HENRIQUE RODRIGUES

“ERRO PRÓPRIO” (António Maria Lisboa)

Corro propositadamente o risco de voltar ao tema da crónica que aqui publiquei em Agosto passado, sobre a coreografia que tem marcado as posições dos principais parceiros – Governo, PS e Presidente – no processo de negociação do Orçamento do Estado para 2025.

Mas, em meu abono, recordo que se trata de um tema que ainda não abandonou a boca do palco da actualidade política cá do rectângulo, que ocupa obsessivamente desde há dois meses, tardando o esperado clímax, isto é, sabermos todos se há acordo do Governo com o PS – e se, não o havendo, iremos ou não para nova dissolução do Parlamento e consequentes eleições legislativas – as terceiras em um ano.

O principal adepto do acordo entre o Governo e o PS para a aprovação do Orçamento tem sido o Presidente da República, que tem insistido publicamente no aconselhamento desses dois actores, para que se entendam.

É variado o leque das explicações para o envolvimento tão intenso de Marcelo Rebelo de Sousa neste processo.

(Mesmo aqueles que entendem que Marcelo Rebelo de Sousa muitas vezes dilui e desperdiça a importância da sua magistratura de influência pelo uso excessivo da palavra, a propósito de tudo e de nada, admitem que neste processo Marcelo Rebelo de Sousa leva ao extremo esse uso, intervindo directamente na luta político-partidária, manifestamente fora da magistratura de influência que é a sua, empurrando Governo e PS para o acordo, ao admoestar publicamente o Governo sobre a fragilidade parlamentar que o suporta, e ao dar ao PS o seu próprio exemplo, enquanto líder do PSD, de viabilização dos Orçamentos de Estado no tempo do Governo de António Guterres.)

A explicação mais glosada sobre a motivação presidencial para esse afã de aconselhamento tem sido a de o Presidente não querer deixar a imagem póstuma do seu mandato associada a um período de instabilidade político-institucional, com Governos a durarem tanto como os da 1ª República e correndo o risco de essa precariedade institucional vir a desaguar em soluções autoritárias, como aconteceu em 1926.

Tal instabilidade – crê-se que o próprio Presidente já o admite – é particularmente causa de perplexidade no que toca ao processo que levou à demissão inopinada de António Costa de Chefe do Governo, à conta do comunicado da Procuradoria Geral da República.

2 – Mas não se pode deixar de considerar uma motivação mais próxima da personalidade de Marcelo Rebelo de Sousa – a que o leva a apontar a Pedro Nuno Santos o seu próprio exemplo (dele, Marcelo Rebelo de Sousa), a propósito da viabilização dos Governos de António Guterres.

O Presidente da República tem aflorado a ideia de que o seu entendimento com Guterres, no final da década de 90 do século passado, se deveu à constatação de que, tendo sido Guterres a vencer as eleições, lhe cabia governar, sendo o dever da Oposição viabilizar o exercício do poder pelo vencedor.

Mas a história não foi tão simples.

Não foi tão despojada a motivação do então líder do PSD.

 A viabilização do Programa de Governo teve um preço – e alto.

Ainda hoje estamos a pagar esse preço.

Convém recordar que uma das principais promessas eleitorais de António Guterres fora o cumprimento da obrigação constitucional de proceder à Regionalização do território do nosso País.

Ora, Marcelo impôs a Guterres, como condição para deixar passar o Programa de Governo, que a organização regionalizada do território ficasse dependente da realização de um referendo, exigindo, para o resultado ser vinculativo, a participação maioritária do eleitorado.

Do desenvolvimento dessa condição, de par com erros próprios dos defensores da Regionalização, designadamente quanto ao mapa das Regiões a criar, resultou do referendo de 1998 continuarmos o País mais centralizado da Europa a que pertencemos, em que o peso da capital sufoca as energias criadoras das periferias e em que a corte – e os cortesãos – absorve os recursos públicos que deveriam equilibrar as desigualdades.

Até hoje – já lá vão 26 anos!

(Marcelo Rebelo de Sousa aparece tão identificado com as forças que se opõem à regionalização que António Costa, que inscrevera a retomada do processo de regionalização no seu Programa de Governo, veio expressamente a abandonar essa promessa, imputando à oposição do Presidente da República o incumprimento da promessa eleitoral – no tempo da coabitação cúmplice que marcou os primeiros anos de Governo de António Costa e o primeiro mandato de Marcelo.)

3 – Também nos efeitos duradouros decorrentes das condições apostas pelas Oposições para viabilizar Governos minoritários se equiparam os comportamentos de Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Nuno Santos, enquanto lideres daquelas.

Assim como Marcelo logrou manter até hoje, desde há 26 anos, o travão ao processo de regionalização, também relativamente à redução do IRC Pedro Nuno pretende amarrar o Governo nos anos subsequentes a 2025.

Será legítimo concluir desta aparente semelhança de estratégia que Pedro Nuno Santos irá deixar passar o Orçamento para 2025 – como Marcelo Rebelo de Sousa com Guterres?

É certo que há diferenças na pose.

Hoje, as negociações são às escâncaras. Parece que as propostas são mais destinadas ao público do que à outra parte.

Quererá este padrão dizer que não se trata de verdadeira negociação, mas apenas actuação – como num teatro?

Mesmo o mediador – o Presidente -, que veio agora anunciar o seu silêncio, não deixou de participar no processo das portas abertas.

Mas, verdadeiramente, o que quer cada um dos parceiros?

Que cartas têm nas mãos? E quem parte o baralho?

 

(Nota Final)

Ontem, 5 de Outubro, festejou-se a República.

Para quem é do Porto, como é o meu caso, a implantação da República festeja-se simbolicamente a 31 de Janeiro – data da chamada Revolta do Porto, que implantou brevemente a República na cidade, nesse dia do ano de 1891, 19 anos antes de Lisboa.

O Movimento do 31 de Janeiro, comemorado no Porto, invariavelmente, durante a Ditadura, numa homenagem aos mártires da Revolta, no cemitério do Prado do Repouso, tendo sido vencido, permaneceu sempre com aquela aura romântica que timbra as revoluções justas, mas que não tiveram sucesso.

Foi assim a sua evocação poupada aos episódios de violência, perseguições e caos que se verificaram durante a 1ª República – e que criaram o clima propício à implantação do Estado Novo.

Termino como o Presidente da República no Parlamento: Viva a República!

 

Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2024-10-09



















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