Sou do Porto, moro no Porto - a cerca de 100 metros do local onde há escassos dias um sem-abrigo foi morto à pancada por uma dúzia de rapazes. Alegadamente, como os jornais dizem a propósito de tudo e de nada…
(Para ser mais preciso: não foi morto; foi sendo morto, ao longo de dois dias de inumanidade).
Não há que fugir ao tema, nem às perplexidades que ele levanta:
1- A primeira causa de espanto é esta: nos primeiros dias de notícias, falou-se de tudo - dos autores, dos internatos, da educação das crianças e dos jovens, das comissões de protecção, das instituições particulares, das penas aplicáveis a menores e a maiores, do regime tutelar educativo. De tudo, menos da vítima. Aliás, nunca mais se falará dela - o único interveniente do drama que não estará presente no julgamento para contar como as coisas se passaram.
A única versão, a única explicação que vamos ter será a dos criminosos; não será a da vítima.
É normalmente assim. A vítima tem por via de regra menos interesse noticioso - pelo que o seu destino será o de ser apagada das notícias.
2 - Ontem- escrevo a 27 de Fevereiro - pela primeira vez os jornais deram destaque à biografia do assassinado.
Não o fizeram, todavia, por ele ter sido espoliado do bem primeiro, o bem da vida. Mas pela circunstância mais mediática de a história da vida do sem-abrigo conter um percurso ao gosto do público nas novelas da vida real.
3 - Em matéria de crimes, sou francamente antiquado - para mim, os primeiros culpados são mesmo os autores: os que agrediram, os que espetaram a faca, os que deram o tiro…
Confesso que sou pouco sensível ao ar do tempo, que tudo desculpabiliza para endossar as culpas a entidades tão diáfanas como a sociedade, ou o sistema - que não fica com as culpas dos outros só no futebol.
E de uma coisa estou seguro: do ponto de vista da vítima, ou da sua família, é indiferente que a pedrada ou o pontapé fatal tenha sido dado por um rapaz de 15 ou 16 anos; ou que este tenha sido criado numa família ou numa instituição.
4- Nesta matéria de confortável responsabilização prévia, tem sido posta no pelourinho a instituição onde se encontravam acolhidos a maioria dos rapazes acusados - as Oficinas de S. José, do Porto.
Não conheço o suficiente do seu modo de funcionamento para falar do modelo educativo que nela vigora.
Mas, falando em termos mais gerais dos lares para crianças e jovens que tantas instituições mantêm, importa lembrar que quem para esses lares vem residir são, em regra, crianças ou jovens que as famílias para eles encaminham, por não conseguirem educá-los; ou enviados pelos tribunais, por se tratar de crianças em risco; e, muitas vezes, já para lá do risco.
É certo que tais lares têm o dever de educar as crianças que recebem. Mas, como sabemos todos os que educamos filhos, educar é estabelecer regras, e limites. E forçar o respeito por eles. É também suscitar solidariedade, e partilha, e respeito pelos outros.
Esse trabalho custa - e exige disciplina.
Como já disse, não estou a falar desta instituição em concreto. Mas não posso deixar de lembrar a exautoração pública de que foram alvo muitas instituições a pretexto de pretenderem estabelecer regras nos seus internatos. De forma impositiva, pois que não há outra.
5- Já vieram os psicólogos do costume, e os respectivos compagnons de route, absolver desde já os suspeitos pelas razões que acima deixei esboçadas.
Como estamos em maré de reforma dos curricula dos cursos superiores, para os adaptar a Bolonha, aqui fica a minha proposta para o trabalho prático de conclusão do curso de Psicologia, pelo menos para os alunos que pretendam dar palpites sobre jovens em risco: cada aluno que leve um para sua casa - e que o eduque.
* Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde
Data de introdução: 2006-04-06