A CNIS promoveu, no passado dia 23 de julho, o seminário «Vivências da sexualidade, afetos e relações de intimidade: o caso das pessoas mais velhas apoiadas pelas IPSS», que decorreu no Centro de Congressos de Aveiro e contou com um conjunto de preletores que transformou o dia de trabalho numa jornada de formação e informação sobre uma temática ainda tabu.
Aliás, a generalidade dos intervenientes sublinhou “a coragem” da CNIS em promover a abordagem e discussão de um tema que tem tanto de real como de tabu.
E porque as questões da sexualidade e das relações de intimidade nas IPSS são complexas, multidimensionais e apresentam desafios não só para os utentes e as famílias, mas igualmente para as instituições e seus trabalhadores e dirigentes, a CNIS decidiu avançar com este debate.
Como lembrou o presidente da CNIS, padre Lino Maia, as instituições cuidam de “pessoas de direitos, mas também de pessoas de expressões”.
E sendo a sexualidade umas dessas expressões há que lhe dedicar alguma atenção, o que começou por fazer este primeiro seminário sobre a temática.
Entre as diversas conclusões que emanaram do intenso dia de trabalho, foi unânime que “deve partir-se do pressuposto de que as pessoas têm o direito de decidir autonomamente também quanto à expressão da sua sexualidade, sendo este direito um direito fundamental dirigido à manutenção da dignidade de cada pessoa, seja qual for a sua idade e a sua condição de saúde”.
No entanto, “é um direito que enfrenta dificuldades relacionadas com atitudes inadequadas dos profissionais e dos outros utentes (ridicularização, inferiorização, discriminação) e ainda com as fragilidades das instituições (limites físicos das suas instalações e falta de formação dos profissionais)”.
E os limites “vão desde aquilo a que se pode chamar uma ‘conspiração de silêncio’ em relação à sexualidade nas pessoas mais velhas até à ausência de informação sexual dirigida a elas, passando pela construção social do envelhecimento da mulher e os estereótipos de género que lhe estão associados, que tornam mais evidente a ideia de que a sexualidade não tem aí lugar”.
Estas e outras conclusões foram compiladas a partir das intervenções de Maria João Quintela, vogal da Direção da CNIS, António Fonseca, da Faculdade de Educação e Psicologia (Universidade Católica), António Leuschner, psiquiatra, Joana Silva Aroso, advogada, Vânia Beliz, psicóloga clínica e sexóloga, e Bruno Barrinha Rocha, Escola Superior de Saúde (Universidade do Algarve), para além do presidente da CNIS.
E para que a intervenção das instituições seja o mais adequada possível, a sua prática concreta “deve atender ao modo como os cuidados, os espaços e as rotinas nas instituições devem ser adequados à possibilidade de os utentes pretenderem viver ativa e plenamente a sua sexualidade ou manter relações de intimidade, e sobre o modo como as equipas de profissionais devem ter acesso a formação que lhes permita fazê-lo”.
Neste aspeto, emanou dos trabalhos a convicção de que “a possibilidade de fazer escolhas relativas à sua vida inclui a possibilidade da expressão da própria sexualidade, mas estas escolhas estão limitadas a vários níveis e em várias dimensões”.
E estas dimensões vão desde as limitações físicas dos espaços, mas igualmente à forma como a sexualidade entre os idosos ainda é encarada.
“Esses limites vão desde aquilo a que se pode chamar uma ‘conspiração de silêncio’ em relação à sexualidade nas pessoas mais velhas, até à ausência de informação sexual dirigida a elas, passando pela construção social do envelhecimento da mulher e os estereótipos de género que lhe estão associados, que tornam mais evidente a ideia de que a sexualidade não tem aí lugar”, afirmou Maria João Quintela, aquando da leitura das Conclusões, acrescentando: “A visão tradicional do que é a norma do ponto de vista sociocultural tem, muitas vezes, influência na perceção das necessidades dos mais velhos por parte dos próprios e dos seus cuidadores, determinando a (im)possibilidade de manter relações de intimidade e de viver a sua sexualidade”.
E as limitações não se ficam por aqui: “Por outro lado, há múltiplos outros fatores – físicos, psicológicos ou psíquicos, individuais, sociais ou ambientais – que influenciam a sexualidade e, dentre estes, há fatores com implicações ao nível da saúde, bem como incapacidades físicas que dificultam a autonomia e que se convertem numa afetação negativa da sexualidade dos utentes. Revela-se, por isso, determinante olhar de forma atenta para as questões relativas à promoção da saúde sexual, apoiando as pessoas a encontrarem o seu bem-estar e felicidade e garantindo as condições para a sexualidade, que é ela mesma uma dimensão desse bem-estar”.
