Certamente que todos já tivemos, num ou noutro momento da vida, uma sensação de isolamento. A morte dum familiar ou amigo, um divórcio, a perda do emprego, hoje demasiado frequente, a reforma, o sair de casa para um colégio ou emprego distantes, podem desencadear intensos sentimentos de solidão.
Mas, a alienação é mais profunda e duradoura que a solidão que, frequentemente, se segue a um desgosto ou a uma mudança importante na vida. É uma sensação de separação, de isolamento familiar e social, um questionar da própria identidade, um sentimento de impotência.
Para certas pessoas, como para os idosos que já não saem de casa ou os doentes acamados, a solidão resulta das circunstâncias de suas vidas. Nestes casos, a falta de apoio social agrava muito as condições de vida dessas pessoas, tanto a nível físico como psíquico.
O sentimento de solidão, ou alienação, não resulta apenas de viver sozinho ou de ter um carácter reservado. Uma pessoa pode ser muito animada – conversadora, espirituosa e admirada – e, apesar disso, nutrir sentimentos de intensa solidão. A origem destes sentimentos é difícil de determinar, mas muitos especialistas pensam poder estar relacionados com experiências abandónicas na primeira infância.
Perder a nossa espontaneidade e passar a viver apenas para construir a imagem que os outros esperam de nós, pode também fazer-nos sentir alienados – não da sociedade, mas de nós próprios.
A pobreza, o racismo, o isolamento cultural, são fontes de alienação. Há outras formas, mais subtis, de alienação, de rejeição social, que se experimentam, como barreiras económicas e educacionais.
Nos bairros de lata, nos bairros sociais ou mesmo nos subúrbios descaracterizados das grandes cidades, instalam-se, muitas vezes, sentimentos de abandono e frustração, índices elevados de criminalidade, violência familiar e comportamentos autodestrutivos – como o alcoolismo, a toxicomania e o suicídio.
Nos últimos séculos, a humanidade assistiu a mais progresso tecnológicos que nos 10 mil anos anteriores. E assim como muitos conceitos científicos a religião está menos presente, e a moral é menos rígida.
Questões sobre o certo e o errado, o bem e o mal, já não são fáceis de responder. Esta crise de valores e das crenças, provoca uma crescente falta de sentido da vida, o que é, igualmente uma forma de alienação.
A tecnologia também produziu uma mudança radical nos estilos de vida. A vida rural, assentando nos valores da família e da comunidade, deu lugar a uma sociedade mais urbana e mais móvel e individualista.
Numa tendência que se iniciou com a Revolução Industrial e a produção em série, os trabalhadores perderam toda a ligação com o produto que fabricam e não têm uma sensação de identificação ou de orgulho por aquilo que produzem.
Muitos vêm nisto uma forma de alienação, tantas vezes de origem social e a sua “terapia” devia passar por uma vida familiar, profissional, religiosa e comunitária mais humanizada. Ao nível das dificuldades individuais há, no entanto, várias respostas terapêuticas, como o treino de aptidões sociais e intervenção psicoterapêutica, que podem ajudar o indivíduo a sentir-se melhor. Há diferenças entre alienação e solidão. Enquanto que o indivíduo alienado se sente rejeitado ou posto de parte, sofrendo de ansiedade ou depressão, o indivíduo que vive sozinho fá-lo muitas vezes por opção voluntária.
As pessoas submetidas a isolamento forçados, seja por circunstâncias de doença ou por encarceramento, podem tentar superar o sentimento natural de alienação, sublimando-o no enriquecimento intelectual ou na criação artística.
Mas a sociedade actual é, efectivamente, uma sociedade de alienação, a um tempo humana e social, resultante duma tendência para nos remeter cada vez mais para nós próprios. Podemos caracterizar, tal como o fez Gilles Lipovetsky, em a “Era do vazio”, em que descreveu a nossa época, e em particular a sociedade ocidental dos anos 80, como a era do narcisismo e do vazio enquanto ser social.
Na sociedade moderna, aos valores do grupo, ao bem-estar colectivo, sobrepõem-se os valores individuais, a preocupação com o nosso bem-estar doméstico, a segurança do nosso núcleo familiar restrito, a valorização da nossa imagem, através da ascensão económica e profissional.
Cada homem tornou-se responsável por si próprio e é-lhe dada toda a liberdade, todos os meios (…) para triunfar, desde que o faça sozinho. Cada homem tornou-se narcisicamente dono de si próprio e fonte do seu próprio prazer.
Rio Tinto, 22 de Janeiro 2006
Data de introdução: 2006-02-12