HENRIQUE RODRIGUES

Um novo ciclo

1 - Entro no debate sobre se é Festa - isto é, se é de festejar ou não - a visita a Portugal do Presidente da Ucrânia, que decorreu na semana que findou, tendo em conta a data em que escrevo esta crónica.

Tirando os exageros próprios de uma campanha que a imprensa procura polarizar em torno dos dois principais partidos concorrentes às eleições europeias, que intentam transpor para o plano da luta interna as divisões entre Governo e Oposição que têm marcado o clima eleitoral desde as eleições legislativas de 10 de Março, os termos da disputa assinalam-se do seguinte modo:

No debate entre candidatos que passou na televisão no dia em que Zelensky visitou o nosso País, Sebastião Bugalho considerou que tal visita constituía uma festa, que merecia festejo, sendo adequado fazer estabelecer uma conexão entre a visita e as comemorações dos 50 anos de Abril – ao que Marta Temido retorquiu alegando a imaturidade do candidato da AD a esse propósito e defendendo que uma guerra nunca poderia ser festejada.

Tenho para mim que se tratou de um momento infeliz de Marta Temido, que quis inventar artificialmente um motivo de disputa onde ela não existia, uma vez que PS e PSD pensam rigorosamente o mesmo sobre a Guerra na Ucrânia e sobre a posição que, quer Portugal, quer a Europa, devem desempenhar no conflito.

Só para citar o nosso País, por cá festeja-se – embora pouco e por poucos, mas é um símbolo – a Guerra da Restauração, que nos restituiu a independência, expulsando os Filipes e ungindo os Braganças.

Até voltou a ser feriado nacional, a 1 de Dezembro.

E, na verdade, lutar contra um invasor mais forte e mais bem armado, defendendo a integridade da sua Pátria contra a potência estrangeira invasora e as suas pretensões imperiais, é mais um entusiasmo do que um velório – por muitos velórios que desgraçadamente a acompanhem.

Se Marta Temido pretendia tirar dividendos do ar de prosápia juvenil do candidato da AD, “ (tendo) à (sua) frente um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo a olharem-(no) severamente”, como no Poema para Galileu, de Gedeão, mais lhe valera apelar aos tiques de sobranceria precoce que tem marcado a sua intervenção nos debates, num estilo ou estratégia de interrupção do discurso dos opositores, a propósito ou a despropósito, do que procurar tirar artificialmente proveito dum registo em que, por direitas contas,  Bugalho tinha razão.

2 – Tudo isto para dizer que, no essencial, se mantém o que tem sido a unanimidade do pensamento sobre a Europa, no que toca aos dois maiores partidos, que, à vez, têm assegurado o pastoreio da Pátria ao logo dos anos que levamos desde a adesão à então CEE, no tempo do Bloco Central, como foi apropriado.

Creio que é essa uma das razões por que o debate entre direita e esquerda na campanha em curso se tem centrado mais nas divergências entre as formações partidárias plurinacionais do que propriamente entre as suas secções domésticas.

Dá-se até o curioso fenómeno de a campanha ter permitido aos diversos partidos centrar o seu discurso na campanha, não no que os identifica com os congéneres europeus ondes se integram, mas nos que os distingue e afasta desses seus parceiros da véspera.

Alguns cogitam mesmo – ou dizem cogitar – em mudar de família política europeia, em homenagem às respectivas opções a nível caseiro.

E também nesta cosmética, ou nesta conversão – consoante a perspectiva do observador -, a posição perante a Guerra na Ucrânia ou perante a imigração tem sido o argumento, ou o pretexto, para o distanciamento da família por parte de vários partidos nacionais – designadamente o Chega.

Mais uma razão, tendo em conta a quase unanimidade nacional perante a ameaça russa, para considerar a falta de sensibilidade política de Marta Temido na apreciação da visita do Presidente da Ucrânia como um erro grave da sua campanha.

Não foi um “fait divers”!

3 – Perante o consenso ente Governo e Oposição, no que tange às políticas da União Europeia, o debate e as clivagens entre ambos têm tido como objecto as políticas nacionais, procurando o Governo actualmente de turno aprovar apressadamente o seu cardápio de medidas, enquanto o Parlamento permite a actual solução governativa; e defrontando na sede do poder legislativo as medidas aprovadas pelas coligações negativas que as Oposições vêm desenhando, em alternativa às do Governo.

De acordo com o Programa do Governo, entre as medidas mais urgentes, estão as da reforma do SNS – que, justa ou injustamente, foi percepcionado pelos eleitores como uma área em que o anterior Governo falhara, quer na cobertura por médico de família, quer nos atrasos nas consultas e cirurgias, quer na relação com os profissionais do Sector.

Justa ou injustamente, ficou a percepão de que parte do falhanço do Governo de António Costa na Saúde se deveu à rejeição pelo Ministério da Saúde, por preconceito ideológico, da colaboração dos sectores social e privado para um mais completo funcionamento do Sistema Nacional de Saúde, para assegurar a universalidade do direito à saúde – designadamente no reinado de Marta Temido, não tendo tido tempo Manuel Pizarro de desfazer essa percepção, como era seu objectivo.

Foi aqui que o Governo assestou as medidas tomadas – aproveitando a situação desguarnecida deixada pelo anterior Executivo.

Fez bem o Governo no apelo à colaboração de todos os agentes, para esse verdadeiro desígnio nacional desenhado por António Arnaut e pela Constituição como um direito universal – de ricos e pobres, trabalhadores e desempregados, activos ou aposentados, homens ou mulheres.

Todos! Todos!

O desenho da reforma é consoante os ditames da Constituição – e, já agora, da Lei de Bases da Saúde: baseado na Rede do Serviço Nacional de Saúde, de natureza pública, complementada pela Rede Social e pela Rede Privada.

4 – Por falar na universalidade de direitos, para além da Saúde e da Educação, coloca-se igualmente a ambição de integrar nesse naipe o direito à protecção social – este também universal, mas com prioridade e descriminação positiva dos mais desfavorecidos.

É esta prioridade que explica a solução constitucional de a espinha dorsal do sistema de protecção social ser constituída pela Rede Solidária – e não por uma rede pública ou pelo mercado.

É essa atenção prioritária aos mais desfavorecidos que explica que as comparticipações dos utentes sejam adequadas e proporcionais aos seus rendimentos.

Ora, essa regulação minuciosa dos preços dos serviços, num raro benefício aos que menos têm, afasta necessariamente a cultura do mercado.

Não há liberalismo que aguente o mercado da escassez e da pobreza.

 

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2024-06-05



















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