CARLOS LACERDA PAIS, PRESIDENTE DA UNIÃO DISTRITAL DE IPSS DE AVEIRO

As instituições vivem uma conjuntura económica de completa retração

A Volta a Portugal da Solidariedade passa esta edição pelo distrito de Aveiro, um território que tem pouco mais de 300 IPSS registadas, sendo pouco mais de 200 associadas da União Distrital de IPSS de Aveiro. O presidente da UDIPSS aveirense, Carlos Lacerda Pais, sustenta que, “tradicionalmente, as instituições do distrito de Aveiro sempre se distinguiram pelo seu espírito de iniciativa e pelo seu empreendedorismo”.
No entanto, nem tudo é um mar, rio ou ria de rosas, pois há muitas questões que Lacerda Pais aponta como obstáculos a um melhor desempenho das instituições. Nesta entrevista, deixa alguns alertas ao Governo e às Autarquias e aponta a sustentabilidade financeira das IPSS como o grande desafio do dia a dia das instituições. Por fim, o líder da União de Aveiro lamenta a demora na revisão do Estatuto das IPSS.

SOLIDARIEDADE - Que retrato podemos traçar das instituições do distrito de Aveiro?
CARLOS LACERDA PAIS - Tradicionalmente, as instituições do Terceiro Sector do distrito de Aveiro sempre se distinguiram pelo seu espírito de iniciativa e pelo seu empreendedorismo. Em Aveiro, o Terceiro Sector é um universo amplo e muito heterogéneo, integrando cooperativas, fundações, misericórdias, mutualidades, que, no âmbito dos Compromissos de Cooperação, concretizam a prossecução de respostas sociais de natureza social para as quais os setores público e privado não estão vocacionados. Diz-nos a última Conta Satélite que a Economia Social garante 6,1% do emprego remunerado, estes números representam para o país, aproximadamente, 300.000 postos de trabalho, tendo um impacto de 8% do PIB da União Europeia, portanto, têm uma importância muito relevante para o PIB e para o valor acrescentado gerado a nível nacional e as instituições do distrito de Aveiro incluem-se muito destacadamente nestes números.

Qual o grande obstáculo que as instituições enfrentam atualmente para melhor prosseguirem a sua missão?
Vou elencar alguns temas que têm sido sucessivamente discutidos nas nossas reuniões dos Conselhos Gerais da CNIS e das Comissões de Avaliação e Acompanhamento dos Protocolos de Cooperação com a participação das entidades representativas do Terceiro Sector. As instituições vivem uma conjuntura económica de completa retração, são tempos dificílimos de agravamento da sua situação económica e financeira, que as adendas extraordinárias de 3,5% para algumas respostas sociais, demonstraram ser claramente insuficientes. Desde logo, a atualização da RMMG, torna imperativo uma atualização das comparticipações do Estado, no sentido do cumprimento do primeiro Compromisso de Cooperação assinado em 1996. O Programa do Governo elenca várias medidas direcionadas para o sector da economia social, a executar e implementar no curso da legislatura, designadamente no âmbito da fiscalidade (0,5% para 1% na consignação do IRS). De facto, é importante harmonizar e ordenar sistematicamente o conjunto de regimes fiscais aplicáveis às instituições, sendo absolutamente contingente uma redução gradual da TSU, diferenciando o Terceiro Sector, que não tem forma de fazer refletir o aumento dos custos nas receitas, quer ao Estado, quer às famílias. A reposição do reembolso total do IVA da alimentação e obras. A dificuldade de recrutamento de profissionais qualificados para as instituições de Economia Social, coloca-nos perante a falta de recursos humanos necessários”.

