VIEIRA DA SILVA, MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE SOCIAL

Queremos valorizar o papel das instituições da sociedade civil

SOLIDARIEDADE – O líder do PSD, Marques Mendes, defendeu em entrevista ao Solidariedade que o Estado, no social, está a fazer concorrência à sociedade civil. Tem uma perspectiva diferente...
VIEIRA DA SILVA
– Eu acho que quem conheça, com razoável profundidade, qual é o nosso modelo de políticas sociais, no domínio do apoio às comunidades e às famílias, facilmente chega à conclusão de que o que existe em Portugal está muito longe de ser um sistema em que o Estado tem um qualquer papel de concorrência, ou mesmo de monopólio. Temos uma política de acção social muito significativa, nomeadamente nos acordos de cooperação. As instituições da sociedade civil representam o essencial dos instrumentos práticos e directos de promoção dessas mesmas políticas. O que nós temos não é uma realidade de hoje. Foi construída ao longo dos anos. Temos um pacto de cooperação para a solidariedade com as instituições, as misericórdias, as IPSS, as mutualidades que têm a responsabilidade de gerir, não só os seus próprios equipamentos em cooperação com o Estado, como até de gerir uma boa parte dos que são propriedade do Estado. A acção social é feita em parceria muito estreita e muito intensa entre as instituições e o Estado.

SOLIDARIEDADE – A tendência é para que se mantenha a situação actual ou é para que se estimule a iniciativa da sociedade civil?
VIEIRA DA SILVA
– A tendência, que temos vindo a reforçar, é para valorizar o papel das instituições da sociedade civil. Basta lembrar que nós temos em curso o Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES) com o qual estamos a fazer uma das maiores expansões da rede de equipamentos e serviços de que há memória em Portugal. Lançamos uma candidatura em Maio deste ano, está em fase de conclusão; vão ser celebrados os acordos de financiamento com cerca de quatro centenas de novas valências; e ainda em Janeiro, deste ano, vai ser promovida a segunda fase deste programa. A exclusividade da iniciativa é precisamente do sector social. Uma pequena parte de apoio será para a iniciativa privada lucrativa, mas o grosso do investimento, que no final superará os 400 milhões de euros, em equipamentos para a infância, para idosos, pessoas com deficiência, será para instituições do sector social.

SOLIDARIEDADE – Existe a economia social solidária e a economia social com fins lucrativos. Consigo no governo esta segunda componente económica pode vir a obter maior protagonismo?
VIEIRA DA SILVA
– A nossa prioridade é, no que toca às relações do Estado, privilegiar o sector social, que alguns chamam de economia solidária. No PARES é bem evidente. O Estado tem uma dupla relação com as instituições do terceiro sector: por um lado apoia o financiamento aos equipamentos e, por outro, de financiamento à actividade corrente através dos acordos de cooperação. O papel do sector privado, empresarial, lucrativo, é um papel supletivo e vai continuar a ser assim. A novidade é que pela, primeira vez, o Estado apoia, através da concessão de redução de juros ao investimento, com a contrapartida de essas instituições privadas dispensarem alguns lugares dos seus equipamentos para a rede social. Hoje em dia muito mais de 90 por cento dos lugares que estão disponíveis são da responsabilidade do sector social. O Estado tem apenas intervenção em áreas muito específicas.

SOLIDARIEDADE – Como encara o facto do Estado, na valência de ATL, por exemplo, ter incentivado a sociedade a encontrar respostas e agora ter decidido autenticamente “tirar o tapete”?
VIEIRA DA SILVA
– É uma área que não é da minha responsabilidade, mas o que se passou foi a constatação de que o Estado não estava a desafiar plenamente as suas funções ao nível do primeiro ciclo e do básico. Por isso através do alargamento do horário escolar e do enriquecimento curricular decidiu servir melhor as famílias. Isto não quer dizer que a articulação não seja feita com as instituições da sociedade civil ou do poder local. Não se tratou de castigar o desempenho das instituições, que fizeram um bom trabalho, mas apesar de tudo era insuficiente em termos de cobertura.

SOLIDARIEDADE – Em seu entender, às autarquias também cabe o papel de promoção social ou apenas de organização e supervisão?
VIEIRA DA SILVA
– Isso está em discussão conjunta entre a ANMP e o Estado, e está numa fase inicial de reflexão. Julgo que lhes cabe um papel importante. Têm um poder de contratualização com o Estado e, ainda agora no Programa PARES, muito dos equipamentos que foram e vão ser apoiados têm uma participação do poder local, ao nível, por exemplo, da cedência de terrenos. Este triângulo entre o sector social, o poder local e a administração pública central, tem que ser transformado num triângulo virtuoso em que todos devem e podem contribuir para reforçar essa rede.

