A Volta a Portugal da Solidariedade cumpre nesta edição a terceira etapa do périplo nacional no distrito raiano da Guarda. No distrito há cerca de 360 IPSS, “algumas com pouca atividade”, sendo cerca de 150 associadas da UDIPSS. Rui Reis, presidente da União Distrital, assume frontalmente que a situação financeira das instituições do distrito é muito complicada, com mais de metade delas a viverem com graves problemas financeiros. A União faz o que pode, mas também ela é parca em recursos para melhor apoiar as associadas. Ainda assim, há uma proximidade grande e disponibilidade total para ajudar.
SOLIDARIEDADE - Que retrato se pode fazer do Sector Social Solidário no distrito?
RUI REIS - O distrito é do interior e tem um número assinalável de instituições do terceiro sector que têm uma percentagem muito grande na criação ativa de postos de trabalho. Em muitos concelhos do nosso distrito esta é, se calhar, a única atividade que continua a empregar pessoas, apesar de, neste momento, haver grande dificuldade em contratar recursos humanos. Penso que é um problema geral a todo o país e que se acentua cada vez mais. É, efetivamente, a atividade das IPSS que é predominante nos nossos concelhos, que têm cada vez menos gente, e o papel das IPSS é, cada vez mais, de intervenção no terreno nestas terras do interior. As instituições têm uma responsabilidade enorme, pois, para além da empregabilidade, acabam por ter o papel de apoio àqueles que são os mais desfavorecidos, dos mais novos aos mais velhos. Cada vez mais, os desfavorecidos são gente nova. Aliás, há meninos pequeninos que vão almoçar às nossas creches porque não têm outra refeição.
E, sabendo-se de como são os fluxos de emigração, por certo muitos dos idosos que as instituições apoiam não têm retaguarda familiar?
O tipo de idoso que temos no distrito é aquele que não tem retaguarda familiar e que tem baixíssimos recursos, com reformas de pouco mais de 200 ou 300 euros, o que incapacita, não só a gestão das instituições, como estas se veem em dificuldades pelos parcos recursos com que têm que se gerir… e a Segurança Social não dá mais por as situações financeiras serem muito precárias.
E como está a saúde financeira das instituições do distrito?
Já não há saúde financeira. A crise económica que atravessámos em 2015 colada à pandemia de Covid-19, desarranjou-nos completamente em termos financeiros. A palavra sustentabilidade nunca esteve tão em cima da mesa como agora. Hoje, estas instituições têm parcos recursos e vivem numa região com grandes dificuldades… situações que são diferentes de outras zonas do país, e a par disso as instituições encontram-se numa gravíssima crise financeira. Do contacto com as instituições, é muito rara aquela que chegou ao fim de 2022 com resultados positivos. A nível da Guarda, haverá, seguramente, mais de 60% de instituições com problemas financeiros.
E o PRR tem chegado ao distrito?
Houve cerca 30 projetos aprovados, mas, e é importante vincar isto, muitos desses projetos aprovados não vão ser materializados, porque as instituições já desistiram. Muitas têm contactado a União Distrital no sentido de saberem se há perspetivas de aumento das comparticipações do PRR, porque uma coisa eram os preços quando as candidaturas foram feitas e outra é a realidade hoje em dia, com as inflações, as guerras, etc..
E há ainda a agravante da não garantia de acordos de cooperação para as respostas sociais a criar?
Esse é o maior problema. Quem apostar na institucionalização não terá acordos de cooperação, pois são determinações da União Europeia… Quem pretende avançar com um investimento, sabendo que não terá acordos de cooperação que possam suportar a valência, não se sente motivado a avançar.
Qual a maior lacuna no distrito em termos de resposta social?
No distrito tipificámos demasiado as respostas socias, sobretudo no que diz respeito às ERPI, centros de dia e SAD, que na Guarda proliferaram muito. Para o que é o distrito da Guarda, há inúmeras instituições. Ou seja, o distrito tem um elevado grau de cobertura da maioria das respostas sociais para a velhice. Neste momento, o distrito tem uma enorme carência na área da deficiência. Depois, e podem vir falar do Acolhimento Familiar e afins, mas o que vemos é que não há trabalho de terreno no que diz respeito a essa resposta social. Estamos a trabalhar nessa resposta pela rama e é algo que se vê nos livros, mas não se vê no terreno. Derivado dessa situação, continuamos a ter muitas crianças institucionalizadas e, sobretudo, a partir dos 12, 13 anos, não há respostas sociais para estas crianças e jovens.
Falou que há dificuldade em recrutar recursos humanos, qual é o ponto que faz dessa situação aqui no distrito?
