Do que, no final dos anos 1960, era perspetivado como um pequeno Centro de Convívio, que proporcionasse condições para que populações muito carenciadas de certos bairros de Beja tivessem alguma dignidade, a uma instituição com mais de 550 utentes e mais de 170 funcionários como é nos dias de hoje o Centro Paroquial e Social do Salvador, o seu fundador e principal impulsionador, o padre Henrique, como é conhecido, diz tão simplesmente: “Nunca pensei que isto fosse o que é hoje, mas as necessidades empurraram-nos até aqui. No entanto, o futuro preocupa-me, porque a natalidade está a diminuir”.
Corria o ano de 1967 quando, a pedido do bispo de Beja, os padres da Ordem dos Carmelitas assumiram a paróquia do Salvador naquela cidade.
No ano seguinte, Maria Senra, da «Legião de Maria», chegou à paróquia, onde fundou um «Presidium» na paróquia de Salvador.
“Eu fiquei encarregado de ser o diretor espiritual desse grupo da «Legião de Maria»”, recorda o padre Henrique Martins, que revela os fundamentos da criação do que hoje é o Centro Paroquial Social do salvador: “Achei por bem fazer aqui em Beja umas «Férias Missionárias», que a «Legião de Maria» promovia em diversos outros locais do país, contando sempre com muitos voluntários. Até porque aqui tínhamos muitos bairros de lata e gente muito pobre, alguns nem eletricidade tinham”.
No seguimento das «Férias Missionárias», que tinham forte impacto junto das comunidades mais carenciadas, como era o caso do bairro do «Pelame», e atraíram até Beja muitos voluntários de variadas regiões do país, a determinada altura surgiu a o projeto de construir uma espécie de centro de convívio, cujas instalações, para além de espaços para encontro e reflexão, incluiriam balneários e outras facilidades no seio de uma comunidade que nada tinha.
Porém, com o eclodir da Revolução dos Cravos, o terreno foi ocupado e ali foram construídas algumas casas.
“Ficámos sem o terreno… e não esqueçamos que o 25 de Abril aqui foi um bocado turbulento”, lembra o padre Henrique.
Do grupo de voluntários que faziam as «Férias Missionárias», três ficaram em Beja e ajudaram o padre Henrique a erguer a obra de ação social.
Já nos anos 1980, o novo bispo de Beja, D. Manuel Falcão, decidiu relocalizar mais acima a intervenção social da Igreja naquele território, cedendo terrenos do seminário, mas para um equipamento maior.
“A ideia já não era ser um simples centro de convívio para apoiar as pessoas mais carenciadas daqueles bairros, mas uma coisa mais vasta”, recorda o padre Henrique, sublinhando que “a ideia inicial nunca contemplou a construção de um lar, era apenas centro de dia, infantário e ATL”.
“Queríamos apenas um Centro de Dia porque, naquele tempo, achávamos que as pessoas deviam ir dormir a casa dos filhos. No entanto, a vida mudou e os pedidos para lar eram tantos, que fizemos um aditamento ao projeto, uma vez que o infantário já estava construído”, conta.
Então, aproveitou-se o espaço por cima das salas do infantário, que era o sótão, e fizeram-se lá os quartos do lar do, agora, Polo I.
“O Centro de Dia acabou porque os utentes foram ficando tão debilitados e havia algumas famílias que já nem vinham buscar o familiar ao fim do dia. Tivemos um primeiro caso, que alojámos num dos quartos que tínhamos para alguma emergência e tudo partiu a partir dali”, conta a Lucinda, uma das três missionárias que foi alicerce do padre Henrique para fundar o centro Paroquial e Social do Salvador.
“O Centro de Dia criava-nos muitos problemas, porque os utentes achavam que tinham prioridade para o lar, quando havia inscrições mais antigas. E, também, por isso acabámos com o Centro de Dia”, argumenta o presidente da instituição, acrescentando: “Quando nasceu esta urbanização envolvente, reservaram-se cinco lotes para o serviço social e construiu-se ainda uma igreja. Então, instalámos aqui o Polo II, com serviço exclusivo a idosos”.
Quanto ao Polo I, o edificado original não mais foi alargado, no entanto, consoante as necessidades, e com o surgimento do Polo II, foram-se adaptando as instalações, criando novas salas de ATL que dantes eram da catequese ou um dormitório na antiga capela da paróquia, entre outras alterações”.
Nos dias que correm, a instituição, na área da infância, acolhe 117 bebés em Creche, 138 crianças em Pré-escolar e 130 em Centro de Atividades de Tempos Livres (CATL) e, na área dos idosos, 78 na ERPI do Polo I e 92 na do Polo II.
Note-se que, até dezembro de 2023, a ERPI do Polo II funcionava como um lar privado, sem qualquer acordo de cooperação.