Contratar pessoal é um desafio grande?
Enfrentam-se seríssimas dificuldades nos processos de seleção e admissão de profissionais em ordem a prosseguir o funcionamento das respostas sociais, sob pena de incumprimento do quadro de pessoal negociado nos Acordos, verificando-se, tendencialmente, uma continua rotatividade dos recrutados que não demonstram proatividade, vocação pelo serviço nem interesse pela ação social. Depois, a situação dramática de falta de vagas em ERPI para um número infindável de solicitações que chegam diariamente às instituições, mas que a legislação, completamente desajustada da realidade que vivemos no país, não permite resolver. Em setembro de 2023 havia um registo de 2.164 camas sociais ocupadas em hospitais, o que é consequência da evidente falta de vagas em ERPI. Ante esta situação, exige-se uma revisão profunda e urgente da legislação em vigor. Como se espera a tão aguardada lei de bases para a deficiência e inclusão, que sistematize a legislação atualmente em vigor, designadamente o Regime Jurídico da pessoa com deficiência.

Nesse leque de lacunas…
Deixe-me dizer-lhe que, sobre o Centro de Atendimento Residencial (CAR) e o Lar de Infância e Juventude (LIJ), continuamos a referir que não deixa de ser inusitado o facto de termos as creches totalmente financiadas pelo Estado e que os CAR e os LIJ, respostas prioritárias na proteção e segurança das crianças sem retaguarda familiar, serem em grande parte suportados pelas instituições. Relativamente à creche, aguarda-se atualização dos valores fixados, absolutamente insuficientes para o funcionamento desta resposta social. Sobre a gratuitidade do Pré-escolar, também não faz sentido que, à semelhança da creche, a medida não seja aplicada.

E no que se refere à área da saúde?
Sobre o tema da Saúde, esperar que a prudência do Governo predomine e não haja retrocesso nas medidas que elencou no seu Programa, nomeadamente sobre a necessidade de assegurar a abertura de novas unidades de Cuidados Paliativos e Unidades de Cuidados Continuados de 2ª Geração, de forma a uniformizar a cobertura nacional, recorrendo complementarmente a novos modelos de Parcerias Público Sociais, e ainda acionar o Programa de Saúde Prioritário para as Demências e efetivar a Estratégia da Saúde na Área das Demências, aprovada em 2018.  Finalmente, sublinhar como preocupação dos diretores das instituições a demora na revisão do Estatuto das IPSS.

Em termos de respostas sociais, quais as grandes lacunas no distrito?
As instituições do Terceiro Sector asseguram um trabalho de qualidade às nossas crianças, idosos, pessoas com deficiência, o apoio a situações de risco de exclusão social, de reinserção na vida ativa, de apoio a grupos com carências de bens ou rendimentos, especialmente vulneráveis. Está, assim, assegurado o enquadramento de uma cooperação concretizada em quatro áreas, Segurança Social, Emprego e Formação Profissional, Educação e Saúde. Todavia, é preciso proceder à requalificação e adequação das instituições com vista ao desenvolvimento de serviços e equipamentos para a proteção social de um número cada vez mais alargado de cidadãos.

Há grandes desigualdades entre os diferentes territórios do distrito?
Sim, o contexto geográfico determina essas desigualdades. Refiro-me às instituições na esfera das áreas metropolitanas ou demograficamente menos populacionais. Sob este ponto de vista, é determinante a provisão de políticas públicas do Governo e das Autarquias que apoiem as dificuldades e diferenças sociais e de sustentabilidade destas instituições. Esta intervenção pode ser efetivada por via do Compromisso de Cooperação, com valores de comparticipação diferenciados, e, complementarmente, através de uma estratégia de valorização e apoio das instituições geograficamente mais frágeis, que de forma integrada e assertiva, trate de forma diferente o que é diferente, operacionalizando ações que aproximem as instituições de diferentes realidades territoriais e que enfrentam necessariamente outras dificuldades. Em suma, é imperativo que o Governo faça, coerentemente, uma abordagem mais cooperante e protecionista relativamente às instituições demograficamente mais vulneráveis económica e financeiramente, dando particular atenção ao papel destas instituições e às populações que servem. Naturalmente, com a dotação de incentivos adicionais, preservando e protegendo estas instituições, que são o melhor que esses territórios têm para oferecer, uma vez que desempenham um serviço social único de inequívoco interesse e amparo à comunidade. Aliás, seria oportuno que as medidas de reforço da coesão e igualdade social e de promoção da inovação da economia, preconizadas pelo Governo, o previssem de forma muito especial.

