Faz agora 75 anos que Maria Hercília Sales Oliveira Zuquet, por todos conhecida como Menina Cilinha, “que se preocupava com o desenvolvimento das crianças desfavorecidas do concelho”, avançou, a pedido do Bispo de Leiria, criou a Creche/Jardim Mouzinho de Albuquerque, ainda sem ser nos moldes atuais, mas já “com um papel extremamente importante no concelho, ensinando as crianças mais pobres e dando-lhes o que os pais não lhes conseguiam dar”, conta António Caseiro, presidente da Direção da instituição, desde 2012.
Em 1952, através de despacho do Bispo de Leiria, foi constituída a Junta de Acção Social da Diocese de Leiria, que passou a integrar a instituição, ainda e sempre, até à sua morte, dirigida com mão de ferro pela Menina Cilinha. Já no ano de 1983, ganhou o estatuto de IPSS, “através de alvará da Segurança Social”.
“A Menina Cilinha era poderosa financeiramente, mas, na altura, não havia pessoas capazes de a aconselhar para um trabalho mais profícuo em termos de resultados. Mas ela também não queria, porque chegava ao fim do ano e punha o dinheiro que faltava”, começa por contar António Caseiro, prosseguindo: “Posso dizer que a casa em 2011 teve um resultado negativo de 110 mil euros e, no final do ano, ela cobriu esse prejuízo, sendo que no ano seguinte o resultado negativo foi de 120 mil euros, que ela repôs igualmente”.
Ora este modelo de gestão, em que o mau aconselhamento, o caráter autoritário da fundadora e diretora e a abundância de recursos, ao momento do falecimento da Menina Cilinha quase acabou com a instituição.
“Entre 2011 e 2012, quando a Menina Cilinha faleceu, a instituição parou a sua atividade e esteve mesmo para desaparecer. No entanto, dado o importante papel desempenhado pela instituição, o padre José Gonçalves, pároco na Batalha, preocupado com a continuação do importante trabalho desenvolvido pela instituição, contactou diversas pessoas no concelho da Batalha para darem seguimento à obra. Porém, nenhuma dessas pessoas quis assumir a responsabilidade de formar uma nova Direção que desse continuidade ao trabalho da instituição e, a determinada altura, o Bispo veio ter comigo e desafiou-me a dar uma ajuda para que a instituição não morresse”, recorda o atual presidente da instituição.
Em finais de 2012, através de um despacho do Bispo de Leiria, António Caseiro foi nomeado diretamente presidente da IPSS.
“Foi, então, escolhida uma Direção, formada por mais quatro senhoras, e em conjunto assumimos a responsabilidade de não deixar morrer a casa”, conta, sublinhando: “Passados seis meses, a instituição estava salva, 16 postos de trabalho recuperados, 86 crianças com a possibilidade de continuarem a sua instrução na instituição e 600 mil euros investidos”.
Apesar de a Menina Cilinha ser “muito poderosa em termos financeiros”, após o seu falecimento a instituição, não só parou um ano a sua atividade, como esteve prestes a fechar portas.
“Desde o momento em que a senhora adoeceu, os padres nunca mais saíram de ao pé dela. E os bens da Menina Cilinha, através de testamento, foram dados aos bombeiros da Batalha, à paróquia da Batalha e à Diocese Leiria-Fátima. A exceção foi o antigo edifício onde funcionava a instituição, que o Bispo autorizou que fosse vendido para ser utilizado na construção de um novo equipamento” A senhora era muito poderosa financeiramente, mas desde que a senhora adoeceu, os padres nunca mais saíram de ao pé dela. E os bens da Menina Cilinha, através de testamento foram dados aos bombeiros da Batalha, à paróquia da Batalha e à Diocese Leiria-Fátima. A exceção foi o antigo edifício onde funcionava a instituição, que o Bispo autorizou a ser vendido para ser utilizado na construção de um novo equipamento”, relata António Caseiro.
Com a venda das anteriores instalações, por 325 mil euros, com 100 mil euros que a instituição (leia-se, Paróquia da Batalha) investiu e ainda com o recurso a algumas empresas do concelho, a instituição construiu o equipamento onde hoje labora.
“O objetivo desta Direção foi, e tem sido sempre, manter as contas da instituição equilibradas, o que temos conseguido, mas para tal foi necessário recorrer ao conhecimento de cada um dos dirigentes e não só. Nesse sentido, todos os anos promovemos algumas festas para angariação de fundos e, na verdade, desde 2013 até hoje a instituição nunca deu prejuízo e tem uma situação financeira estável”, enfatiza António Caseiro, contrapondo com o passado: “O problema é que a gestão da instituição era uma gestão pessoal, feita pela Menina Cilinha, que não era bem aconselhada. Ela era uma senhora à antiga, autoritária. O grande problema é que ela estava rodeada de pessoas que não a aconselhavam bem e que até se serviram pessoalmente”.
