PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

Novo governo: boas e más notícias para a economia social

O Governo que acaba de tomar posse tem a sua investidura garantida pela promessa do PS de não apresentar nem viabilizar qualquer moção de rejeição do seu programa. Quando escrevo ainda não se conhece o Programa de Governo, mas é público o Programa Eleitoral da Aliança Democrática que lhe servirá de base. Proponho-me aqui analisar o modo como esse Programa considera e enquadra o contributo da economia social para o país.

A expressão “economia social” em si mesma é pouco usada. Apenas é referida em dois contextos, o do seu contributo para a proteção e integração de imigrantes e a do seu dinamismo na inclusão de pessoas com deficiência.

O “setor social” é referido mais vezes, associado em particular ao seu papel na prestação de respostas sociais. A AD assume para com o setor, três compromissos gerais.

A AD assume um compromisso de dignificação do setor e dos seus profissionais, comprometendo-se a “consagrar o direito a uma carreira profissional aos trabalhadores das IPSS e das Misericórdias”, no quadro de um diagnóstico pessimista da realidade do setor, em particular nos cuidados, afirmando que “o afastamento de profissionais do setor social é gritante, muito motivado pela falta de atratividade dos salários e carreiras, aliado à carga de trabalho elevada”. A valorização dos profissionais é uma preocupação positiva. Poderá objetar-se que já há contratação coletiva e, consequentemente, carreiras profissionais quer com IPSS quer com Misericórdias. Mas a intenção de valorizar o trabalho é positiva e necessária.

A AD assume também um compromisso de capacitação do setor, desenvolvendo programa de “formação de gestores voluntários” e de capacitação “para respostas inovadoras que privilegiem a autonomia, o apoio domiciliário e o papel dos cuidadores informais, em detrimento da institucionalização dos utentes”. Poder-se-á referir que essa capacitação já é uma preocupação do presente, mas intensificá-la é bom.

A AD assume, finalmente um compromisso de apoio financeiro ao setor, assente em duas medidas. Propõe duplicar a consignação de IRS das famílias a favor de instituições sociais de 0,5% para 1%. Afirma a necessidade de um “compromisso plurianual entre o Governo e o setor social e solidário com verbas fixadas de modo transparente, previsível, dando segurança à tesouraria das Instituições”. Aqui há que referenciar que o subfinanciamento do setor é um dado notório e que a materialização em particular do segundo compromisso assumido é de importância vital para a qualidade dos serviços prestados e a sustentabilidade do setor.

A orientação da visão do contributo da economia social focado nas respostas sociais é ainda mais claramente percetível nas referências feitas no Programa Eleitoral às instituições da economia social.

AS IPSS e as Misericórdias são chamadas ao Programa para reconhecer o seu papel na promoção da saúde e na prevenção da doença, para o alargamento de cuidados de proximidade (nomeadamente pela contratualização de cuidados de saúde nas unidades de cuidados continuados) e para melhorar a contratualização da gestão de equipamentos sociais (aqui referida a par com o setor privado).

As Mutualidades são referidas uma única vez, para exemplificar as entidades privadas com equipamentos sociais com quem a contratualização deve ser melhorada.

As Cooperativas são referidas a propósito do seu papel no ensino superior e na promoção de habitação.

Se procurarmos perceber em que compromissos estratégicos para o país pretende a AD envolver o setor social fica, pelo que antecede, claro que este governo conta com o setor para a saúde, para as respostas sociais, em particular nos cuidados e, especialmente as cooperativas, para o ensino superior e a habitação.

É ainda pedido o compromisso do setor social com a estratégia para a melhoria da qualidade de vida. O Programa Eleitoral da AD pugna por “construir um Compromisso Social e Político para a Demografia e a Longevidade, que permita mobilizar um trabalho conjunto entre os serviços sociais e de saúde, os setores público, social e solidário e privado, sem cegueiras ideológicas, desde o governo central ao poder local.”

A formulação deste compromisso espelha bem a visão que o governo é chamado pelo Programa Eleitoral da AD a ter sobre a economia social. É notória a pretensão que apoie uma estratégia de redução da centralidade dos serviços públicos, em concorrência com o setor privado e não pela via da sua especificidade e contributo para o reforço da entreajuda e da solidariedade, ou de uma visão alternativa ao modelo liberal de sociedade, que reforce a interação entre o serviço público e formas associativas de participação social.

Na visão da AD para a economia social há uma boa noticia e uma má notícia. A boa notícia é a de que o Governo reconhecerá os problemas que o setor atravessa e se comprometerá a apoiá-lo em algumas das dimensões essenciais do papel que desempenha na sociedade portuguesa.

A má notícia é a de que o Governo não recebe do Programa Eleitoral da AD nenhuma visão integrada do contributo da economia social para a sociedade, nem o reconhecimento da sua especificidade, antes o mandato para o usar como ferramenta de privatização, a par com a privatização propriamente dita, para combater insuficiências do serviço público. Se esta visão se impuser, teremos a prazo um mercado de serviços sociais com prestadores privados, em que alguns serão de carácter social.

 

 

 

Data de introdução: 2024-04-11



















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