Por outro lado, “importa ainda pensar sobre a manutenção da capacidade de uma pessoa com alterações cognitivas para, no respeito pela sua dignidade, gerir a sua pessoa e tomar decisões sobre cuidados prestados. Tomar decisões sobre cuidados prestados pode implicar tomar decisões sobre relações afetivas e da sexualidade e importa perceber se e como se preserva a autonomia e a capacidade para consentir, em especial se pensarmos que se trata de direitos pessoais. Uma pessoa num processo de alterações cognitivas, mas em que a sua lucidez se mantém a espaços, pode exercer pessoalmente os seus direitos ou deve ser protegida de si própria? Se sim, quando, como, por quem e em que condições? Sem incapacitação, sem paternalismo e sem infantilização, falou-se na ideia de que terá sempre de ser um ‘fato à medida’, fato esse que acautele, também aqui, os diversos espaços legítimos de realização pessoal”.
Daí que a prática concreta das instituições deva atender “ao modo como os cuidados, os espaços e as rotinas nas instituições devem ser adequados à possibilidade de os utentes pretenderem viver ativa e plenamente a sua sexualidade ou manter relações de intimidade e sobre o modo como as equipas de profissionais devem ter acesso a formação que lhes permita fazê-lo”.
Acima de tudo, “importa que as instituições se preparem para os difíceis equilíbrios entre as suas próprias perceções, as necessidades dos seus utentes e o papel da família nesta equação”, pelo que “é fundamental promover abordagens desprovidas de juízos de valor, bem como garantir que essas abordagens são respeitadoras das diferenças e identidades dos utentes e não assumem contornos discriminatórios, como por exemplo em relação às mulheres ou em relação às minorias sexuais”.
Nesse sentido, “a organização dos espaços das instituições não pode deixar de atender ainda ao respeito pela intimidade da vida privada e à privacidade dos seus utentes na expressão da sua sexualidade”.
“Em conclusão, a ideia transversal que se pode retirar dos trabalhos do seminário prende-se com aquele que é um dos maiores desafios que se põem hoje às instituições, que é a individualização dos cuidados e a ideia de que o cuidar não é executar a tarefa, é atender à pessoa concreta e à sua individualidade e diversidade. É a pessoa, na verdade, ‘o centro do sistema’”, afirmou Maria João Quintela e finalizou dizendo: “Esta ideia não pode deixar de se repercutir nos trabalhadores, nos dirigentes, nas próprias instituições e na sua gestão e organização. Por essa mesma repercussão, impõe-se não deixar cair o tema, razão por que a CNIS se compromete em mantê-lo na ordem do dia”.
Assim, e dando seguimento a esta ideia, a CNIS promove, no próximo dia 19 de setembro, no Casino Fundanense, no Fundão, um seminário semelhante, desta feita com a abordagem às «Vivências da sexualidade, afetos e relações de intimidade na prestação de cuidados: o caso das pessoas com deficiência apoiadas pelas IPSS”.
FRASES A RETER
“Admiro a coragem da CNIS em abordar esta temática”
Ribau Esteves, presidente da Câmara Municipal de Aveiro
“Somos pessoas de expressões e o tema da sexualidade é ainda tabu e nas IPSS é mesmo um tabu”
“As pessoas têm direito a ser felizes e a não terem os seus direitos cortados”
“Vamos pôr este tema na agenda e ele vai ter impacto nas nossas instituições”
“Não podemos meter a cabeça na areia e os trabalhadores e os dirigentes necessitam de formação nesta área”
Padre Lino Maia, presidente da CNIS
“A invisibilidade das questões sexuais é real em todas as idades e quando é abordada não é pela melhor maneira”
“Não há sexualidade sem corpo”
“É muito injusto comparar a vida sexual dos mais velhos com a dos mais novos. O corpo não é igual, o desejo não é igual”
António Fonseca, da Faculdade de Educação e Psicologia, da Universidade Católica
“A Saúde tem um papel muito importante no bem-estar das pessoas e a saúde sexual é mental e física”
“Da Saúde espera-se que ajudem as pessoas a encontrar o seu bem-estar e a felicidade”
António Leuschner, médico psiquiatra
“Não há sexualidade sem consentimento e sem dignidade humana”
Joana Silva Aroso, advogada
“A sexualidade é política”
Vânia Beliz, psicóloga clínica e sexóloga
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