«IMPORTÂNCIA ECONÓMICA E SOCIAL DAS IPSS EM PORTUGAL: CENTRAL DE BALANÇOS 2021»

Aumenta a percentagem de instituições com resultados líquidos e operacionais negativos

Américo Mendes é o coordenador científico do estudo «Importância Económica e Social das IPSS em Portugal: Central de Balanços 2021», que a CNIS adjudicou à Universidade Católica- Centro Regional do Porto, apresentado em Lisboa pela CNIS. Desde 2017 que são apresentadas edições deste estudo que trabalha um conjunto de indicadores sobre a situação económica e financeira das IPSS calculados com base nas demonstrações financeiras de 1000 instituições de todo o país.
Américo Mendes é Professor Associado da Universidade Católica Portuguesa, onde coordena a Área Transversal de Economia Social (ATES), Américo Mendes é diretor das Pós-Graduações em Gestão de Organizações de Economia Social e em Gestão de Projetos de Cooperação para o Desenvolvimento.
É Doutorado em Economia pela Universidade do Arizona, EUA, tendo concluído a licenciatura na mesma área, com especialização em Planeamento do Desenvolvimento Regional e Urbano, na Universidades de Toulouse e de Aix-Marseille III, em França, em 1979.
Participou em projetos de investigação de nível nacional e internacional, nas áreas da Economia Social e da Economia Agrária e Florestal. Tem trabalhos científicos publicados (livros, capítulos de livros e artigos em publicações científicas nacionais e internacionais). É Membro do Conselho Económico da Diocese do Porto, desde Julho de 2018 e colabora como voluntário em várias organizações de economia social.

JORNAL SOLIDARIEDADE - Há algumas conclusões muito diferentes dos estudos anteriores?
AMÉRICO MENDES - Eu distingo duas componentes: uma estrutural e outra conjuntural. Nós já temos uma série de indicadores que vêm de 2016 até 2021, com este estudo, e depois brevemente, quando estiver pronto, o que está em curso para 2022, altura em que promulgaremos a série. É um período suficiente para nós termos a noção de que os valores dos indicadores que obtivemos nas primeiras edições destes estudos não eram conjunturais. Era algo estrutural que se tem mantido, na estrutura dos rendimentos das IPSS. Agora é mais do que claro que cerca de 28% desses rendimentos correspondem a mensalidades pagas pelos utentes, e, portanto, esse número não está a mexer muito. As IPSS têm de ir arranjar o resto: 40% da Segurança Social, 11% de outras entidades públicas, mais as contribuições voluntárias dos particulares, das empresas, e da sociedade civil, que são cerca de 6%, e depois mais, cerca de 10%, que são os rendimentos próprios das instituições, portanto, vendas de produtos que fazem, serviços secundários, etc. O que houve agora de conjuntural foram essencialmente os efeitos da pandemia, ou seja, houve alguma redução dos efeitos públicos das mensalidades e houve algum aumento das contribuições das entidades públicas e das contribuições voluntárias da sociedade civil, dos particulares, mas passada a pandemia, em 2021, as coisas voltam outra vez a regressar à situação anterior.

É uma aproximação a 2019...
É, isso está muito claro nos números e nos gráficos. A percentagem de IPSS que têm resultados operacionais negativos andam à volta de 17 % e as que têm resultados líquidos negativos, portanto já com os impostos e com as amortizações, são 36%.

Onde é que está aqui o aspeto conjuntural?
Essas percentagens diminuíram até 2020, mas depois da pandemia nota-se um regresso aos níveis de 2019. Ainda não chegou lá, em 2021 a percentagem de instituições que tiveram resultados negativos ainda é inferior ao que era antes de 2019, mas nota-se que há um retomar da tendência para esses valores. Outro dado fundamental é a natureza estrutural, aparece de forma consistente e nós já vamos na sexta edição: o peso elevadíssimo dos gastos com pessoal no total dos gastos das instituições, é cerca de 65%, depois a outra componente dos custos que vem em segundo lugar, vem muito longe, que é os fornecimentos e serviços externos, que é 20%. Tem vindo a aumentar o peso dos gastos com o pessoal nas instituições.

O financiamento público é, portanto, essencial para as IPSS...
A primeira componente destes estudos é sempre a central do balanço, ou seja, indicadores baseados nas demonstrações, portanto nos balanços e nas contas-resultados das instituições. Por mais esforço, competência e mais eficiência que possa haver na gestão destas instituições, o papel do financiamento público é absolutamente fundamental. Portanto, ele não pode desaparecer, não pode recuar, tem que ser corrigido e melhorado porque daí depende um pouco mais de 50% do rendimento total destas instituições, e não se pode, por mais campanhas, de angariação de fundos, ou como se diz agora, do fundraising, por mais profissionalização que se possa fazer, não se vai conseguir aumentar de um dia para o outro a participação voluntária da sociedade civil, das empresas e dos particulares no financiamento destas organizações. Estamos em níveis muito baixos, com 6%. E também os rendimentos próprios que as instituições podem gerar, também são cerca de 20%, se não estou em erro, e nem todas têm património e outros recursos para poderem vender de maneira a gerar esse tipo de rendimentos.

