HENRIQUE RODRIGUES

Regresso ao passado

1 - Passados 4 anos, eis-me de regresso às Rias Baixas, na Galiza, para as férias de Verão.
Foi um dos preços que paguei pelo Covid, esse apartamento, durante e por causa da pandemia, do hábito de décadas, de aproveitar esse espaço privilegiado pela Natureza para espairecer o corpo e alegrar a alma.
Já aqui o referi há alguns anos: segundo a tradição local, as Rias Baixas são as marcas dos dedos de Deus, que aqui pousou as mãos a contemplar o mundo que tinha acabado de criar.
Trata-se de um território que, no que me diz respeito, é marcado por uma ambiguidade virtuosa: é como se fosse a continuação para norte do meu próprio País, constituindo, porém, uma parcela de um outro país – embora porventura sentimentalmente mais próximo do Norte de Portugal do que de Castela -– e dando-me por isso a impressão de viajar para fora, como é próprio das viagens.
Frequentam-se os mercados, percorrem-se as estradas, demandam-se as praias, visitam-se as cidades e as aldeias, acede-se aos miradouros e aos regatos - e tudo parece igual ao lado de cá da fronteira.
Até a língua parece a mesma, mais próxima do Português que do castelhano, com as palavras grafadas com consoantes mudas, como em Portugal antes do Acordo Ortográfico.
(Qual “parece a mesma”! É a mesma, o Galaico-Português da Idade Média, que deu origem, quer ao falar galego, quer à nossa própria Língua.)
Toda a geografia local suscita reminiscências que me são familiares.
Quando chego à Ria de Vigo, como não recordar a Cantiga de Amigo, “Ondas do Mar de Vigo”, que aprendi no liceu, do poeta Martin Codax (também marca de um bom vinho “albariño” e de um “orujo de hierbas”) : “ Ondas do mar de Vigo,/ se vistes meu amigo?/ e ai Deus, se verrá cedo?/ Ondas do mar levado,/, se vistes meu amado?/ e ai Deus, se verrá cedo?”
E ao atravessar a Ponde de Rande, sobre a mesma Ria, em direcção a Pontevedra, em San Simon, recordar os versos do Jogral Meendinho:  “sedia-m'eu na ermida de San Simion/e cercaron-mi as ondas, que grandes son,/eu atendendo meu amigo./Estando na ermida ant'o altar,/cercaron-mi as ondas grandes do mar,/eu atendendo meu amigo./E cercaron-mi as ondas, que grandes son:/non hei i barqueiro, nen remador,/eu atendendo meu amigo…”
É reconfortante este regresso a um território familiar e verificar que se mantém intacto, tal como é a memória recente dele.
Sobre as minhas costas é que pesam mais 4 anos, atípicos e de forte impacto, de forma que se aplicam, à Galiza e a mim, respetivamente, os versos de Rodrigues Lobo: “Tu voltarás a ser o que eras dantes/eu não sei se serei o que antes era.”
Até no clima: durante este mês de Agosto, com temperaturas extremas, quer em Espanha, que em Portugal, e na Europa em geral, ultrapassando os 40º, a informação meteorológica sempre excepcionava a situação no Noroeste Peninsular, abrangendo o Norte de Portugal e a Galiza atlântica – onde as temperaturas teimavam em permanecer moderadas e o sol, ao invés de provocar escaldões, acariciava a pele e temperava a água do mar.
Só uma tarde de verdadeiro calor, ao longo do mês, nessa fachada atlântica do Noroeste Peninsular!