Atualmente, com uma equipa de 16 funcionários, a Creche/Jardim Mouzinho de Albuquerque acolhe 46 crianças em creche e 40 em Pré-escolar, mas tudo poderá mudar num futuro próximo.
“Relativamente à creche, a receita tem sido sempre positiva, já no caso do Pré-escolar a coisa não é bem assim. Atendendo a que são assinados contratos coletivos de trabalho para que uma educadora ganhe 2.000 euros, temos que ter determinado número de crianças para que a receita seja, pelo menos, equivalente à despesa. É impossível! Claro que há o acordo com o Estado para que até determinado valor seja responsabilidade da instituição, cobrindo o Estado o restante. É certo que paga sempre atrasadamente, mas ainda assim suporta o custo e alivia as nossas contas, mas não chega”, lamenta o presidente da instituição da Batalha.
Em termos de contas, António Caseiro destaca os eventos que a instituição promove de angariação de fundos, mas também a importância da consignação do IRS.
“Em 2023 recebemos cerca de 17 mil euros de consignação do IRS, o que é muito importante para a nossa gestão”, afirma.
Sobre a situação do Pré-escolar, uma resposta social há muito a necessitar de uma atualização no seu modelo de financiamento, algo sucessivamente adiado por parte do Estado, António Caseiro é direto: “Atendendo à evolução do concelho e à necessidade urgente de sermos só creche, está previsto eliminarmos o Pré-escolar, porque à Câmara compete assegurar a pré-escola. Estamos a pensar seriamente nessa possibilidade, porque tendo a instituição a capacidade que tem, com o reconhecimento que tem pela comunidade, a Direção considera que é mais vantajoso eliminar o Pré-escolar e ficar apenas com a resposta de creche, alargando a capacidade para 86 crianças”.
Esta opção traz uma garantia financeira à partida, assegurada pelo Estado, e é essa a grande preocupação da instituição com o futuro.
“O problema que se coloca no futuro é se a comparticipação do Estado por criança em creche será suficiente, pois sabemos que as instituições vivem situações muito apertadas financeiramente, e se, por exemplo, os custos com pessoal aumentarem muito, a comparticipação terá que cobrir esses aumentos”, assevera.
Por seu turno, Susana Sousa, diretora-técnica da instituição, explica por que é que o Pré-escolar dá constante prejuízo às instituições.
“O Pré-escolar dá prejuízo porque, primeiro, a nossa instituição só tem capacidade para 40 crianças e, depois, as tabelas de comparticipação são baixas, que é o principal problema. Temos crianças que pagam apenas 20 euros e logo aí há uma grande diferença, porque é no Pré-escolar que temos mais material de desgaste, mais alimentação, porque as crianças comem mais do que as da creche, e todas as exigências que a Educação requer para o Pré-escolar provocam muita despesa. Com mensalidades de 20 ou 50 euros, é impossível manter um Pré-escolar, o que acaba por transformar a gestão num exercício muito difícil. E depois, o acordo de cooperação é apenas para 25 crianças”, explica a responsável técnica.
Apesar de haver mais três instituições na Batalha e ainda um privado, segundo Susana Sousa, “mais vagas em creche houvesse e seriam preenchidas”, avançando uma explicação: “A razão é que na Batalha a qualidade de vida atrai muita gente de todos os pontos do país, porque há trabalho e toda uma oferta a nível educacional que não há em muitas zonas de Portugal”.
E se a instituição considera estar num local privilegiado, nem tudo corre como desejam os responsáveis por ela: “Não termos capacidade para acolher tantas crianças quanto desejávamos. Este ano em particular, estamos a viver uma situação que, talvez, já fosse um pouco previsível, mas não na dimensão que está a acontecer. Ou seja, com a creche gratuita houve um boom de inscrições, com a instituição a ser muito mais procurada e, depois, as famílias não estão a perceber o que lhes foi dito, pois não há vagas para todas as crianças”.
Susana Sousa aponta ainda as dificuldades financeiras com que a instituição se depara quotidianamente.
“Por isso, estamos sempre à procura de fornecedores, preferencialmente produtores locais, para conseguirmos preços mais acessíveis”, sustenta, acrescentando: “Gostávamos de ter mais apoio da Segurança Social, mas a burocracia ainda é demasiada”.
Já sobre a implementação da Creche Feliz, a diretora-técnica vê a media como muito positiva.
“Em termos das famílias é ouro sobre azul, mas ainda há quem não tenha percebido muito bem como funciona. Há ainda uma certa desconfiança e ainda há pessoas que não sabem que é gratuita. No entanto, é uma medida muito positiva, é um incentivo à natalidade e, neste momento particular, uma grande ajuda para as famílias. E, depois, é uma oportunidade para que as crianças que ficavam em casa, com os avós ou com amas, de virem para uma creche onde há um projeto educativo pensado para o desenvolvimento holístico da criança, para além de ser um local onde a alimentação é cuidada”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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