Na agenda política do nosso país, nas últimas semanas, para além dos problemas com acesso a cuidados urgentes de saúde, muito se tem falado da elaboração do Orçamento do Estado (OE). Os Partidos Políticos, com assento parlamentar, sobretudo os que maior poder têm para viabilizar ou não a aprovação de tão importante documento para a governação do país, vêm a público dar a conhecer o que exigem do Governo para a aprovação do OE. Fala-se de alterações no IRS, no apoio à habitação, à Saúde e à Educação, na regulação da entrada de migrantes. Confesso que este é o único tema mais profundamente social de que muito tem falado uma força parlamentar. De resto, pessoalmente, ainda nada ouvi, de relevante, sobre percentagens orçamentais para a erradicação da pobreza, para a solidariedade social, que, concretamente, dê um contributo maior para a urgente sustentabilidade de uma significativa parte das nossas IPSS.
Na elaboração de um OE tem que haver competências técnicas relevantes, visão política que tenham como único alcance o bem comum do qual ninguém fique de fora. Economistas, financeiros e políticos, a par das qualidades que tenham para a realização de tarefa tão exigente e influente para a governação de Portugal durante o próximo ano, não podem deixar de possuir condições morais, ou seja, que sejam capazes de se colocarem acima de quaisquer interesses político-partidários, bem como de se conservarem imunes a pressões que não tenham como finalidade última o desenvolvimento sustentável do país.
Este tipo de desenvolvimento não pode dispensar a dimensão ética. Só se consegue ter esta capacidade na medida em que se considerar a pessoa como um ser portador de uma dignidade inviolável e a natureza, não como algo de que podemos dispor, como se fossemos seus proprietários. Nunca se conseguirá OE sem se reconhecer esta centralidade do ser humano e dos seus valores incomensuráveis, face a opções impessoais dos cifrões e das burocracias, que, muitas vezes, obstaculizam o direito à igualdade de oportunidades. O primado da pessoa aponta para a prioridade do ser sobre o ter, do qualitativo sobre o quantitativo. A execução do OE não é possível sem a participação criativa, fidedigna, honesta, tendo como metodologia a subsidiariedade. Para a solução de problemas estruturantes, sou defensor da criação de políticas públicas. Porém que sejam construídas no sentido de que todos tenham igual oportunidade de aceder ao que delas resultar de desenvolvimento pessoal e comunitário. Por isso, que a construção dessas políticas sejam da responsabilidade da Assembleia da República e do Governo, mas a sua aplicação respeite o princípio da subsidiariedade, porque ganhará em eficácia e eficiência. Nunca é demais lembrar que em qualquer medida de governo da nação, os legisladores têm o dever também de libertar a exequibilidade, seja do que for, das garras paralisantes, que são o excesso de atos burocráticos.
Dado que o desenvolvimento sustentável tem uma dimensão dinâmica tem de se alavancar no conhecimento da realidade e numa constante preocupação social para que ninguém fique na margem do desenvolvimento económico. Esta dinâmica exige uma nova teoria de desenvolvimento. Há que ajustar a valorização moral e o aumento das capacidades participativas das cidadãs e dos cidadãos a nível individual e/ou através da integração em órgãos intermédios, como são as IPSS. Enquanto não for assim, a democracia não se realiza completamente, porque se governa para o povo e não com o povo. Quando assim for, os cidadãos sentem-se mais ou menos integrados nas suas comunidades locais, regionais e nacional. São duas, entre outras, as atitudes fundamentais nas propostas éticas do desenvolvimento: (a) É necessário trabalhar na linha de um fortalecimento do tecido social, e na criação de novas formas de organização tendentes a abandonar burocracias e jerarquias; (b) É preciso comprometer-se com instituições sociais e políticas, para reivindicar junto da Administração Pública, recursos em favor de áreas em piores situações económica e socialmente. O acompanhamento da execução do OE deveria ser acompanhado por este tipo de instituições e não só pela Assembleia da República.
Para que a elaboração do OE possa ter em consideração estes valores morais é importante que todos os que têm esta responsabilidades não deixem de ter em conta a justiça social e a solidariedade. Sem elas é inevitável o aumento das injustiças sociais que geram as causas de múltiplas formas de pobreza e de exclusão social. Que o OE apresente medidas que são fundamentais para vencer este flagelo que no nosso país teima a resistir aos programas elaborados. É imprescindível investir, significativamente, no sentido de eliminar o abandono ou o insucesso escolar e criar incentivos para a criação de postos de trabalho com salários dignos, porque não sendo estas as duas únicas soluções para a erradicação da pobreza, são das mais significativas. A concretização do OE, se se tiver em conta os pressupostos morais referidos, apontam para um indicador de responsabilidade comum. É uma visão de um novo tipo de pessoa cuja prática solidária e responsável há de realizar-se mediante o reconhecimento dos outros, como pessoas com igual dignidade.
A questão ecológica também não pode ficar esquecida no OE. Ela é transversal a todas as áreas governativas. A qualidade de vida há de alicerçar-se numa sensibilização e formação permanentes que levem a um aumento progressivo da consciência ética que têm a sua fonte e referência na responsabilidade tanto nas políticas meio-ambientais como no enfrentar estruturas básicas e os problemas sociais de nível nacional.
Tenho plena consciência de que os implicados no OE, que vai ser posto à apreciação e votação dos grupos parlamentares, não têm em conta estes pressupostos e outros que, por falta de espaço não referi, porque, mesmo que tenham a perceção da importância destes valores morais, motivações financeiristas e ideológicas sobrepõem-se à opção pelo bem comum. Pelo menos que prevaleça uma atenção preferencial por medidas púbicas de políticas de solidariedade social.
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