JORNAL SOLIDARIEDADE – No início de mais um ano que votos faz para o Sector Social Solidário?
LINO MAIA – É um voto, principalmente. Claro que há muita coisa que é importante, mas o meu maior desejo é que se dê um passo sério para tornar sustentável este setor. Esse passo sério compete ao Estado. É já sabido por estudos anteriormente feitos, com competência, que metade das instituições se deparam com resultados negativos ano após ano. Há o Pacto de Cooperação de 2021 que garante que o Estado caminhará para uma comparticipação equitativa. Neste momento estamos muito longe disso e eu queria que nestes três próximos anos, de facto, houvesse uma comparticipação equitativa. Há três grupos de valências. Há aquelas em que o Estado tem de pagar totalmente, por exemplo nas de acolhimento de crianças e jovens ou valências de apoio a pessoas com deficiência, em que o Estado tem de comparticipar com 75 a 80 por cento dos custos, mas nas outras, no grosso das valências, o Estado tem que subir para os 50 por cento na comparticipação para ser equitativa.
Como explica esse calendário de três anos?
Até 2027 é preciso chegar a uma situação equitativa por parte do Estado. Este ano tem que ser dado um passo importante. O pacto foi assinado em 2021. Depois tivemos o tempo de COVID, as guerras, a inflação, e agora, no início de 2025, temos praticamente os mesmos valores de comparticipação pública que tínhamos: uma média de 38 por cento dos custos comparticipados pelo Estado. Isto significa que o Estado tem que subir, pelo menos 12 pontos percentuais. Sabemos que significa uma subida muito significativa, mas com a inflação, o aumento dos custos - sobretudo do trabalho -, a subida do salário mínimo, quero que nestes três próximos anos se alcance a meta dos 50 por cento. É o meu principal voto para este ano. E para já digo voto, porque ainda não foram dados passos para isso. Há muitas outras coisas que nos preocupam, mas a questão da sustentabilidade das instituições é a principal.
Haverá uma reunião da Comissão Permanente do Sector Social e Solidário em breve. Qual é a sua expectativa?
Houve um grupo de trabalho que elaborou um estudo sobre os valores de comparticipação e os custos das várias valências. O trabalho está feito. Sabe-se por quanto é que fica cada valência social. Agora, eu já estive mais confiante do que estou neste momento. Vamos ver como é que as coisas evoluem, mas temo que possa haver, de facto, alguma inversão, naquilo que parecia ser caminho irreversível. Claro que não será uma reunião conclusiva.
Sempre considerou essa metodologia adequada...
Sem dúvida. Nós, na CNIS, já tínhamos ideias muito seguras porque os estudos sobre custos que temos patrocinado, que têm sido feitos desde 2016, têm-nos mostrado os valores corretos. Não há grandes divergências, relativamente às conclusões a que chegou o governo. Mas foi importante esta concertação. Tem que se louvar, sem dúvida, a dinâmica, a seriedade revelada pela secretária de Estado que imprimiu um calendário para isso. Portanto, não há discrepâncias nas conclusões a que se chegou. Agora a questão é política: nem sempre depois se tomam as decisões em função das conclusões a que se chegou. É uma primeira reunião, para o compromisso de cooperação 2025/26, e a CNIS e as outras organizações, as quatro em conjunto, já fizeram um trabalho extremamente importante e já apresentaram ao Governo uma proposta que tem que ser estudada pelos departamentos governamentais.
Que proposta é essa que vai estar em cima da mesa?
É uma proposta para o compromisso de cooperação, compreensivelmente não apresenta os valores de atualização porque serão negociados. Já neste mês de janeiro, as Instituições confrontam-se com salários significativamente aumentados, não será só o ordenado mínimo e, portanto, é preciso dar passos apressados, não podem ser levianos, mas é preciso dar passos sérios para que no final deste mês de janeiro as instituições não entrem em colapso com os vencimentos e os pagamentos que têm que fazer. Esta primeira reunião não sei se será conclusiva sobre esse ponto. Sobre o texto do compromisso não será, de modo nenhum, conclusiva. Aliás temos defendido, as organizações do Sector Social, e o próprio governo, que não se devem fidelizar as atualizações na cooperação no clausulado do compromisso de cooperação. O primeiro-ministro anunciou uma lei de financiamento do Sector Social Solidário e, portanto, tem que se desligar uma coisa da outra. É importante que nesta reunião marcada para o dia 13 de janeiro haja pelo menos um anúncio que nos leve a olhar para o resto do mês e do ano já com alguma perspetiva. É que a imprevisibilidade cria instabilidade no sector.
Quando diz que já esteve mais otimista em relação a estas negociações, com este governo, referia-se à sensação de que o primeiro-ministro estaria sensível à concretização da grande meta da equidade nas comparticipações do pacto de cooperação?
Sem dúvida. Não estamos a falar de partidos, estamos a falar do governo de Portugal e do primeiro-ministro que tem mostrado, por várias vezes e de vários modos, pessoalmente também, tem mostrado vontade de avançar. Vamos ver, vamos ver... Tem havido uma aposta clara na qualidade e nós sabemos que, nas valências de apoio a idosos, nós temos cada vez mais pessoas a precisar de cuidados muito, muito caros. Temos cada vez mais gente com mais dependências. Há muitas ERPI, Centros de Dia e Apoio Domiciliário em que são necessários mais cuidados. Nos Lares e até nos Centros de Dia, hoje os cuidados são continuados, de longa duração, portanto, com custos mais elevados porque há uma diferenciação grande de situações. Temos que ter pessoas competentes para lidar com pessoas com deficiência motora, com deficiência mental, com muitas vulnerabilidades; há pessoas que estão em casa e precisam de cuidados de saúde e não só, pessoas com bastante dependência. É disto que estamos a falar quando negociamos com os governos.