SOLIDARIEDADE – Há novidades sobre o anunciado Instituto de Economia Social?
VIEIRA DA SILVA
– Nós temos, no nosso programa de reforma da administração pública, a missão de transformar o Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo num pólo de confluência e articulação entre as várias famílias do sector social. Tenho feito esse desafio e julgo que seria interessante que o Estado e os movimentos associativos na área cooperativa, na área da solidariedade, das mutualidades e fundações tivessem um pólo de desenvolvimento da visibilidade que este sector merece. Está inscrito no nosso programa para 2007.

SOLIDARIEDADE – Foi assinado recentemente um pacto para a cooperação com a CNIS, União das Misericórdias e Mutualidades, que reflecte uma nova filosofia de financiamento à actividade social. O que é que vai mudar?
VIEIRA DA SILVA
– O que foi acordado com os parceiros, para além do acordo anual, foi uma espécie de carta lateral em que há um compremetimento de todas as partes para trabalhar para que em 2007 seja possível começar a melhorar o modelo de cooperação. Em várias áreas: no reforço da qualidade das instituições e na verificação dessa qualidade; no domínio da diferenciação positiva; e no domínio da formação. Queremos melhorar a eficácia e a eficiência global da intervenção em parceria do Estado com as instituições de solidariedade. Trata-se de fazer com que os recursos disponíveis, que são escassos, sejam o mais possível dirigidos para privilegiar os sectores sociais mais frágeis. Existe um modelo de participação público homogeneizado que, grosso modo, trata todos de igual modo. As instituições têm, elas mesmas uma política de diferenciação, no que toca à responsabilidade das famílias, mas pensamos que esse sistema pode ser melhorado. O grande objectivo é garantir que exista uma adequação do financiamento às necessidades das famílias por forma que aqueles que têm menos rendimentos e mais necessidades tenham menos esforço e aqueles que têm um pouco mais de rendimento, de bem-estar, de capacidades e maior capacidade de auto-financiar a utilização de equipamentos o possam fazer. Esse é o grande princípio. A forma como o vamos concretizar está em desenvolvimento.

SOLIDARIEDADE – Será uma tarefa difícil. Recordo que, por exemplo no RSI, a obtenção de informação sobre os rendimentos dos beneficiários tem dado azo a grandes injustiças...
VIEIRA DA SILVA
– Tem havido casos bem sucedidos. Há dez anos atrás o abono de família era uma prestação igual para todos. Foi introduzida diferenciação e julgo que correu bem. Hoje é aceite pela sociedade que as famílias que têm mais dificuldades tenham um apoio maior, as outras menor e outras que nem sequer tenham. Há boas experiências e apesar das dificuldades que têm a ver com o modelo de aferição dos rendimentos é um caminho que é inevitável. Não há alternativa. O Estado não pode tratar todos por igual do ponto de vista da satisfação das necessidades.

SOLIDARIEDADE – No futuro o financiamento pode ser feito directamente à família?
VIEIRA DA SILVA
– O financiamento já é feito às famílias. As instituições são intermediárias entre o Estado e as famílias. Não estamos a falar de criar novas prestações monetárias. Temos que encontrar um equilíbrio entre a garantia de que as instituições que se dedicam à acção social têm condições de funcionamento regular e a garantia que esse funcionamento regular assegura a igualdade plena do tratamento das famílias, sabendo que essa igualdade plena implica métodos de diferenciação. A igualdade não é tratar todos por igual, mas tratar de forma diferente o que é diferente. O modelo da garantia à família é um modelo que não me repugna, mas sempre salvaguardando a necessidade de manter a estabilidade da rede de equipamentos e serviços que é hoje uma responsabilidade, no que toca à gestão, das instituições.

SOLIDARIEDADE – De uma forma prática seria entregar à família uma espécie de cheque social...
VIEIRA DA SILVA
– É um modelo que existe e já foi ensaiado. Já foi inscrito em vários programas, de vários governos, de várias tendências. Se bem me recordo o anterior governo tinha inscrito essa mudança. Eu não julgo que seja necessário passarmos directamente para esse modelo. É preciso que todos asseguremos que o apoio que é concedido às instituições para servir as famílias seja um eficaz apoio às famílias.

