TIAGO ABALROADO, PRESIDENTE DA UDIPSS ÉVORA

As instituições atravessam um período estranho que lhes coloca em causa a sustentabilidade

A Volta a Portugal da Solidariedade prossegue nesta edição e teve paragem no distrito de Évora, onde há um universo de 120 IPSS, 90 das quais são associadas da União Distrital/CNIS. Tiago Abalroado, presidente da UDIPSS Évora, refere que o Sector Social no distrito “atravessa um período estranho”, pelo enorme aumento de custos que não é acompanhado pelo aumento da receita, o que cria grandes constrangimentos às instituições. No sentido de melhor apoiar as suas associadas, a União de Évora tem trabalhado em conjunto com as congéneres de Portalegre e Beja, no sentido de criar uma estrutura comum às três UDIPSS, uma vez que nenhuma delas tem um quadro de pessoal. Unindo as três Uniões, a que se junta também a de Setúbal, o propósito é melhor apoiar as IPSS de todo Alentejo, uma região deprimida e onde as instituições têm um papel essencial para fixação de população.

SOLIDARIEDADE - Que retrato se pode traçar do Sector no distrito?
TIAGO ABALROADO - O Sector, neste momento, atravessa um período estranho, porque o que vemos é que as instituições enfrentam um conjunto de custos elevadíssimos. A tendência é que, cada vez mais, estes custos aumentem e as instituições continuam presas a uma receita que não cresce. E o que a receita aumenta não é na mesma proporção dos custos! Isto porque as instituições não têm margem para poderem ser criativas e desenvolver outros negócios, que lhe permitam cobrir a sua atividade principal. Não há margem, nem capacidade técnica para pensar em atividades instrumentais! Depois, os utentes, aqui no Alentejo, têm pensões de natureza rural, portanto, baixas pensões, e o que o Estado comparticipa está muito aquém dos tais 50% falados aquando da assinatura do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social. Neste cenário de aumento de custos, manutenção de receita e uma receita aquém desses custos, de facto, estamos a atravessar um período de grandes dificuldades em termos de capacidade de atuação e ação das IPSS do nosso distrito. E não se vislumbra uma grande porta de saída, porque as capacidades dos estabelecimentos são limitadas, para aumentar capacidade é preciso investimento e as instituições também não têm capacidade de financiamento através da banca. Daí eu dizer que há aqui uma situação estranha, marcada por algum estrangulamento, que, no fundo, é um colete de forças. E isto é muito preocupante…

E, em termos de respostas sociais, qual é a maior lacuna no distrito?
A maior lacuna aqui no Alentejo é na resposta residencial para pessoas com deficiência. Temos poucos lares residenciais e era uma resposta que fazia muito sentido para a nossa região, porque os lares que temos estão, naturalmente, cheios e há pessoas que estão em casa e até sozinhas e que necessitam de um apoio destes. A deficiência é, talvez, a área em que considero ser prioritário agir, aqui no Alentejo, essencialmente na vertente residencial.

Para além da questão, já referida, da sustentabilidade financeira, que outras grandes dificuldades sentem as instituições do distrito para melhor cumprirem a sua missão?
Associada à sustentabilidade, temos a questão do pessoal. Estamos num território em que há pouca gente e há muitas instituições e em que é difícil as instituições contratarem pessoas com vocação. Acima de tudo isto, pessoas que se dediquem à causa. Parece que há um pouco a ideia de que as IPSS pagam mal e, de facto, há muitas instituições a pagarem os valores das tabelas acordadas com os sindicatos. No entanto, aqui no Alentejo começa a ver-se com muita frequência IPSS a pagarem bem acima das tabelas negociadas e nem assim isso chama pessoas. Às vezes digo a brincar que parece que o sector não é fashion para as pessoas que estão no mercado de trabalho. Penso que esse é um grande desafio para todos, ou seja, tornar o sector atrativo, não só sob o ponto de vista da remuneração, mas também já concluímos que isso não chega, porque há poucas pessoas desempregadas e não há a capacidade das instituições em recrutarem dentro daquele grupo de pessoas que desempenham funções, no sector público ou privado, porque elas não encaram o sector como atrativo. Para isso também contribuem os horários de trabalho, porque há respostas que funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, mas é também por ser o Sector Social. Parece que as pessoas têm uma certa aversão ao sector. A captação de talento, a par da questão da sustentabilidade, é a grande dificuldade das instituições no distrito.

Como é a relação com as associadas e quais as principais solicitações que estas dirigem à União?
A UDIPSS Évora tem tido sempre uma boa relação com as associadas e podemos gabar-nos de não ter dívidas substanciais em termos de quotizações, porque as instituições reconhecem o valor da União e traduzem isso no pagamento das quotas. Temos conseguido estabelecer com as associadas uma relação diária. Elas recorrem à União com diferentes questões de diferentes naturezas, desde as jurídicas às técnicas, passando pelas comparticipações, licenciamentos, aumentos de capacidade ou elaboração de candidaturas. A esse nível, a UDIPSS tem uma relação que é muito profunda e próxima. E tem havido um aumento de associadas. De 2015 até à data, já aumentámos o número de associadas em 30.

