As comemorações do Dia Nacional da Paralisia Cerebral, que se assinala a 20 de outubro, decorreram ao longo de três dias em Vila Real e tiveram o seu início com a realização de um congresso subordinado ao tema «Paralisia cerebral: visões holística-sistémicas da intervenção», na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Promovido pela Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral (FAPPC), este ano em parceria da Associação de Paralisia Cerebral de Vila Real (APCVR), o congresso abordou formas diversas de fazer intervenção nas pessoas com esta condição de vida, como o reiki ou a hipnose, entre outras abordagens, mas também houve espaço para um momento mais político-institucional.
Rui Coimbras, presidente da FAPPC, logo na abertura abordou diversas questões que fazem parte do caderno reivindicativo que a Federação tem apresentado aos sucessivos governos, sem, no entanto, ter tido sucesso na sua aplicação, pelo menos até agora.
De seguida, Rui Coimbras indicou algumas questões que são transversais a todas as associadas da FAPPC, como a “necessidade de incentivar a formação de terapeutas junto das universidades e politécnicos, onde atualmente há escassez, como, por exemplo, terapeutas da fala em todo o país”.
A transição de Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) para Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão (CACI) e a situação do Centro de Recursos para Inclusão (CRI) também foram temáticas abordadas por Rui Coimbras.
“A lei aprovada e, entretanto, ‘suspensa’ é toda ela um conjunto de problemas. Em fevereiro de 2023, num congresso, no Porto, sobre este tema, a anterior Secretária de Estado da Inclusão prometeu reunir com as Federações no sentido de rever e melhorar a legislação. Tal nunca aconteceu”, começou por dizer, elencando os principais problemas da resposta de CACI: “Rácios colaboradores/clientes (1/10), o que na Paralisia Cerebral é um rácio surreal; dificuldades financeiras na transição de CAO para CACI, seja com transportes, perfil dos clientes, flexibilização dos quadros de pessoal para o perfil dos clientes de um determinado CACI até ao envelhecimento dos clientes e colaboradores, que obriga a um aumento das necessidades de prestação de apoio; importância de rever a questão de retroativos de quem assinou o novo contrato; acidentes de trabalho dos clientes, pelo que é necessário a clarificação dos seguros do trabalho em contexto de CACI, pois nestas situações deveriam ser apólices com soluções próximas dos acidentes de trabalho, uma vez que não pode ser este “tipo” de seguro, dado que são clientes e não colaboradores/as; necessidade de serviços de suporte que acompanhem o natural envelhecimento dos cuidadores; desgaste e necessidades de adaptação aos postos de trabalho”.
Para Rui Coimbras, “estes são alguns dos problemas graves que temos com os CACI, que funcionam com verbas de CAO e com dinâmicas de CACI”, pelo que “o ideal seria haver um suplemento por dependência, como existe nos idosos, o que é facilmente comprovado”.
Relativamente à situação dos CRI, para o líder da FAPPC, “seria importante promover a estabilidade dos acordos e/ou a sua plurianualidade, permitindo às instituições meios para ter equipas estáveis”, sublinhando que “há a necessidade de esclarecimento se o financiamento ‘extra’ recebido no final de um ano letivo transita para o seguinte ano letivo ou se tal foi apenas excecional para o ano letivo 2023/24”.
O presidente da FAPPC referiu-se ainda ao financiamento do Instituto Nacional de Reabilitação (INR), começando por lembrar que, “na atual redação da lei de financiamento, todas as Federações e Associações, por mais pequenas ou grandes que sejam, concorrem a um mesmo bolo orçamental”, defendendo que “as ONGPD que estão representadas na Comissão de Políticas de Inclusão, devido a todas as suas responsabilidades e representatividade, deverão ter um financiamento estável e diferenciado”.
Para Rui Coimbras, “o problema é a ‘facilidade’ ou ‘simplicidade’ com que, nos últimos anos, têm aparecido novas associações, muitas delas nas mesmas áreas de outras e replicando o trabalho”, pelo que a FAPPC defende “uma divisão ou repartição do valor orçamental em duas parcelas, com base nos valores apurados em 2024, para proporcionar maior estabilidade orçamental às Federações, que têm outro tipo de responsabilidades e funções”.
“Há ainda o problema de haver federações que se apresentam a financiamento com contas consolidadas a nível nacional, mas de associadas regionais”, apontou, concluindo: “Tal desvirtua os valores financiados e vai ao arrepio do pedido do INR”.
Rui Coimbras referiu ainda uma questão em que considera que a FAPPC foi prejudicada no financiamento do INR, sendo que a situação ainda não teve o desfecho exigido.
“Em 2022, a FAPPC demonstrou, de forma cabal, um erro gigante na fórmula de atribuição dos valores e que prejudicou, de forma sistemática, duas federações. Em 2023, o INR disse que tinha uma verba para compensar a FAPPC quanto a estes erros de anos consecutivos. No entanto, depois da queda do Governo, em novembro de 2023, a indicação foi de que não teriam forma de a pagar”, relatou Rui Coimbras, afirmando: “Entendemos que devemos ser ressarcidos deste erro… que ainda hoje tem impacto”.
Nota ainda para a exigência de “alteração da legislação sobre a esterilização das mulheres com deficiência”, algo de que Portugal se devia envergonhar.
Por seu turno, Carlos Varela, presidente da APCVR, explicou que o tema do congresso “evoca uma ideia central para o nosso trabalho: a necessidade de uma abordagem holístico-sistémica”.
“Uma visão holística reconhece que a pessoa não é apenas um corpo físico ou um conjunto de sintomas clínicos a serem tratados, mas sim um ser humano integral, com emoções, sonhos, dificuldades, capacidades e, acima de tudo, uma dignidade inalienável”, sustentou, prosseguindo: “Já a abordagem sistémica leva-nos a entender que a pessoa com paralisia cerebral não existe isoladamente. Ela faz parte de sistemas maiores, como a família, a comunidade, o sistema de saúde, o sistema educativo e o mercado de trabalho, entre outros. Estes sistemas, que interagem constantemente com a pessoa, podem facilitar ou complicar o desenvolvimento de uma vida plena e digna”.
Sublinhando que “juntos pintamos o futuro sorrindo”, Carlos Varela frisou que “uma sociedade inclusiva e justa exige um quadro legal e institucional que defenda os direitos das pessoas com deficiência, garantindo o seu acesso a serviços de saúde, educação, emprego e lazer”.
Destaque para a palestra de Carla Reigada subordinada ao tema «Dor total: uma abordagem centrada na pessoa» e para o testemunho de Sónia Lourenço, mãe de Ana Margarida, uma jovem de 21 anos com paralisia cerebral.
Estavam, assim, lançadas as celebrações do Dia Nacional da Paralisia Cerebral, que se prolongaram pelos dias 19 e 20 de outubro.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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