VIDA

À espera da lei sobre procriação assistida

Vinte anos após o nascimento em Portugal do primeiro bebé através de uma técnica de Procriação Medicamente Assistida (PMA), os especialistas nesta área reclamam uma legislação que balize os procedimentos sem lugar para fundamentalismos políticos ou religiosos. Num debate sobre as implicações éticas, sociais e legais da PMA, que decorreu na Assembleia da República por iniciativa da Comissão de Saúde, foram várias as vozes que se ouviram sobre as diversas implicações destas técnicas que se praticam em Portugal desde 1986, sem qualquer regulamentação.

Na Assembleia da República encontram-se quatro projectos de lei (PS, PSD, PCP e BE), que deverão resultar numa legislação sobre a PMA, sete anos após uma iniciativa parlamentar ter sido vetada pelo Presidente da República, Jorge Sampaio. O obstetra e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Miguel Oliveira da Silva, recordou precisamente a morosidade deste processo que, na sua opinião, tem sido excessivamente "politizado".

O médico lamentou ainda a "religiosidade" com que se têm revestido algumas opiniões, criticando a posição assumida pelo cardeal patriarca de Lisboa, durante a mensagem de Ano Novo, na qual D. José Policarpo se manifestou contra a investigação em embriões excedentários.

Na sua intervenção, D. José Policarpo considerou que a actual preparação da legislação que regule a PMA em Portugal é "um exemplo preocupante" e "nem todas as descobertas da ciência, aplicadas sem o rigor ético de defesa da dignidade da pessoa humana, são factores de paz".

O cardeal patriarca de Lisboa considerou que o processo técnico-científico devia evitar a existência de embriões excedentários (resultantes de tratamentos contra a infertilidade e que não foram implantados no útero). Em nome da "dignidade do embrião humano", o cardial patriarca manifestou-se ainda contra "qualquer investigação, por mais promissora que seja".

Miguel Oliveira da Silva apelou aos deputados da Assembleia da República para que decidam "em liberdade e consciência e livres de pressões nem fundamentalismos religiosos travestidos de dados pseudo-científicos". O especialista recordou que, em 1978, quando nasceu a primeira criança através de uma técnica de PMA - a inglesa Louise Brown - os cientistas autores da proeza depararam-se com enormes reticências, apesar de, hoje em dia, ninguém questionar a eficácia da Fertilização In Vitro (FIV).

Para o nascimento de Louise Brown, prosseguiu o médico, foram utilizados 101 embriões humanos. "Será que foram 101 assassinatos, 101 infanticídios ou 101 crimes?", questionou. O médico reconheceu que, tal como há sete anos, quando a legislação aprovada no Parlamento foi vetada por Jorge Sampaio, subsistem dúvidas nesta área, acrescentadas por outras que entretanto surgiram.

Qual o número ideal de embriões a transferir para o útero ou o que determina uma taxa de sucesso dos tratamentos de infertilidade foram alguns dos exemplos apresentados por Miguel Oliveira da Silva de dúvidas que ainda existem.

O "pai" do primeiro bebé-proveta português, o ginecologista Pereira Coelho, recordou uma odisseia de 20 anos, desde que aplicou a FIV em Portugal com sucesso. Na altura, "as incógnitas eram mais que muitas" e o clima de "dúvidas e incertezas" era uma realidade. O especialista partilhou com a audiência uma constatação a que assistiu durante as duas décadas de prática na área da medicina da reprodução: "Os projectos parentais que, por utilizarem dadores, eram potencialmente atípicos, revelaram-se tão ou mais sólidos do que os processos intra-conjugais".

Pereira Coelho manifestou-se contra a união de homossexuais e gravidezes entre lésbicas ou em lésbicas que vivem isoladamente e lamentou os erros cometidos em nome das taxas de sucesso. As elevadas gravidezes múltiplas, a prematuridade, as reduções embrionárias e os síndromes de hiper- estimulação ovárica são alguns dos erros que, para Pereira Coelho, foram cometidos em nome de elevadas taxas de sucesso destes tratamentos.

No debate participou ainda a cientista e oncologista Leonor Parreira, que relatou os principais avanços na investigação com células estaminais embrionárias, ressalvando que, no meio de tanto avanço, ninguém sabe para onde caminha o homem se parar por aqui ou se avançar em frente. 

12.01.2006

 

Data de introdução: 2006-01-26




















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