1 - Por ocasião das recentes eleições autárquicas, e no contexto da respectiva campanha eleitoral, a Instituição de que sou dirigente foi visitada pelas principais forças políticas candidatas às eleições no meu concelho, como parte de um roteiro para estas conhecerem melhor as necessidades das Instituições e assim elaborarem um disgnóstico social mais colado à realidade.
Costuma ser assim sempre que há eleições – e é bom que assim seja: as autarquias locais e as Instituições Particulares de Solidariedade Social partilham o sentido de proximidade às pessoas e aos territórios e têm como ambição comum, nas respectivas áreas de competência, melhorar a vida das pessoas que vivem ou trabalham em cada território.
Esta proximidade constitui, ao mesmo tempo, uma oportunidade e uma ameaça.
Uma oportunidade, certamente, sempre que, Instituições Particulares e autarquias, procurem prosseguir a sua missão no estrito respeito pelas respectivas competências e integrem os recursos de cada qual numa conjugação de esforços para potenciar a melhoria das condições de vida das populações por ambos servidas.
Mas também uma ameaça, nos casos em que a tentação do estatuto de poder público contamine a cooperação entre ambas as organizações e configure uma posição de arrogância que mina qualquer esforço de articulação.
Os últimos 3 anos assistiram, como se sabe, a um processo de cooperação entre as autarquias e as IPSS, no âmbito da transferência de competências da Administração Central para a Administração Local em matéria de acção social.
Tratou-se da finalização de um processo que vinha sendo anunciado há muitos anos e cuja consumação vinha sendo sucessivamente adiada, avolumando receios de que tal processo de transferência de competências se viesse a traduzir num esvaziamento do papel das IPSS naquilo que é o âmago da sua acção: cuidar das pessoas, especialmente das mais vulneráveis.
Ora, a forma como, na maior parte das situações, decorreu o processo de transferência de competências na acção social veio a traduzir-se numa cooperação e parceria mais aprofundada com os municípios do que a que as IPSS mantinham com o ISS, I.P.
E isto, quer se trate do CLDS, em que IPPS foram convidadas pelos Municípios, agora titulares da competência, a assumirem a gestão dos Contratos Locais; quer se trate do SAAS – Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social, cujos Protocolos celebrados entre os Municípios e as Instituições substituem, com vantagem, os antigos Protocolos RSI, que titulavam a cooperação entre as IPSS e o ISS, I.P.
2 – Recebemos, pois, a visita dos partidos.
O guião da conversa foi mais ou menos o mesmo que o de ocasiões passadas: apresentação da Instituição, percorrendo o roteiro das respostas, serviços e valências, informando dos constrangimentos e visitando instalações, para uma aproximação táctil ao “corpus” da Instituição.
Pelo seu lado, os candidatos explicitaram o seu programa para o concelho, para a freguesia e para o mandato – tudo dentro do cânone.
Mas, desta vez, a exposição tinha uma novidade.
Ao elencar das necessidades da população, referia-se, e bem, a criação de uma creche e de um lar de idosos em cada uma das freguesias do concelho.
Com efeito, o município em questão não é diferente da generalidade dos municípios de Portugal, em que a pretensão governamental de lograr a universalização da resposta social de creche esbarra com a realidade de escassez de oferta e em que as respostas residenciais para as pessoas mais velhas apresentam uma percentagem de cobertura das mais baixas da OCDE.
Estavam bem, portanto, os candidatos quanto ao diagnóstico das referidas necessidades.
Porém, sucede que, para satisfazer essas necessidades da população, os candidatos a autarcas se propunham, não só construir tais equipamentos, mas igualmente geri-los.
Verifiquei depois, em programas eleitorais de outro concelhos, a réplica das proposições referidas quanto ao meu município: falta de creches e lares e propósito de construir e explorar tais respostas.
Ora, não é esse o figurino constitucional no nosso País, em que a gestão de respostas sociais constitui atribuição das Instituições de Solidariedade.
Estou por saber se a descoberta dessa vocação das autarquias para concorrerem com o Sector Solidário no domínio das atribuições no âmbito do sistema público de protecção social constitui uma lembrança avulsa de apenas algumas, ou se traduzem um desígnio colectivo fixado por algum poder oculto.
Quanto à transferência de competências do ISS, I.P. para as autarquias municipais, a persistência e a vigilância das IPSS sobre as várias faces do processo asseguraram a manutenção do trabalho que já vinha sendo realizado e permitiu mesmo o seu reforço.
Do que se trata agora é de fazer o mesmo acompanhamento e a mesma pressão, quanto a esta nova face que aparenta a concorrência que, relativamente ao Sector Solidário, as instâncias do poder estão sempre prontas a promover.
Do atendimento de crianças até aos três anos e dos mais velhos em lares, são as IPSS quem mais sabe.
Como as comunidades também sabem …
3 – Este é o último número do Solidariedade até ao Natal.
Com os votos de Bom Natal, aqui fica um poema de David Mourão-Ferreira:
“Juntam-se os mortos hoje à noite/ juntam-se à roda de uma árvore/ainda verde ou já em fogo/para chorar a nossa falta// Ainda verde? Ou já em fogo?/Fraternidade: Ó flor! Ó cinza!/Juntam-se os mortos hoje à noite/para fingir que são felizes.// Sopram a neve. Acendem velas./ rompem de súbito a cantar:/ Dizem que estão à nossa espera./ Sabem que havemos de voltar.”
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
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