HENRIQUE RODRIGUES

“O Verão já terminou/ foi um sonho que findou” (Carlos Mendes, canção “O Verão”)

1 - Ainda recordo – lá dos confins da memória - o tempo abençoado da infância e juventude, quando as chamadas “férias grandes” mereciam essa designação e o Verão se prolongava até final de Setembro, assegurando o amadurecimento dos frutos e as vindimas e favorecendo, no ambiente rural que era então o predominante, a reunião geral das famílias num regresso ritual e gregário ao rincão natal.

Quando “ninguém estava morto”, como dizia o Pessoa.

As férias, para quem andava na escola, começavam em 12 de Junho e terminavam em 7 de Outubro – salvo se fosse ano de exames, do 5º ou do 7º anos do ensino secundário, que reduziam as férias a dois meses: Agosto e Setembro.

Agora, a minha neta, que entra este ano na escola, começa as aulas na primeira quinzena de Setembro. ainda antes do S. Miguel, que dantes marcava o fim do ano agrícola e o começo de um novo ano, segundo as leis da natureza.

Hoje o mundo é outro, mais apressado, sem tempo para o apaziguamento das longas tardes de leitura, que caracterizavam as praias cá do Norte, mesmo em Agosto, sob o aconchego das camisolas a proteger da permanente nortada.

A bem dizer, e no que toca ao nosso viver colectivo, hoje o Verão acaba em 15 de Agosto, que é quando se verifica a chamada “rentrée” e quando as famílias enxameiam aeroportos e autoestradas, no regresso a casa.

Os partidos dão o exemplo - se se pode chamar exemplo a isso … -, marcando o início do ano político para meados de Agosto, em comícios inaugurais de um novo ciclo anual de actividades e iniciativas.

A Festa do Pontal marca o fim das férias.

2 - O tempo de férias de Verão, em termos de comunicação, tem sido chamado a “silly season”, que quer dizer “a estação ridícula”, por os “media” apenas noticiarem trivialidades, por carência de notícias relevantes.

(Os próprios jornalistas estão de férias …)

Mas, nos últimos anos, a “silly season” mudou.

Para alem de nos manter informados sobre eventos mundanos ou receitas de bacalhau, os “media” têm-nos mantido alerta com notícias reais sobre ineficiências na prestação de cuidados de saúde.

Estamos todos lembrados do Verão do ano passado, marcado por serviços de urgência encerrados em vários hospitais, designadamente em Ginecologia e Obstetrícia, causando o pânico nas mulheres grávidas em situação de urgência, forçadas a peregrinar de hospital em hospital, até encontrar um onde fossem atendidas ou onde pudessem nascer os seus filhos.

O ambiente comunicacional então gerado, para além de representar uma situação real, de efectiva disfuncionalidade do Serviço Nacional de Saúde e de grave prejuízo para os utentes, teve também efeitos políticos devastadores para o Governo de então, a cargo do Partido Socialista.

Com efeito, se António Costa deixou o cargo de Primeiro Ministro, com a consequente dissolução do Parlamento e queda do Governo, por causa do parágrafo no comunicado da Procuradora Geral da República, não foi por isso que o PS perdeu as eleições que se lhe seguiram.

Em grande medida, essa derrota deveu-se ao ambiente comunicacional gerado em torno das falhas no SNS, que o PS reivindica como património seu, sofrendo o respectivo ónus.

A AD acertou no alvo, ao identificar o SNS como o saco de pancada no PS, tornado o tema central da campanha eleitoral nas últimas eleições legislativas, que deram a vitória à Aliança Democrática.

Mas o Verão de 2024 replicou o panorama do Verão de 2023, mantendo as urgências de Obstetrícia e Ginecologia - e também Pediatria -, como o polo de críticas, aliás justas, dos cidadãos, perante a narração de episódios verdadeiros, de mulheres a correrem, desamparadas, de urgência em urgência, a buscar tratamento ou quem lhes fizesse o parto.

Não quero crer que o actual Governo, que tanto apostou na denúncia do funcionamento do SNS como trunfo eleitoral, prometendo reverter a situação em três meses, não tenha feito tudo o que estava ao seu alcance para obter esse resultado.

Mas foi confrontado com os mesmos constrangimentos dos governos que o precederam, obtendo o mesmo insucesso.

Por outro lado, ao falar do SNS, não devemos olhar só para as ineficiências presentes, esquecendo os resultados que, ao longo dos anos, a nossa saúde e a nossa esperança de vida devem ao SNS.

