Como é do domínio público, aquando da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Papa Francisco visitou o Centro Social Paroquial da Serafina. A Mensagem que, na ocasião, dirigiu aos presentes, como é óbvio, tem de ser lida no contexto e lugar em que a mesma foi proferida. Dirigia-se aos que têm o dever de saber que [a caridade é a origem e a meta do caminho cristão, e a vossa presença, realidade concreta de «amor em ação», ajuda-nos a não esquecer a rota, o sentido daquilo que sempre estamos a fazer.]1. Sei que a palavra “caridade” é, facilmente, rejeitada (até por cristãos), porque em nome dela se praticam ações que nada têm a ver com o seu verdadeiro sentido. Mas, sem ser acomodatício, julgo que consigo extrair da Mensagem papal extratos que podem ser úteis a todos os que fazem parte desse grande universo da Solidariedade Social e das instituições suas cooperantes. Permitam-me, então, que me aproveite dela para vos deixar alguns pontos para reflexão.
A solidariedade social é tecida por milhares de instituições que são dirigidas por pessoas que só podem ter como lema de vida o «amor em ação» ou se se quiser outra afirmação do mesmo Papa, «Amizade Social», que é subtítulo dessa extraordinária Carta Encíclica Fratelli Tutti. Se não for este o espírito para a missão dos dirigentes das IPSS, podem adquirir projeção social, mas a solidariedade fica secundarizada. Até a grande parte das/os prestadoras/os de serviços – para não dizer praticamente todos – têm de se imbuir muito desta motivação, pois os incentivos salariais nem sempre são compensadores para as exigências dos serviços que lhes são exigidos. Mesmo que o fossem, a componente humanista, traduzida em atos de ternura, afeto, paciência, compreensão… não podem estar ausentes da solidariedade social.
Francisco apelou a «fazer o bem, juntos; concretamente, isto é, não só com ideias, mas concretamente, estar perto dos mais frágeis.».2 Neste brevíssimo trecho podemos recolher três recomendações: a) Um apelo à cooperação. Não só na área social, mas muito nela, constituem-se, obrigatoriamente, parcerias para tudo. Em muitos casos, encontram-se as mesmas pessoas em diferentes comissões. Apesar de tudo, ainda não aprendemos bem, a colaborar juntos. Há exclusão colaborativa quando predomina o poder de uns, porque representam instâncias oficiais, outros por estarem legitimados pelo voto popular, e ainda instituições, por serem mais antigas ou mais relevantes na comunidade. São raras as comissões em que os parceiros tenham poder de decisão o que leva a adiar problemas, quantas vezes, urgentes. É imperioso criarem-se plataformas, verdadeiramente, colaborativas, porque elas não são uma moda epocal, mas uma realidade inevitável. A crescente complexidade do ser humano e de tudo o que o circunda obriga a que nenhuma entidade, (desde o Governo Central à coletividade da aldeia mais recôndita deste país), julgue que consegue fazer o bem, com qualidade, sem precisar da colaboração de outra instituição mais próxima. Se queremos fazer bem, o bem que fazemos, estamos “condenados” a fazê-lo em colaboração, mas que seja franca, disponível, democrática, valorativa e mobilizadora; b) Sermos práticos e não tanto idealistas. Talvez possamos ver nesta advertência o evitar falar-se tanto de pobreza e de exclusão social, das suas causas e possíveis soluções e, contrastando com isso, as desigualdades continuarem a aumentar, bem como as taxas da pobreza a crescerem, ou a diminuírem em percentagens mais ténues que as esperançosas ideias, verbalizadas ou escritas, sobre este persistente flagelo. Mas também me fez pensar nas exigências técnicas colocadas a IPSS para determinadas respostas sociais que são a evidência de que quem cria as normas tem ideias interessantes, mas não concretizáveis num país como o nosso, e quem as concretiza limita-se a cumprir a norma e a não conhecer o concreto ou, se o conhece, a não ter a coragem de afirmar que a ideia não se coaduna com a realidade. Há dias, tive acesso a um parecer técnico tão absurdo de uma resposta social que quem o emitiu não conhece, minimamente, o que estava em causa, mas fundamentou-se bem, em não sei quantos diplomas e regulamentos. Estou numa expetativa incómoda para saber o que irá acontecer à instituição em causa. É que estes tipos de tecnocratismos, em regra geral, prejudicam sempre os mais frágeis: c) este é o ponto que refere o pedido de Francisco a «estar perto dos mais frágeis». Sempre o grande desafio que se coloca à solidariedade social. Reconheço, contudo, que o modelo de cooperação existente não facilita a que se cumpra este desígnio. Durante anos, dirigi uma IPSS que servia cerca de mil e mais umas centenas de pessoas. Destas, só trezentas e poucas é que pagavam mensalidades, e nem sempre regularmente. Nas valências que não recebiam contribuição das pessoas, o Estado só pagava 80% dos custos. Tínhamos de arranjar o restante. Para proteger os mais frágeis, fragilizava-se os salários das/os colaboradoras/os. Sempre com a sensação de pagar o que a lei estipulava, mas não o justo. Aos colaboradores assalariados das IPSS não se pode exigir solidariedade, pois é um valor humano que cada um assume de acordo com a sua consciência. Para que ninguém fique excluído, é urgente rever o modelo de cooperação entre as IPSS e o Estado. Todavia, que não seja, como sei que não é em muitas instituições, a falta de apoio financeiro estatal adequado, que deixe para trás os mais necessitados.
Talvez volte na próxima edição a esta Mensagem de Francisco, mas não quero adiar mais, um seu apelo: «Continuai a fazer da vida um presente de amor e de alegria.».3
1 Cf. FRANCISCO, JMJ LISBOA 2023 -Discursos e Homílias- Todos, todos, todos!, Prior Velho, Editora Paulinas, 2023, 47.
2 Cf. Ibidem, 48.
3 Cf. Ibidem, 51.
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