1 - As aventuras de Asterix e do seu companheiro Obelix, relatadas em banda desenhada por Uderzo e Goscinny numa multiplicidade de histórias, têm como cenário de fundo e tema de unidade narrativa a resistência de uma aldeia gaulesa aos invasores da Gália – os exércitos do Império Romano.
Toda a Gália – a França actual – tinha sido invadida e ocupada pelas tropas romanas, numa campanha descrita por Júlio César no seu “Commentarii de Bello Gallico”.
Toda a Gália fora ocupada?
Não! Contam as histórias de Asterix que uma pequena aldeia gaulesa – a sua - resistia sempre ao invasor romano.
Essa aldeia encontrava-se, ao longo das histórias e das aventuras de Asterix e Obelix, permanentemente cercada pelas legiões romanas, nos acampamentos de Babaourum, Aquarium, Laudanum e Petibonum.
Sempre que as legiões romanas tentavam penetrar na aldeia, eram escorraçadas pelos seus habitantes, fortificados por uma poção mágica milagrosa, fabricada por um druida – Panoramix -, poção que dava aos que a tomavam uma força sobre-humana.
(Só Obelix não tomava a poção, porque não precisava: caíra, ainda pequenino, dentro do caldeirão em que a poção era cozinhada e a força sobre-humana era em si permanente.)
Os sitiados não só escorraçavam os atacantes, como os perseguiam até aos seus próprios acampamentos e mesmo para além deles, infligindo pesadas baixas aos invasores.
Durante a infância e adolescência, primeiro na revista Tintim, depois em volumes separados, creio ter lido todas as aventuras de Asterix e lembro-me de sempre me ter colocado do lado do pequeno herói, na sua luta pela preservação da sua terra independente, face às ameaças do poderoso Império Romano.
Trata-se, ao fim e ao cabo, de um afloramento do princípio da vitória do fraco contra o forte, usando o engenho e a inteligência contra a força bruta – e vencendo-a.
Essa é, aliás, uma linha narrativa tradicional – de que constitui exemplo canónico a vitória de David contra Golias.
2 – A posição da aldeia gaulesa, cercada pelos quatro lados por tropas hostis, mas incapazes de a vencer, lembra demasiado a história de Israel, desde a independência, no pós-guerra, até aos nossos dias, após quatro guerras com os países do Próximo ou Médio Oriente.
Também Israel aparenta ser um irredutível enclave, encurralado por países hostis à sua própria existência, mas que tem conseguido opor-se vitoriosamente às investidas que o pretendem erradicar do mapa das nações.
Quer o Egipto, quer a Jordânia, quer o Líbano, quer a Síria, quer a Palestina, de uma vez ou outra, estiveram ou estão em guerra com Israel.
De uma vez ou doutra, todos os vizinhos de Israel – mesmo os que, entretanto, subscreverem acordos de paz e de reconhecimento de fronteiras, como a Jordânia ou o Egipto – preferiam que Israel não existisse.
Embora não sejam vizinhos, sendo todavia geograficamente próximos, quer o Irão, quer o Iémen, quer outros países árabes, por palavras ou por acção concreta, ameaçam exterminar Israel – o inimigo “sionista”.
Que, todavia, tem resistido ao cerco.
3 – As ameaças à preservação de Israel como país estão nos nossos dias de novo acesas, a partir do ataque do Hamas, no interior do território israelita, a habitantes e turistas na zona da fronteira entre o território palestiniano e Israel.
Uma das palavras de ordem das manifestações, que, um pouco por todo o mundo, têm ocorrido contra a resposta de Israel ao ataque do Hamas é “Palestina, do rio (Jordão) até ao mar” (Mediterrânico) – o que exclui a possibilidade física de Israel permanecer como país com território.
Trata-se do tema do momento, do ponto de vista da atracção mediática, que fez passar a cobertura da invasão da Ucrânia pela Rússia para um segundo plano.
As posições sobre o conflito são de condenação formal, quer da agressão do Hamas, quer da resposta de Israel – embora com sensibilidades ou grau de convicção distintos.
As altas instâncias, nacionais e internacionais, bem como os comentadores encartados, têm-se dividido nas opiniões sobre a guerra – que já ganhou a designação de Guerra Hamas - Israel -, fundamentalmente em duas posições:
A primeira, de condenação do ataque do Hamas – nem podia ser de outra forma -, que ocupa a primeira linha de cada comunicado, de cada organização ou personalidade; a que se segue uma extensa lauda condenando em linguagem claramente hostil a resposta de Israel a esse ataque.
Condenam-se as duas posições, certamente; mas os marcadores textuais são claros no sentido de que a condenação do primeiro constitui uma mera formalidade, deixando para o segundo o vazar dos estados de alma de quem produz tais textos.
A segunda posição, minoritária, é a de realçar o ataque do Hamas como verdadeiro responsável pelo conflito – creio que foi isso que pretendeu dizer o Senhor Presidente da República –, apelando a uma resposta proporcional de Israel, designadamente no que se refere à protecção da população civil, mas reconhecendo o seu direito à auto-defesa.
Poderíamos dizer que a primeira posição, maioritária no universo mediático, coloca o enfoque na reacção israelita; enquanto que a segunda, minoritária, o coloca na atribuição da principal responsabilidade ao Hamas.
As duas posições – que correspondem a duas preferências ou perspectivas -, como referi, ocupam, uma maioritariamente, outra minoritariamente, a atenção dos meios de comunicação social.
Mas, sobre essa Guerra, a rua tem só um dono: o do alinhamento com a causa palestiniana –, omitindo qualquer referência à responsabilidade do Hamas, qualquer condenação da sua actuação em 7 de Outubro.
Percebe-se assim o carácter de mera formalidade que tem a condenação do Hamas na perspectiva maioritária referida.
Ainda estou para ver se quem vem convocando ou comparecendo nas manifestações condenando a resposta de Israel aparece com cartazes para pressionar o Hamas a libertar os 240 reféns que mantém aprisionados em Gaza.
Ao menos, para testar a boa fé da condenação – como amostra, digamos ...
A captura de reféns é um acto de guerra – e não cessou em 7 de Outubro.
Pelo contrário: é mais duradouro do que a resposta de Israel.
Não se pode “exigir” o cessar-fogo a um, sem exigir a libertação dos reféns ao outro.
Ou há moralidade, ou comem todos!
Não há inqueritos válidos.