PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Em que estamos a falhar?

Evito fazer análise política nesta coluna, que entendo ser um espaço desenhado para a discussão de políticas públicas. Mas não há como contornar o facto de que tivemos eleições legislativas antecipadas e estas, nos seus resultados, mostraram que algo está mal na sociedade portuguesa e existe debate e reflexão de todos, para além das diferenças de opinião.

A grande descida eleitoral do PS e a ligeira subida da AD determinam que o próximo Primeiro-Ministro seja Luís Montenegro. Mas este não terá tarefa facilitada. Governará sem a possibilidade de passar qualquer diploma no Parlamento se contar apenas com as suas forças e o apoio já declarado da IL. Os portugueses dividiram-se profundamente e não convergiram para uma maioria clara de governo.

Um Parlamento bloqueado num quadro como o que vivemos será difícil de entender pelos cidadãos e dificilmente produzirá um rumo para o país.

É certo que um entendimento entre PSD e PS para que este último, nem que fosse pela abstenção, viabilizasse diplomas fundamentais do Governo, permitiria ultrapassar a situação. Mas não se vislumbra qualquer incentivo ao PS para cooperar com a AD, entregando ao Chega a liderança da oposição.

A alternativa para o PSD poderá ser olhar para a sua direita, procurando o entendimento com o Chega que Luis Montenegro sempre negou estar disponível a ter e tornando relativo o “não é não” em que tem insistido, o que não poderia deixar de ser visto pelos que acreditaram nas suas palavras como uma traição ao compromisso assumido. A esquerda seria impotente para travar tal entendimento, mas teria provavelmente força social para contestar ativamente a legitimidade de tal solução.

Podemos aventar uma reedição da “estratégia limiano” em que Luís Montenegro, capte caso a caso e em função de interesses particulares, deputados nas forças partidárias que não o apoiem, que viabilizem as suas medidas.

Nenhum dos cenários é promissor para o Governo que o Presidente da República empossará provavelmente ainda este mês ou nos princípios de abril. Não parece que seja só o pessimismo a levar a pensar que será solução frágil esta que saiu das urnas no dia 10 de março.

Mas vale a pena refletir sobre o modo como chegámos aqui.

As circunstâncias em que o Governo caiu são inaceitáveis numa democracia madura. As autoridades judiciais não podem colocar na praça pública sob suspeita de corrupção (ou de qualquer outro crime, aliás) alguém contra quem não recolheram indícios suficientes para prosseguir um procedimento judicial contra essa pessoa. Ao fazê-lo – o que se repetiu já na Região Autónoma da Madeira – apoucam-se a si próprias e espezinham o sistema democrático, retirando credibilidade às instituições.

O uso da maioria absoluta por António Costa esteve nos antípodas do que anunciara para a obter. Foi um período de auto-fechamento na convicção da justeza do rumo do PS, bem como na convicção de que o povo tudo aceitaria e perdoaria, imune à crítica construtiva.

A esquerda deixou de ser capaz de captar anseios de pessoas que se sentem perdedoras do rumo do país. Tal como aconteceu noutras paragens, as suas causas não acompanham hoje, muitas vezes, as preocupações do cidadão comum, que estejam para além da adesão ideológica.

Nestas eleições tudo confluiu para um voto de protesto protagonizado por um partido de extrema-direita. Pode ter moderado taticamente o discurso, mas as suas causas são sobejamente conhecidas. Se não é credível que os portugueses que votaram nesse partido partilhem o seu discurso de ataque ao sistema democrático, de racismo e xenofobia, de repúdio pela igualdade de género, por visões passadistas das famílias e pelo desprezo pelos pobres, por que o fizeram?

Refletir sobre o resultado destas eleições exige dos democratas que respondem à pergunta: “em que estamos a falhar?”. Essa reflexão tem faltado, à esquerda e à direita, dando espaço para que o sofrimento dos que se sentem perdedores do caminho do país se transforme em ressentimento e o ressentimento em ódio.

É altura de aceitar que o ciclo que se abriu a 10 de março é um tempo de questionamento do país que queremos ser para todos os que se identificam com a Constituição de 1976 e com o regime democrático, bem como com os valores da tolerância.

É altura de recordar Santo Agostinho quando dizia que errar é humano, mas também a esquecida segunda parte dessa afirmação, que nos recorda que, contudo, persistir no erro é diabólico.

 

Data de introdução: 2024-03-14



















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