muitas vezes, as Direções não estão presentes, mas apenas os diretores-técnicos. Há muitas matérias que devem ser os dirigentes a participar e a contribuir. Quis chamar a atenção para isso porque se verifica pouca participação dos elementos das Direções das instituições nas reuniões, sendo normalmente representadas por pessoal que é nomeado, caso dos diretora-técnicos.
Mas sente que faz falta uma maior participação dos dirigentes no relacionamento com a CNIS e a URIPSSA?
O dirigente que é eleito tem responsabilidades diferentes dentro da instituição e tem responsabilidades que só a eles compete e não, por exemplo, aos diretores-técnicos. Dirigir uma instituição envolve dirigir o seu funcionamento, dirigi-la politicamente e também dar apoio à União, para que esta possa sentir essa força e ter uma maior representatividade junto das instâncias com que se relaciona.
Já nas palavras que dirigiu diretamente à CNIS, pediu eficácia nas negociações e maior apoio às propostas feitas?
Sim, porque parece que, ultimamente, se tem verificado algum afastamento da CNIS. Por exemplo, foram negociados vários documentos com o Estado e nas Uniões só tivemos conhecimento deles depois de divulgados pela Comunicação Social. Não era assim antigamente. Cheguei a fazer viagens para Fátima quando a CNIS pretendia ouvir as Uniões antes das negociações, até mesmo da contratação coletiva. Isso agora não acontece. E quis referir também que a União do Algarve gostava que tudo aquilo que é discutido e proposto em Conselho Geral não ficasse apenas ali. A CNIS deve agarrar nas propostas das Uniões que são viáveis e levá-las até às negociações com o Estado.
Mas considera que a comunicação e a interação da CNIS e, concretamente, a União do Algarve tem problemas?
Não temos problemas com isso, mas reconheço que as coisas estão diferentes para pior. Estou há muito tempo neste cargo para saber que dantes era diferente. Já tivemos mais confortáveis no seio da CNIS, concretamente no Conselho Geral, do que estamos agora. O que acho é que há uma menor participação da CNIS nas Uniões.
E como pensa que essa situação pode ser ultrapassada?
Pode ser ultrapassada desde que a CNIS peça maior participação das Uniões naquilo que está a negociar com o Estado. Por exemplo, a CNIS vai ser parceira na negociação do novo Estatuto das IPSS, mas ainda não se falou nada disto com as Uniões. Li esta informação nas Notícias à Sexta, mas a CNIS ainda não perguntou às Uniões o que elas pensam disto… e já lá vão dois meses! No Algarve, já pensámos nisso e estamos a considerar fazer uma videoconferência para saber o que é que as instituições gostavam de ver nesse novo Estatuto. Mesmo sem nos pedirem, nós iremos participar. Como agora sou membro da Comissão Permanente do Conselho Geral, estou a pensar fazer a mesma coisa com as Uniões de Portalegre, Beja e Évora, que represento nesse fórum. Há muitas coisas importantes neste Estatuto que têm que ser bem vistas.
E que situações já identificou que devem ser revistas no novo Estatuto?
Por exemplo, a limitação de mandatos, também a contratação pública, a que as instituições estão obrigadas a partir dos 25 mil euros, e é algo que colide com o princípio de autonomia das instituições. Estas são duas situações, entre outras.
Como vê a questão do apoio financeiro do Estado às Uniões, necessário, mas que ainda não existe?
A CNIS deveria negociar, como negoceia o financiamento para ela, também um apoio para as Uniões. Até porque já o fazia antes de 2015.
Que diferença faria se as Uniões tivessem esse apoio?
Haveria um maior desafogo na gestão do dia-a-dia. Estamos a gerir um orçamento de 40 mil euros e poderíamos gerir um de 80 mil, com a possibilidade de oferecer mais serviços às instituições. Poderíamos oferecer mais formação às pessoas, sem ter que pedir dinheiro às instituições, ou seja, poderia ser de borla. Há muita coisa que as Uniões proporcionam às instituições e que acabam por ser financiadas por estas, quando devia ser o Estado a fazê-lo. No ano passado, fizemos formação no valor de 10 mil euros, alguma foi oferecida, mas outra houve que foi comparticipada pelas instituições.
E como é a relação das IPSS associadas com a União?
As instituições recorrem sempre à União quando têm problemas e isso vê-se pela quantidade de e-mails que todos os dias recebo. Sabem que podem contar connosco e recorrem a nós sempre que possível.
E quais são os principais assuntos que as instituições colocam à União?