“O Polo II funcionou 19 anos sem acordos de cooperação. O lar foi aberto a quem mais podia pagar, mas as pessoas não pagavam aquilo que deviam realmente pagar. Como somos uma IPSS havia uma atenção a algumas famílias que tinham efetivamente necessidade do lar e, não tendo vaga no Polo I, vinham para este e não pagavam a totalidade da mensalidade devida”, refere Raquel Veloso, diretora-técnica da instituição, acrescentando: “Isto era um lar privado, mas com uma mensalidade social. Levou algum tempo até aplicarmos o custo real aos utentes. Daí a necessidade da candidatura ao Procoop. São 92 vagas, se fossem 40 conseguíamos fazer face às despesas. Agora, com o acordo estamos melhor financeiramente”.
O que também tem contribuído para o recente bom desempenho financeiro da instituição bejense é a Creche Feliz.
“Como os rendimentos aqui na região são muito precários, tínhamos mensalidades muito baixas, mas, agora, com a comparticipação total do Estado, e como as famílias não têm de pagar, de facto, a Creche Feliz trouxe-nos felicidade, ao contrário de relatos que temos ouvido de IPSS mais a norte do país”, argumenta Raquel Veloso, que considera a extensão da medida ao Pré-escolar como algo “vantajoso”.
“Os acordos de cooperação são uma mais-valia para todas as instituições. Na nossa realidade, com falta de trabalho, seria uma vantagem a gratuitidade do Pré-escolar, até porque temos uma imensa frequência de crianças filhas de imigrantes, de RSI e de trabalhos precários. Se a mesma medida fosse aplicada ao Pré-escolar, era uma boa garantia para nós”, sublinha, deixando uma crítica: “Sempre achei que, em vez de termos dado prioridade às crianças, o Estado devia ter dado prioridade aos idosos. As crianças têm pais, mas os idosos, apesar de terem filhos, estes não conseguem ajudar, têm reformas são muito baixas. Um custo real hoje em dia no lar é de 1.400 euros, no Polo II, e 1.060, no Polo I, e eles não conseguem fazer face à parte que lhes cabe”.
E os problemas com a respostas de lar não se ficam por aqui. Raquel Veloso lembra a ERPI é mais uma unidade de cuidados continuados do que, propriamente, um lar.
“Tudo isto se complica quando os idosos estão cada vez menos autónomos e mais dependentes e é necessário reforçar os recursos humanos para além dos rácios exigidos… A circular que enquadra os rácios de pessoal está obsoleta. Na circular pede-se animador social, mas deviam era pedir e comparticipar para fisioterapeutas ou terapeutas ocupacionais, entre outras”, defende.
Ainda assim, a saúde financeira da instituição está equilibrada.
“Sou otimista por natureza e, recentemente, fizemos uma candidatura para acordos de cooperação para o lar do Polo II, que até há bem pouco era totalmente privado, e apesar dos contratempos, porque só à terceira candidatura conseguimos, sempre insisti que devíamos candidatar-nos. Finalmente, em dezembro de 2023, o Procoop deu fruto e agora temos acordos e conseguimos equilibrar um pouco as contas. A Creche Feliz também ajudou. Tivemos cinco anos de aprovações de contas negativas, mas este ano já foram positivas”, afirma Raquel Veloso, que é, igualmente, a tesoureira da instituição.
Uma outra nova realidade que a instituição tem enfrentado é a falta de mão de obra… portuguesa!
“Atualmente, temos um quadro de pessoal de mais de 170 pessoas das quais 42 são imigrantes. Até fizemos um projeto, uma candidatura à Fundação La caixa, que consiste criar condições, em termos de formação e de integração, para diminuir as barreiras da comunicação e das questões culturais. E, sim, temos dificuldade em arranjar portuguesas para trabalhar na instituição. Não sei onde é que estão as portuguesas das faixas etárias dos 30 e 40 anos. Já abrimos diversas candidaturas, mas não aparecem portuguesas, só imigrantes. Temos trabalhadoras da Venezuela, Angola, Colômbia, muitas do Brasil, Moçambique, Cabo Verde e Ucrânia”, revela a diretora-técnica.
Outra dificuldade enfrentada pela instituição, tal como muitas outras em todo o país, foi a pandemia do SARS-CoV-2.
“A Covid foi dramática e perdemos 25 pessoas. A área da infância fechou, tivemos de recorrer ao layoff, a parte administrativa esteve em teletrabalho e, a nível dos idosos, o lar do Polo II esteve quase um ano com 20 vagas por preencher e no do Polo I não foi tanto tempo por causa das vagas da Segurança Social. Recorremos ao horário em espelho, 14 dias e depois sete dias, a adesão dos trabalhadores foi mais fácil no Polo I do que no Polo II, e foram gastos exorbitantes com os equipamentos de proteção individual”, resume Raquel Veloso.
Para o padre Henrique, “o Estado não está a ver com olhos de ver a situação dos idosos e dos CATL. Recebemos apenas 9.000 euros para 130 crianças, com almoço e lanche… O Estado gasta muito mais dinheiro na resposta pública do que gasta com as IPSS, porque “Estado não está a olhar bem para os custos reais de cada criança”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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