Como é a relação das associadas com a União e quais as solicitações mais frequentes?
A União tem com as suas instituições uma relação de proximidade, para tanto, a comunicação diária com as instituições continua a ser o modo primordial do nosso contacto, tendo um simbolismo ímpar no seu Programa de Ação. A dinâmica das instituições e a sua gestão têm de estar alinhadas com o entendimento de uma coreografia contínua de publicações legislativas nacionais. As solicitações de apoio ocorrem no âmbito da interpretação de novos diplomas legais, orientações e decisões jurisprudenciais. Importantes são as questões da Contratação Coletiva e legislação sobre Direito do Trabalho e a União intenciona, em contexto prático, assessorar as instituições de forma integrada, auxiliando na adequação da legislação à dimensão e natureza das respostas sociais e das suas atividades. Há também uma vertente mais prática deste trabalho, através da redação de documentos, disponibilizando modelos anotados, documentos de experiência e utilidade, atinentes a cada área de prática e porque o Programa de Ação ficaria algo introvertido e em desnível sem o encarte da Formação. Consideramos irrevogável que a formação seja um projeto de referência no Programa de Ação da União, apresentando temas selecionados numa metodologia de interesse institucional, outorgando à União um grande dinamismo.

Em termos de ações direcionadas à IPSS do distrito, quais as grandes apostas da União?
Permanecendo uma estrutura simples e lógica, muito expressiva, a Direção da União, em articulação com os organismos oficiais, designadamente com a CNIS e com o seu Centro Distrital de Segurança Social, Comissão de Acompanhamento de Avaliação dos Protocolos de Cooperação, o Gabinete Jurídico e as suas assessorias executivas, na medida compatível com o contexto e dimensão da União, prosseguirá com as ações que se traduzem na imperativa prática de cooperação com as suas instituições e grupos de ação social, privilegiando a ação com a sociedade civil e o Estado, colaborando em parceria com outras organizações nacionais. O calendário de diretivas quadro, enquanto referencial para as intervenções da União, constrói-se ao longo do ano. Todavia, o Programa de Ação para 2025 prevê dinâmicas em confluência com a sua missão estatutária.

E como é a relação com a CNIS?
A União está representada em todos os organismos nos quais se reveja, num contexto de cooperação, sendo instrumental na defesa dos valores e interesses das instituições. A CNIS representa a matriz orientadora e parametrizante da União e das instituições suas associadas com razão e solidariedade. A relação da União com a CNIS assenta numa visão de conjunto, alicerçada solidariamente num compromisso, claramente orientado para os interesses das instituições. Os valores de pertença à CNIS têm um apelo conjunto da União e das suas instituições, por isso, a União tem com a CNIS uma função partilhada, estando ancorada na circunstância fundamental de ser uma sua instituição de nível intermédio e com representação nos seus Órgãos Sociais e Conselho Geral.

O PRR chegou às instituições de Aveiro? Como tem decorrido a sua execução?
O PRR chegou às instituições de Aveiro com uma prestigiada Equipa PRR no Centro Distrital de Aveiro do ISS, que detém uma vasta experiência de assessoria na execução de projetos com o Terceiro Sector. Todavia, uma boa aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência dependerá do envolvimento do Terceiro Sector, por isso, as candidaturas PRR têm de ser reajustadas às instituições. Menos burocracia nos processos de candidatura que envolvem entidades de gestão, coordenação técnica, auditoria e controlo. A apresentação de candidaturas e a exiguidade de prazos tornam os processos complicadíssimos entre promotores, entidades adjudicantes, construtoras e entidades financiadoras. É nesta particular dimensão que todo o Terceiro Sector, e em consequência o País, perdem uma oportunidade ímpar para catapultar o empreendedorismo social a outra escala. É absolutamente premente que a legislação nacional que subjaz às candidaturas dê concretização a esta importante alteração, sem a qual o investimento em respostas sociais imprescindíveis à missão das instituições está seriamente comprometido. E, na oportunidade, referir que a criação de uma linha específica para apoio financeiro para obras em ERPI e em estabelecimentos com respostas sociais para pessoas idosas, que não impliquem aumento de capacidade, visando o seu licenciamento, é outra urgência.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2025-01-08



















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