1 - Pela terceira vez nos seus mandatos, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa dissolveu o Parlamento antes do termo normal de cada uma das respectivas legislaturas, convocando, de cada vez, novas eleições e preparando-se para nomear, como das outras vezes, um novo Governo – tendo em conta os resultados eleitorais.
Encontramo-nos, pois, em pleno decurso de mais uma crise política, com o Governo diminuído dos seus poderes, reduzido ao exercício de meras funções de gestão corrente, sem poder executar o seu programa e inerte quanto aos meios para cumprir o seu desígnio para o País.
E esperando, como os outros agentes políticos, pelos resultados das eleições de 18 de Maio – daqui a dois meses – para o desenho institucional que sairá desse sufrágio.
Claro que todas as forças políticas que concorrem às eleições legislativas fazem-no para que lhes caiba o privilégio de formar governo, de mandar no País; e, nessa perspectiva, todas elas possuem um desígnio para Portugal.
Mas faz parte das regras que quem tenha o encargo de governar seja a força política que vencer as eleições.
Nessa perspectiva, ter sido escolhida a Aliança Democrática para formar governo, na sequência das eleições antecipadas que sucederam à demissão de António Costa, corresponde ao modelo padrão.
(Embora a primeira investidura de António Costa não tenha seguido esse mesmo padrão, uma vez que perdera as eleições e acabou a formar governo, com a Geringonça a assegurar-lhe a maioria dos votos no Parlamento – preterindo Passos Coelho, que as vencera.
A grande diferença é que Passos Coelho caiu, contra a sua vontade, porque a Geringonça, maioritária no Parlamento, chumbou o programa de Governo apresentado pala PAF; enquanto Luís Montenegro caiu por vontade própria, ao apresentar na Assembleia da República uma moção de confiança que sabia antecipadamente que seria chumbada.
Foi, aliás, o melhor Governo de António Costa, com o acréscimo virtuoso de trazer pela primeira vez a extrema-esquerda parlamentar associada a uma solução de governo, alargando o chamado “arco da governabilidade”.)
Isto é, Luís Montenegro forçou a sua própria queda – no suposto de ir mais adiante aumentar o score de há um ano e recuperar, reforçadamente, a governação.
Quem anda nessa vida, e designadamente os partidos que historicamente se têm revezado no governo, não andam a correr para perder.
2 – A questão que, todavia, se pode colocar é a de saber se, sendo embora uma operação legítima - essa de o partido no poder, não correndo o risco de ser desapossado dele, forçar novas eleições, antes do tempo próprio, apenas com o objectivo de aumentar a sua bancada parlamentar – sendo embora legítima, como referi, será uma operação eticamente aceitável.
É certo que votar, em democracia, é sempre uma alegria e uma festa.
Vivi tempo que bastasse, durante a Ditadura, para saber melhor o sabor da liberdade.
E prefiro que haja eleições a mais do que eleições a menos.
Em 18 de Maio, se puder, lá estarei na assembleia de voto, a punir ou a premiar; ou as duas coisas em simultâneo.
De cravo na lapela, para saudar a festa da democracia. E para agradecer a Abril a liberdade de poder escolher quem me governe – e de despedir quem me desgoverne, se for o caso.
Não é por mim, pois, que o digo – mas a sucessão de eleições por causa diversa do termo normal da duração dos mandatos pode ser associada a uma desvalorização do processo eleitoral democrático como fonte de legitimidade: se eu voto para eleger os deputados e, em consequência, para escolher o Governo, e se este se demite da tarefa sem motivo, é possível pensar que o meu voto não serviu, em boa verdade, para nada.
Esta noção pode enfraquecer o regime de democracia liberal em que felizmente vivemos e engrossar o caudal das autocracias e do populismo reaccionário que têm marcado os tempos que vivemos em cada vez mais numerosas e imprevistas partes do mundo.
3 –No mundo ideal, cada questão relativa a uma comunidade de pessoas deveria, em bom critério, ser decidida por todos os interessados, em assembleias segundo o modelo da democracia directa.
É o que defende o movimento anarquista.
Mas tal procedimento é inviável nas sociedades modernas, plenas de complexidade e de extensão.
Tem sido referido também como óbice à democracia directa a sua vulnerabilidade a fenómenos de demagogia.
O nosso modelo de organização – democracia representativa -, assenta na mediação, em que confiamos a delegados eleitos por nós a representação dos nossos direitos e interesses, para que os defendam na conjugação com os direitos e interesses dos outros elementos da nossa comunidade.
É esse modelo de organização que vigora no chamado Ocidente, que felizmente nos integra – e que constitui um espaço de liberdade e de tolerância.
Mas essa mediação exige estabilidade e previsibilidade.
É por tal razão que os mandatos dos titulares dos órgãos que constituem o poder político têm normalmente uma duração de 4 ou 5 anos.
Em Portugal, o mandato dos deputados dura, como regra, 4 anos.
Interromper a meio estes ciclos enfraquece a estabilidade e provoca uma mais rápida rotação dos Governos.
Foi essa uma das principais acusações ao funcionamento da I República, com os Governos a não durarem mais de uns meses e com a emergência de movimentos e partidos defensores de soluções autoritárias – o que conduziu à Revolução de 1926 e à mais longa ditadura da Europa no século XX.
O Povo é o mesmo; e as mesmas causas tendem a produzir os mesmos efeitos.
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
Não há inqueritos válidos.