Escolheu a sustentabilidade do sector como grande objetivo dos seus mandatos. Sente alguma insatisfação quando ao fim deste tempo esse continua a ser o maior combate social?
É verdade. E eu direi que se em breve não forem passos certos e determinados, eu sentir-me-ei esgotado. Desde que entrei na liderança da CNIS, há quase 20 anos, sempre me confrontei com esta realidade. Foi-se agravando a insustentabilidade com o referencial da inflação porque o impacto da massa salarial neste sector é muito grande, cerca 70 por cento, enquanto na economia em geral a média é cerca de 18 por cento. Depois, a inflação neste sector é muitíssimo superior à inflação média nacional. Os bens alimentares, salários e energia... pensamos que a inflação média nacional em 2024 andará perto dos três por cento. No sector social vai ficar seguramente nos sete por cento. São apenas algumas razões para a degradação progressiva e sistemática na sustentabilidade das instituições. Chegamos a um ponto de rutura. Convém ter em conta que praticamente todas as famílias são, direta ou indiretamente, abrangidas pela ação social. Ou porque há utentes na família, há mais de setecentos mil utentes nestas instituições, ou porque há trabalhadores e temos mais de trezentos mil. Só aqui temos um milhão de pessoas. Um colapso neste sector é um colapso em toda a sociedade.
E apesar das aparências e dos anúncios de êxito da economia nacional o sector está pior...
Eu quando defendo que a proteção social devia ser direito universal consagrado da constituição é porque, de facto, nós temos cada vez mais pessoas a precisar de apoios sociais. O aumento da esperança de vida não significa aumento da qualidade de vida. Há cada vez mais gente durante mais tempo a precisar de cuidados. Por isso, a sustentabilidade é minha grande preocupação. A rutura significa colapso.
Recentemente houve um acordo, feito entre a União das Misericórdias e o Governo a propósito da saúde. a CNIS fez questão de manifestar-se desagradada com o governo por ter excluído as outras grandes organizações do Sector Social Solidário. Que se passou?
Nós não estamos contra o acordo com a União das Misericórdias, mas consideramos que devia ter sido feito com todo o sector. A saúde é uma área em que todas essas organizações têm ação. Nós temos na CNIS sete associadas com hospitais. Nas CERCI, nas cooperativas, nas mutualidades há prestação de serviços de saúde. Algumas misericórdias também são associadas da CNIS. Não temos nada contra a União das Misericórdias. Teremos mais contra o Ministério da Saúde, porque enfiou a cabeça na areia e olhou só para um grupo quando havia necessidade de ver todo o sector. Foi um erro, mas ainda pode ser corrigido. Sempre houve a preocupação, sempre, de atuarmos em conjunto, a uma só voz. Isso não aconteceu.
Que tendências identifica no sector social e solidário para o futuro?
Nós precisamos de caminhar para uma certa especialização, sobretudo na área do tratamento do apoio a idosos. Nós temos dificuldade em recrutar trabalhadores porque ganham mais noutro lado qualquer e com menos esforço. A especialização é também fundamental nos Centros de Dia, que já não são Centros de Convívio em que as pessoas vão lá, tomam a refeição, convidem bocado, depois vão para casa. A maior parte das pessoas que chegam aos Centros de Dia, são pessoas com deficiências, com problemas de saúde. Nos SAD há muitas pessoas que estão muitas horas sozinhas em casa e a precisar de cuidados e por isso é que eu defendo que deviam funcionar, pode parecer exagero, das sete da manhã até às vinte e quatro horas. Os utentes deviam receber a visita de pessoas qualificadas nas suas residências. Hoje a questão da mobilidade, da versatilidade e da capacidade de prestação de serviços, de que o SAD é bom exemplo, é uma tendência a ter em conta. O que significa haver uma robustez do ponto de vista humano e dos recursos das instituições.
Se cumprir o mandato até ao fim vai fazer 20 anos à frente da CNIS. É o último?
Sem qualquer dúvida e por várias razões. Não estou ansioso que chegue o dia de deixar a CNIS e não vou dizer que não terei saudades. Quando abracei esta causa foi com entusiasmo e não é com saturação que a deixarei. Mas, felizmente também temos uma lei que impediria novo mandato. E eu penso que esse decreto-lei deve ser alterado, mas só depois de eu ter saído.
Vai ajudar na sua sucessão?
Não me vou envolver nisso. Nem é preciso. Eu acho que há neste país muitas pessoas com muita capacidade e qualidade, mais do que eu para a presidência da CNIS. Desta vez não vai aconteceu o que tem acontecido: de se considerar como o facto consumado a minha continuação. Agora não posso mesmo e ainda bem.
No dia 15 de janeiro celebra-se o 44ª aniversário da CNIS. Haverá comemorações?
É mais um dia da CNIS em que se celebra o momento em 1981 em que nasceu. Sem dúvida que é importante celebrar os 44 anos de vida, não como acontecimento festivo, mas como um compromisso desafiante. E a grande preocupação que vai estar presente nesse dia é a questão da sustentabilidade das Instituições. Eu penso que, será a melhor maneira de festejar o aniversário. A data também é de memória, de lembrar as pessoas que contribuíram para este movimento, para esta organização chamada CNIS, que congrega cerca de 3 100 instituições, algumas misericórdias, associações da sociedade social, algumas mutualidades, casas do povo, centros paroquiais, institutos de organização religiosa... São muitos dirigentes, muita dedicação, e muito boa vontade de muita gente em contribuir para um Portugal mais justo, mais solidário, com menos gente a ficar para trás, com muito esforço para que todos tenham o apoio de que precisam para uma vida mais feliz.
Texto e fotos: V.M.Pinto
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