Enquanto escrevo este texto, está a decorrer o ato eleitoral. Como é óbvio, não sei qual o partido vencedor, nem quem assumirá o governo da nação e os lugares no Parlamento. Mas sejam quais forem os eleitos, eu, na qualidade de cidadão que não tem entregue a outros os seus deveres e direitos de cidadania, quero deixar uma chamada de atenção para algumas das minhas muitas preocupações.
Porém, antes de começar a escrever, fui revisitar o capítulo V da extraordinária Carta Encíclica Fratelli Tutti do atual Papa e que versa sobre as possibilidades de haver no mundo mais fraternidade e amizade social. É uma Carta que pode ser lida por crentes ou não. Sei de alguns amigos, que se afirmam como agnósticos e outros mesmo como ateus, que a leram e a citam frequentes vezes. Aproveito este ensejo para convidar, também, os dirigentes das nossas IPSS, que ainda não a leram, para o fazerem, porque, para além de terem a possibilidade de encontrarem uma leitura sistematizada e atual das realidades terrestres, serão surpreendidos por um apontar de orientações incontornáveis para que, com o compromisso de todos, possamos viver num mundo onde haja uma maior harmonia entre toda a criação, na qual o ser humano tem uma responsabilidade única e intransmissível.
É certo que no cumprimento deste compromisso de cidadania, há uns com responsabilidades maiores, entre os quais, quem fez a opção pela prática da política ativa. Temos evidências de que nem todos os que assumem cargos políticos o fazem pelas finalidades que tal missão encerra em si mesma, mas, mesmo assim, é o Papa Francisco quem o assegura na Carta referida, ao afirmar que «a política é mais nobre que a aparência, o marketing, as diferentes formas de maquilhagem mediática… Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: «Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim?» As perguntas, talvez dolorosas, serão: «Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?» (197).
Como já referi, dos oito capítulos em que o texto da Carta se divide, aquele que tem como título “Por uma Política Melhor”, foi escrito a pensar nos nossos futuros governantes. E encontrei nele reflexões que desejo partilhar, na esperança de que as mesmas possam chegar não só a quem irá constituir o Governo para os próximos 4 anos, mas a todos os que, com as suas ideias, estratégias e decisões, devem influenciar a governança do nosso país. Concretamente, realço os que virão a ser deputados. Eis apenas algumas, das muitas e riquíssimas considerações que este capítulo contém. Começo por uma das afirmações de Francisco, logo no início do capítulo, que todos, aceitamos, em termos teóricos, mas na prática nem sempre assim acontece: «é necessária a política melhor colocada ao serviço do verdadeiro bem comum.» (154). É neste desígnio que devem assentar todas as decisões políticas. É óbvio que a economia é um dos pilares indispensáveis para o crescimento do bem-estar de todos, desde que os seus protagonistas, a pratiquem a pensar, de verdade, nas pessoas e na relação delas com todo o ecossistema, evitando as gritantes desigualdades que ainda se registam no nosso país, tendo a plena convicção de que a superação das mesmas «requer que se desenvolva a economia, fazendo frutificar as potencialidades de cada região e assegurando assim uma equidade sustentável» (161). Pede-se, por isso, aos próximos governantes que se fixem em políticas económicas cujos princípios tenham em conta o trabalho e salários dignos, visando, assim, a promoção de «uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial, para ser possível aumentar os postos de trabalho em vez de os reduzir.» (168). Reitero que um dos grandes desafios do próximo Governo é proporcionar a todos os portugueses, em idade ativa, trabalho com salários compatíveis com os encargos indispensáveis das pessoas e famílias e com condições que dignifiquem o próprio trabalho, tornando-o mais humanizado, por exemplo, na sua conciliação das tarefas laborais com a vida familiar. O Papa afirma mesmo que o trabalho é a grande questão. Citando-se a si mesmo no que escreveu noutra grande Encíclica – Laudato si’- o seguinte: [… insisto que «ajudar os pobres com dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho.»] (162). A propósito deste tema, os novos governantes têm de dar maior relevo à economia social nos seus mais diversificados setores. Em termos de criação de postos de trabalho é já bastante significativo os postos criados, bem como os benefícios dados, para que o nosso caminho não se desvie tanto de um modelo de desenvolvimento humano. É relevante também o seu contributo para o crescimento do Produto Interno Bruto e sabemos que a forma de o contabilizar nem contempla todas as atividades deste setor. Não entendo, por isso, porque é que as instâncias que maior representatividade têm neste setor da economia, ainda não aceitaram incluí-las na Concertação Social. Enquanto tal não acontecer, nem a concertação é total e o social está desprovido de uma das dimensões que lhe dão as finalidades primordiais. Talvez fosse uma possibilidade para dar maior visibilidade a este setor e criar condições que demonstrem, com justo realce, a importância dele e a dignidade dos seus trabalhadores, tornando mais compensador o salário da maioria dos seus trabalhadores. À mesa da concertação sentam-se representantes do Governo, dos empregadores e dos trabalhadores. Se também se sentassem representantes dos que geram postos de trabalho na dimensão social do desenvolvimento do país, julgo que seria mais eficaz a valorização do setor e a vinculação do Estado a compromissos que evitassem, como agora acontece, uma preocupação constante da maioria dos dirigentes, em criar maiores condições de sustentabilidade nas instituições, cuja gestão está sob a sua a responsabilidade. Não tenho razões para não acreditar que todos os gestores sociais gostariam de ver melhor recompensados os seus trabalhadores, mas é necessário que lhes sejam dadas condições financeiras para o fazerem. Assim o esperamos!
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