2 – Durante esse tempo, tive ocasião de acompanhar pela comunicação social o processo de formação do novo Governo de Espanha, na sequência das eleições legislativas de 23 de Julho passado, que deram a vitória ao Partido Popular, por maioria relativa, relegando para o segundo lugar das preferências o PSOE – que vem assumindo a liderança do actual Governo, em coligação com a extrema-esquerda, o SUMAR, herdeiro do Podemos.
O Rei indigitou Alberto Nunes Feijóo, líder do Partido Popular, incumbindo-o de tentar formar governo, por ter sido o seu o partido mais votado – como sucedeu com Cavaco Silva em 2015, relativamente a Passos Coelho, o mais votado nessas primeiras eleições após a saída da troika.
Como aconteceu entre nós em 2015, com a PAF, prenuncia-se que o partido mais votado, o Partido Popular, não logrará constituir com outros partidos da margem direita do Parlamento uma maioria de deputados que faça passar o Governo, levando Filipe VI a convidar para tentar a investidura como Primeiro Ministro o líder do 2º partido mais votado, o PSOE – o Partido Socialista lá do sítio.
Sucederá com Alberto Nunes Feijóo o que entre nós sucedeu a Passos Coelho, em 2015: não conseguindo o apoio da maioria dos deputados no nosso Parlamento, o seu 2º Governo caiu mal iniciara funções.
Em contraponto, parece que Pedro Sanchez, o líder do Partido Socialista, se prepara para arregimentar uma coligação de partidos mais à esquerda, que perfaça uma maioria de deputados e que aprove a sua continuidade no cargo, sufragando a sua proposta de Governo.
Uma espécie de geringonça, como a que António Costa engendrou entre nós em 2015 e que, pela primeira vez, levou um partido que perdera as eleições a formar governo, trazendo para a margem da governabilidade, também pela primeira vez desde a consolidação da democracia entre nós, o Partido Comunista.
Também do lado de lá da fronteira, como por cá em 2015, os comentadores se dividem entre os que defendem que o partido mais votado tem uma espécie de direito natural a constituir governo, devendo os demais partidos viabilizar essa solução; e, por outro lado, os que entendem que, designadamente nas situações constitucionais em que os governos dependem dos parlamentos, é nesta sede que as soluções se devem organizar, sendo legítima qualquer solução de coligação, mesmo de partidos perdedores, desde que logre a necessária maioria parlamentar de apoio.
Tal procedimento, de construção de uma solução maioritária a partir de entendimentos ou coligações de uma pluralidade de partidos, constitui, aliás, a forma natural de lidar com a tendência para a fragmentação da composição parlamentar, em que dificilmente um só partido logra eleger, por si só, a maioria dos deputados.
O que constitui uma vantagem para os cidadãos.
As maiorias de um só partido tendem a aumentar a crispação no debate político e são propícias ao agravamento dos tiques de arrogância e autossuficiência que normalmente adornam os detentores do poder de mandar.
As coligações costumam ter o efeito oposto, distendendo, ao necessitarem de diálogo permanente, as relações com os cidadãos e aumentando, assim, a qualidade do debate e melhorando o ar que se respira.
Basta pensar nas mais recentes soluções de governo entre nós: as maiorias absolutas de Passos Coelho e de António Costa e a geringonça.
Sem cuidar agora de avaliar as políticas públicas que cada uma prosseguiu ou prossegue, creio ser entendimento geral de quem não está vinculado, quer ao Governo, quer à Oposição, que o debate era mais tranquilo quando éramos governados pela geringonça do que pelas maiorias absolutas.

3 – Uma nota final: regressado ao Porto, leio no Expresso uma entrevista com o meu vizinho da página ao lado do Solidariedade, o Professor Paulo Pedroso.
Deixo dela só um excerto, de que me aproprio: “os jovens estão desarmados. Mas também não queria ser simpático com os sindicatos porque não se aproximam deles …” (Pergunta)”: Os sindicatos excluem os jovens?” (Resposta): “Sobretudo não têm na agenda os mais qualificados, que aparecem como quadros e que nunca foram uma prioridade sindical, excepto em algumas profissões específicas, como os médicos, enfermeiros e professores. Esses sindicatos relacionam-se com o Estado. O problema está nos sindicatos e nos jovens do sector privado.” 

Henrique Rodrigues (Presidente do Centro Social de Ermesinde)

 

Data de introdução: 2023-09-08



















editorial

O COMPROMISSO DE COOPERAÇÃO: SAÚDE

De acordo com o previsto no Compromisso de Cooperação para o Setor Social e Solidário, o Ministério da Saúde “garante que os profissionais de saúde dos agrupamentos de centros de saúde asseguram a...

Não há inqueritos válidos.

opinião

EUGÉNIO FONSECA

Imigração e desenvolvimento
As migrações não são um fenómeno novo na história global, assim como na do nosso país, desde os seus primórdios. Nem sequer se trata de uma realidade...

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Portugal está sem Estratégia para a Integração da Comunidade Cigana
No mês de junho Portugal foi visitado por uma delegação da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa, que se debruçou, sobre a...