Neste momento, temos dificuldades a dois níveis. Quando falamos de auxiliares de ação direta e educativa, aqui não há para contratar. Não há pessoas. Há um elevado número de instituições que trabalha com um número abaixo daquilo que devia e muitas vezes a improvisar. Mas este problema arrasta-se há alguns anos e o momento que agravou esta situação foi a pandemia. Nessa altura, e daí terem-se criado brigadas, a determinado momento não tínhamos gente para trabalhar. Pronto, era a pandemia, mas quando ela acabar isto volta ao normal, pensávamos. Não aconteceu e a situação agudiza-se cada vez mais, sobretudo, porque os salários são baixíssimos, com trabalho por turnos e com as instituições sem capacidade para atrair as pessoas. Depois, muito mais grave, é a debandada geral em termos de técnicos, de psicólogos a fisioterapeutas, etc.. Tudo o que é técnico sai, porque num hipermercado ganha mais dinheiro.
Que balanço faz da Creche Feliz?
Foi uma medida razoável, uma vez que veio ajudar as famílias. Penso que deveria haver a possibilidade de a instituição, já tendo acordos de cooperação, poder abrir vagas não só para os casos prioritários, mas que se permitisse que as instituições recebessem até um número razoável de crianças. Foi anunciado mais dois lugares por sala, desde que a mesma o permita, vamos ver se chega.
Como é a relação da União com as associadas?
O trabalho que esta Direção faz permite ter uma excelente relação com todas as associadas, o que é comprovado pelas iniciativas que a União realiza, o último dos quais com a vinda da senhora secretária de Estado da Inclusão para a entrega de diplomas do Adaptar+ Social, no Instituto Politécnico da Guarda, onde compareceram 210 instituições. Acima de tudo, privilegiamos um contacto muito próximo com as instituições.
E quais as maiores solicitações?
A maior solicitação, desde há muitos meses, é para a resolução de questões financeiras e, no último ano, são mais as matérias relacionadas com a crise energética. As instituições estão a pagar mais do dobro do que pagavam. Em termos de recursos humanos não podemos ajudar muito… Estabelecemos um protocolo com a EDP para que haja um benefício nos custos que as IPSS têm com a energia, que, como estão arruínam qualquer instituição.
Qual é a aposta em termos de iniciativas?
A grande aposta é no apoio no terreno às associadas, no sentido de as ajudar a resolver os problemas pontuais que vão surgindo no dia a dia e, depois, uma aposta cada vez maior na formação. Sabemos que as instituições, pelas dificuldades que vivem em número de recursos humanos, nem sempre é fácil poderem participar.
E como é a relação com a CNIS?
É uma relação normal. A Guarda, eleita pelas Uniões da zona centro, teve assento no Comissão Permanente do Conselho Geral e, mais recentemente, foi escolhida para secretariar o Conselho Geral. A relação da UDIPSS Guarda com a CNIS é próxima e boa, pelo que não tenho nada mais a acrescentar.
Como vê a questão do financiamento às Uniões, que não existe, para além das quotizações, e que todas reclamam?
Pois, como toda a gente sabe, nas UDIPSS nenhum dirigente é remunerado… Quando cheguei à presidência da União, havia o compromisso de o Estado financiar a CNIS e esta repercutir esse financiamento pelas Uniões, mas, neste momento, também nós temos imensas dificuldades e ficamos com a nossa capacidade de ação diminuída, porque dependemos apenas das quotas. Ficamos um bocado constrangidos na ação por falta de dinheiro. Era bom que o Estado assumisse o papel que já teve anteriormente de subsidiar a CNIS, para esta repercutir pelas Uniões.
Realizou-se recentemente um encontro de IPSS de inspiração canónica, promovido pela Diocese da Guarda. Tem conhecimento das conclusões a que chegaram?
Não tenho conclusões, porque a União Distrital, na pessoa do presidente ou de outro membro da Direção, não foi convidada. Continuamos a ter grande apreço pelas instituições associadas de inspiração católica, com quem trabalhamos diariamente. Sabemos que se ia debater a situação das instituições, o que é facto é que não fomos convidados e, portanto, não tenho conhecimento do que se passou. Continuaremos, como aconteceu recentemente, a promover ações de formação e um trabalho próximo junto dessas instituições, sem olhar se nos convidam ou não.
Recentemente, o Sector Social do distrito perdeu uma pessoa muito importante, o padre Virgílio Ardérius, que fundou a UDIPSS Guarda, entre muitas outras instituições…
É muito difícil falar do doutor Ardérius, que era uma personalidade que soube criar laços fraternos no Sector Social, onde não tinha inimigos. Era uma pessoa muito querida por todos. Aliás, foi ele que me convidou para a Direção da UDIPSS e que me desafiou a candidatar-me a presidente. Foi uma perda para as instituições que liderava e por aquilo que representava para todos nós. É uma perda grande para o Sector Social, porque ele era um homem de ideias e de grande dinamismo. Se tivesse que ser irreverente, era-o, independentemente de quem tinha à frente, uma irreverência muito própria. Perdemos um parceiro de eleição.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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