Não consegue atender, no tempo e no lugar próprio, todas as mulheres grávidas que dele necessitam; mas deve-se ao SNS a diminuição da mortalidade peri- e neonatal para níveis que constituem motivo de orgulho para Portugal.

E, se duramos, em média, mais de 80 anos, também o devemos à prevenção em saúde e aos cuidados do SNS.

Mas, como em tudo, deve ponderar-se o equilíbrio próprio das soluções sensatas.

O actual Governo propõe-se triar as verdadeiras situações de urgência, encaminhando para outras soluções de atendimento os casos de recurso às urgências patentemente injustificados.

(Na semana passada, um médico ginecologista veio referir em público situações de recurso a urgência hospitalar por mulheres apenas para saberem se estavam grávidas, assim prejudicando o atendimento de situações verdadeiramente urgentes.)

Embora tal modelo já constasse da lei no tempo do Governo do PS, o certo é que o mandato de Marta Temido deixou a percepção de que a Ministra considerava que a possibilidade de a gestão de Unidades de Cuidados de Saúde Primários poder ser assegurada pelo Sector Social seria uma ficção, não seria para considerar como proposta séria – mesmo que viesse comprovadamente a assegurar uma maior cobertura da população pela Medicina Geral e Familiar.

(O mesmo não se pode dizer do Ministro que lhe sucedeu, Manuel Pizarro, que reconhecia as virtualidades da cooperação do Sector Social para aumentar a eficiência do Serviço Nacional de Saúde.)

Nessa medida, a proposta do Governo, de abrir as chamadas Unidades de Saúde Familiar – Modelo C à gestão de IPSS, representa uma viragem de perspectiva, despida de preconceitos ideológicos, que é de saudar.

3 – Como era de prever, esta abertura do SNS ao Sector Social suscitou a imediata discordância das corporações habituais, políticas ou de representação da classe, que invocam a dificuldade em reter os médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar em unidades sob gestão pública – advertindo contra a concorrência desleal que seria a prática de remunerações mais atrativas nas USF Modelo C.

O debate público sobre as reivindicações dos médicos radica nos valores das remunerações, que os sindicatos e a Ordem dos Médicos consideram escassos e pouco atractivos para os médicos vinculados ao SNS; e nas condições e horários de trabalho, que consideram excessivo.

O debate não tem desvendado com clareza a estrutura remuneratória dos médicos do SNS, para podermos, do lado da cidadania, avaliar da justeza da sua luta por melhores salários.

Não sabemos quanto ganham por mês, contando remuneração-base, horas extraordinárias e serviço de Urgência. 

Para uma aproximação a essa realidade, consultei o site da Caixa Geral de Aposentações, onde pude recolher a informação de que, só em Agosto de 2024, se haviam aposentado 17 médicos assistentes hospitalares com pensões de aposentação superiores a 5.000,00 euros.

 

Ora, como as pensões são, em regra, inferiores à remuneração recebida no activo …

Trata-se, como é evidente, de médicos em fim de carreira – pois que se reformaram.

Mas, por outro lado, tenho ouvido referências insuspeitas a salários baixos para os médicos mais jovens, a trabalhar no SNS – os que podem ser tentados a sair para trabalhar no estrangeiro.

Para ganhar o apoio e a solidariedade dos seus concidadãos, é mister que as reivindicações dos médicos do SNS sejam vistas como justas.

E. mais do que percepcionadas como justas, que o sejam de verdade.

Sem coreografias.

Para tanto, importaria sermos informados da radiografia salarial efectivamente praticada no SNS e para que grupos é pedido o substancial aumento de salários.

Fica a sugestão para que os sindicatos médicos e a sua Ordem nos esclareçam estes pontos mais obscuros …

 

Henrique Rodrigues - Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

 

 

Data de introdução: 2024-09-11



















editorial

TRANSPORTE COLETIVO DE CRIANÇAS

Recentemente, o Governo aprovou e fez publicar o Decreto-Lei nº 57-B/2024, de 24 de Setembro, que prorrogou, até final do ano letivo de 2024-2025, a norma excecional constante do artº 5ºA, 1. da Lei nº 13/20006, de 17 de Abril, com a...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

A segurança nasce da confiança
A morte de um cidadão em consequência de tiros disparados pela polícia numa madrugada, num bairro da área metropolitana de Lisboa, convoca-nos para uma reflexão sobre...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

A propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza
No passado dia 17 de outubro assinalou-se, mais uma vez, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Teve início em 1987, quando 100 000 franceses se juntaram na...