E com a CNIS, como é a relação?
Com a CNIS temos uma relação institucional e saudável. Somos a estrutura que representa a CNIS no distrito, agora, há sempre a perceção de que a CNIS está longe. Geograficamente não é fácil haver essa proximidade. Se calhar, era desejável haver mais momentos de interação entre a União, as associadas e a CNIS. Há estruturas internas da CNIS que, por vezes, não são conhecidas das instituições, pelo que era importante promover esse conhecimento. Talvez a relação mais direta com a CNIS seja o Solidariedade que as instituições recebem todos os meses. Penso que podíamos criar mais iniciativas que permitissem às instituições ter uma maior proximidade com a CNIS.

Como nasceu e qual o propósito do que chamaria triunvirato alentejano que a União Distrital lidera e junta ainda as congéneres de Beja e Portalegre?
Também por força de sermos a União maior das três, temos apoiado, tanto quanto possível, as outras duas uniões. Portalegre teve uma fase um pouco mais parada e Évora foi mantendo algum diálogo e até organizámos em conjunto a Festa da Solidariedade de 2015. Beja, que é uma União mais recente, de certa forma, encara-nos como um exemplo de boa organização e faz-nos muitas solicitações em termos de apoio. E, assim, criou-se aqui esta relação próxima, também motivada pela geografia e amizade entre as pessoas. Neste momento, estamos a aprofundar esta relação, porque, como as três Uniões não têm um quadro de pessoal, a União funciona na instituição do presidente, e temos estado a conversar no sentido de criar uma estrutura comum para apoiar as associadas dos três distritos. Há sempre a necessidade de garantir a identidade de cada uma das Uniões, mas estamos a procurar encontrar essa estrutura comum. Tivemos recentemente uma reunião, em que a União de Setúbal também participou, pois também abrange território alentejano, para discutirmos a ideia de apresentar uma candidatura ao Portugal Inovação Social, no âmbito dos Centros de Empreendedorismo e Inovação Social. Estamos a estudar a melhor forma de o fazer, já reunimos com o responsável regional pelo Portugal Inovação Social, temos reunido as UDIPSS e seguir-se-á uma fase de reuniões com as Comunidades Intermunicipais. O nosso grande objetivo é criar uma estrutura comum que, por um lado, dê suporte à atividade das Uniões do Alentejo e, por outro, que ajude as instituições de forma mais próxima nestes desafios de que falámos. Por exemplo, ao nível da falta de capacidade técnica que as instituições têm para promover iniciativas inovadoras, poder haver algum tipo de assessoria às instituições, identificando os recursos da instituição que podem ser potenciados. No fundo, uma espécie de empreendedorismo social, mas no seio das instituições. Daí concorrermos a esta linha dos Centros de Empreendedorismo e Inovação Social.

À semelhança de outros distritos, também no de Évora houve instituições a deixarem cair as candidaturas devido ao aumento de custos entre a data da aprovação e a do lançamento de obra?
Houve várias instituições que desistiram ao nível da Mobilidade Verde, porque o valor por viatura era de 25 mil euros e isso coincidiu com o maior aumento dos preços e nesse concurso houve instituições que acabaram por não executar. Depois, noutras candidaturas, houve instituições que lançaram concursos públicos para obras, mas estes ficaram desertos, porque o custo de obra do caderno de encargos estava abaixo do valor de mercado. Por isso, as obras não puderam avançar. Essencialmente, eram obras para respostas residenciais, como ERPI, e também ampliação de SAD. As candidaturas foram aprovadas, mas por responsabilidade do mercado, acabaram por não avançar. E como não há capacidade de financiamento por outra via, só lhes restou desistir.

E que feedback tem chegado à União Distrital sobre a implementação da Creche Feliz?
Aqui no Alentejo é uma medida que faz sentido. Se calhar, noutras regiões mais ricas poderá haver um feedback mais negativo, agora, no Alentejo, o programa tem permitido que haja a garantia de uma receita fixa por criança. O custo de oportunidade deste projeto é a perda de autonomia na seleção dos candidatos por parte das instituições, por causa dos critérios. Houve uma altura que havia muitas vagas em creche, mas de há uns anos a esta parte a natalidade aumentou e, então, as creches estão todas cheias. E, em alguns concelhos, nota-se que há pessoas que não conseguem vaga e têm de ir para concelhos vizinhos. Este foi, talvez, o preço a pagar pela aplicação da medida, mas, do ponto de vista do financiamento da resposta, foi positivo, porque as instituições recebem mais receita do que aquela que tinham. Do ponto de vista de operacionalização, há estes constrangimentos, sobretudo, para pais financeiramente mais favorecidos que acabam por ser prejudicados.

Mas tem havido mais procura?
Sim, claro, porque dantes havia retaguarda familiar e as pessoas organizavam-se para as crianças ficarem em casa, agora, com a gratuitidade, o que se viu é que toda a gente coloca as crianças na creche. Isto, por um lado, é uma valorização da resposta, porque os pais reconhecem que a creche é uma mais-valia para o desenvolvimento dos filhos. Por isso, também temos de encarar isto de forma positiva, ou seja, o trabalho que as creches fazem é de muita qualidade e isso é reconhecido.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2024-03-13



















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