Têm, invariavelmente, que ver com os recursos humanos.
O que tem feito a URIPSSA para chegar às IPSS que ainda não são associadas?
Ultimamente não temos feito muitas visitas às instituições, mas sempre que há reuniões convidamos todas, mesmo as que não são associadas. Depois, há muitas instituições que são tão pequeninas que acham que não precisam de apoio da União, o que é um erro.
Em termos de respostas sociais, qual é a maior necessidade no Algarve?
De momento, são as ERPI e os lares residenciais. De alguma forma, também há necessidade de creches. Por outro lado, as Câmaras Municipais têm aberto muitos jardins de infância, mas esta resposta por parte das IPSS faz sempre falta. O público não consegue dar a resposta que as instituições dão, sendo que os pais preferem colocar as crianças nas IPSS.
De uma forma geral, como é a relação das autarquias com as instituições?
Há Câmaras que pagam muita coisa, mas outras nem por isso. Aqui no Algarve, e não vou referir nomes, há municípios que apoiam muito as instituições, mas há outros que não é assim. Digamos que um terço das autarquias apoia muito, outro terço mais ou menos e, depois, há um terço que não apoia quase nada.
Como tem sido o processo de transferência de competências para as autarquias aqui no Algarve?
Houve Câmaras que aceitaram logo de início e outras apenas agora em abril. Penso que aceitaram pela força da lei, porque isto é algo desconhecido para eles. Na maioria dos casos fizeram protocolos com as IPSS, mas algumas já avisaram que vão abrir concurso posteriormente. Nestes casos, os funcionários das IPSS terão que concorrer como qualquer outra pessoa, que até não esteja por dentro do assunto, algo que a CNIS não acautelou. Quando foi feita a lei, devia-se ter acautelado a integração do pessoal, porque agora as Câmaras para absorverem esses técnicos têm que abrir concurso e qualquer pessoa pode concorrer. E se esses funcionários das IPSS não ficarem com os cargos, lá terão as instituições que os indemnizar.
Qual é o maior obstáculo à ação da União?
Penso que é a falta de vontade das pessoas, as mesmas de que falei no princípio, ou seja, os dirigentes das instituições. Depois, há também um preconceito com o sector. No Congresso de Viseu toda a gente se manifestou quanto ao papel das instituições junto do país e da sua autonomia que não é respeitada. E esse é o maior obstáculo que hoje há, ou seja, a intromissão abusiva do Estado e as obrigações que são aplicadas às instituições. A falta de dinheiro não é tudo, mas é, essencialmente, esta intromissão do Estado. O Congresso de Viseu foi claro, com dois dias a bater na mesma tecla, com unanimidade, a não ser Vieira da Silva, e a voz de quem esteve no Congresso com toda a gente a pôr o dedo na ferida, ou seja, o desrespeito pela autonomia das instituições.
E como olha este novo mandato, com esta nova equipa?
A Direção mantém-se quase igual, mas há uma grande vontade de todos os elementos em lutar pela defesa das instituições, em especial, nesta matéria da autonomia e da identidade. Queremos lutar pela profissionalização do pessoal que tem contrato com as instituições, que é muito importante. A CNIS devia agarrar este objetivo, porque é quem tem capacidade para organizar formações a nível nacional. Muitas vezes, quando acontece algum problema nas IPSS, a Comunicação Social dá logo nota e, invariavelmente, colocam a culpa no pessoal não formado. Uma pessoa entra hoje numa instituição e nesse dia começa a fazer tudo. Devia haver um período de formação, não só para aprender as tarefas que terá que desempenhar, mas também para perceber o que é uma IPSS e que tipo de trabalho ali se faz. A profissionalização tem que ver também com a sustentabilidade e o Compromisso de Cooperação devia ser todo revisto com base nisto. Se estamos a formar pessoal e se queremos que ele seja mais responsável, tem de ser melhor pago. O estudo apresentado há dias pelo doutor Américo Mendes demonstra bem isso e bastava pegar no estudo e negociar com o Estado. Sou contra andarmos a mendigar 3% agora e depois mais 2%... Isto é pedir esmola. Nós sabemos quanto os serviços custam, temos de negociar nessa base com o Estado e ver o que ele pode pagar e consoante isso as famílias terão que pagar o resto. O Estado paga 10, a família 90, o Estado paga 40, a família 60. Devia ser assim, porque, na forma atual, a sustentabilidade das instituições está sempre em causa. Por exemplo, as candidaturas para a compensação das educadoras, este ano, ainda não abriram! Como podem as instituições aguentar tudo?
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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