Porque é que o Estado tem de comparticipar em metade dos custos, como se comprometeu?
O sentido da central de balanço corresponde àquilo que toda a gente reconhece, sem qualquer resistência: o principal bem público que as IPSS produzem é contribuir para a coesão social, providenciando a pessoas que estão em situação de carência económica bens e serviços que são importantes para a vida delas, mas que elas não podem pagar a um preço que cubra o custo. Mas o fundamental é que as IPSS também produzem outros dois bens públicos muito importantes para vivermos bem: reduzem as disparidades regionais, contribuindo para a coesão territorial e, especialmente depois da pandemia, também têm um papel muito importante na saúde coletiva. Nesta última edição do estudo acrescentamos dados, compilados a partir da carta social, que mostram que mais de 90% da capacidade e dos equipamentos da área da saúde, nas várias respostas sociais das IPSS e das outras instituições com fins lucrativos ou estatais que estão nesta área, mais de 90% dessas respostas sociais da área da saúde estão nas IPSS. Portanto, elas são produtoras de serviços de saúde e contribuem para a melhoria da saúde coletiva. Portanto, não é só a coesão social, é também esse bem público muito importante, que é a saúde de nós todos.

Este estudo demonstra essas conclusões?
O bem público fundamental das IPSS contribuírem para a coesão territorial, está bem ilustrado, já no primeiro estudo, naquele famoso multiplicador do rendimento local: quando uma IPSS, através de financiamentos sociais, nativos e outros recursos, capta para o seu território 1 euro, esse valor é multiplicado por mais de 4 na sua economia local. E há que ter em conta que em muitas partes do território, chamado Portugal de baixa densidade ou interior, onde o Estado não está ou está pouco e o setor social lucrativo também não está, são as IPSS que resistem. Estão em cerca de 70% das freguesias, naquele país onde não está mais ninguém, assegurando cuidados da saúde à sua população. E além disso, há ainda o peso das IPSS no emprego local, no emprego de cada concelho, onde são geradoras e mantêm emprego naquelas partes do país onde pouco mais entidades o fazem. Isto é um contributo muito importante para a correção territorial. A mensagem central que se tem vindo a querer fazer passar com estes trabalhos, atestando isto com os dados que vamos recolhendo é que as instituições cada vez mais têm este triplo papel de contribuir para mais coesão social, menos desigualdades regionais no nosso país e também um papel muito importante na saúde coletiva, especialmente da população cada vez mais idosa que vamos tendo e que iremos continuar a ter no futuro.

O facto de se ter passado para uma duplicação da amostra com 1000 IPSS, acabou por, mais do que clarificar, acabou por reforçar as grandes conclusões...
Não mudou nada de substancial. Já era previsível que isso acontecesse, mas de qualquer forma nós fizemos um esforço, e continuamos a fazer, para que o estudo seja o mais robusto possível. Com 1000 IPSS em 5000, que é o total nacional, continente, Açores e Madeira, é uma amostra robusta.

E em relação à qualidade da informação? No primeiro estudo houve problemas na obtenção da informação. Está resolvido?
Esse é um calvário que infelizmente continua. A senhora ministra devia dar ordens na Segurança Social para que possamos ter acesso direto às contas que as instituições são obrigadas a manter. Isto está tudo numa base de dados à qual nós não temos acesso. Temos de andar no Google, na internet, ir aos sites das instituições e copiar manualmente as contas. Isto não faz sentido nenhum, mas não há outro método. Se houvesse acesso aos dados da Segurança Social os estudos estariam a sair a uma cadência mais rápida.

Este estudo refere-se a 2021...
Sim. As instituições precisam do seu tempo para elaborar, aprovar e validar as contas, mas também é preciso do lado de cá um tempo enorme para poder copiar as contas de mil instituições. É assim que esta bateria de indicadores se tem mantido constante e regular desde 2016.

Julgo que não será o papel deste estudo dar recomendações quer às IPSS quer aos governos, mas defende o modelo de solidariedade social que existe em Portugal por oposição à estatização ou à mercantilização...
Realmente, não sei se passei um bocadinho do meu papel, mas também sou cidadão e também tenho, e julgo que ninguém vai levar a mal por isso, tenho a minha opinião. Há alguma resistência de um lado e do outro. Uns acham que se deve reduzir o papel do Estado no financiamento público destas instituições e as IPSS são desafiadas a fazer mais pela vida, angariando recursos e aumentado o autofinanciamento; e há outros que acham que o Estado deve assumir um papel maior de prestador, não só de financiador, mas de prestador direto de serviços que atualmente são prestados pelas IPSS. Eu acho que nem um caminho nem outro são bons. Quando num país, numa sociedade, existe uma disponibilidade de muitos cidadãos que voluntariamente se organizam para ajudar o próximo, o resto da sociedade civil e do Estado só podem ajudar. O Estado não se pode demitir de cofinanciar, claro, regulando, contratualizando, com certeza, mas não se pode demitir. Eu já ouvi para aí algumas coisas nos últimos tempos, de quem tem responsabilidades neste setor, que não parecem ir por aí. E, em meu entender, é preocupante.

V.M.Pinto – Texto e fotos

 

Data de introdução: 2024-07-10



















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