SOLIDARIEDADE – O papel do Estado é o de fiscalizar a actividade exigindo qualidade e rigor...
VIEIRA DA SILVA
– O Estado tem essa obrigação. Estamos a falar de recursos públicos, de dinheiro dos contribuintes e tem a obrigação de velar para que o rigor, a qualidade e a exigência sejam mantidos. Creio que essa é uma ambição das instituições e das entidades representativas do sector. Há uma grande sintonia por parte das instituições e do Estado.

SOLIDARIEDADE – Mudando de tema… Há uma nova palavra no mundo social: Flexisegurança. O Sr. ministro chegou a manifestar agrado pelo conceito. Teve que recuar perante algumas críticas à tentação da importação do modelo dos países nórdicos?
VIEIRA DA SILVA
– Não fiz nenhum recuo. O que penso está escrito e afirmei sempre a mesma coisa. Todos os modelos de organização social têm virtudes e defeitos. Uma das virtudes é a adaptação à sociedade em que se vive. O que disse também é que há dimensões do conceito de flexisegurança que não podemos pôr em causa. Por exemplo, a de que os recursos humanos mais qualificados, com mais aprendizagem ao longo da vida estão sempre mais preparados para enfrentar as mudanças. É uma característica da flexisegurança e é uma realidade que em Portugal, mais do que nunca, é uma necessidade inquestionável. Outros aspectos são próprios dos países onde foi implementada. Os próprios responsáveis por esse modelo estiveram no nosso país e disseram que não é um modelo pronto-a-vestir, um fato que se adapta a todos.

SOLIDARIEDADE – Há uma componente que tem que ver com a flexibilização das leis laborais. É mais fácil despedir pessoas. O Estado, é certo, tem nesse modelo, uma função social mais desenvolvida, cabendo-lhe sustentá-las e recolocá-las no mercado de trabalho rapidamente... O conceito agrada-lhe?
VIEIRA DA SILVA
– Será muito exagerado dizer que em Portugal existe uma rigidez de facto na vida empresarial. As empresas têm, muitas delas, inúmeros instrumentos de se adaptarem às circunstâncias da concorrência. Por vezes não são aqueles que melhor se adaptam à lei existente. Existe uma diferença grande entre a legislação, e nalguns domínios temos leis mais protectoras do que noutros países, e o ponto de vista fáctico. Basta verificar o que se passa na nossa economia para se perceber que a flexibilidade é maior do que as afirmações apriorísticas poderão levar a crer. É um debate, uma reflexão e uma mudança que terá que ser feita com prudência.

SOLIDARIEDADE – O combate à evasão contributiva para segurança Social tem sido uma das suas batalhas recorrentes. A juntar a outras como a luta contra a fraude no subsídio de desemprego, nas baixas médicas... Tem havido resultados?
VIEIRA DA SILVA
– Nós estamos a viver um momento em que os sistemas sociais têm fragilidades. São atacados frequentemente. Há quem considere que o crescimento económico e o modelo social forte são incompatíveis. Eu não acredito nisso. Eu acho que um sistema social organizado, justo, equilibrado mas denso, ambicioso é compatível com uma economia competitiva e em crescimento. Não há nada que fira tão fundo a credibilidade de um modelo protecção social quando é do conhecimento público que alguém recebe um subsídio de desemprego e está a trabalhar e a receber um outro vencimento de forma ilegítima. Nós temos posto muito empenho, não só nessas acções de combate à evasão e à fraude, mas também nalgumas alterações legislativas. Conseguimos obter um acordo na consertação social sobre a revisão das leis do subsídio de desemprego, tornando-as mais blindadas do ponto de vista de utilizações individuais perversas. Quem está involuntariamente desempregado tem direito ao fundo de desemprego, até porque contribuiu para ele. Temos tido resultados positivos neste combate.
SOLIDARIEDADE – Na Reforma de Segurança Social levou a água ao seu moinho...
VIEIRA DA SILVA – Esta mudança que estamos a introduzir na segurança social é uma mudança que resulta em grande parte de um trabalho colectivo. Em primeiro lugar foi fortemente impulsionado pelo primeiro-ministro. Foi ele quem deu a cara pelos objectivos e instrumentos desta reforma. Depois foi gerado um consenso, não tão alargado quanto eu gostaria, mas um consenso significativo ao nível da consertação social. Nós estamos mais bem preparados para enfrentar o futuro depois desta reforma. Tem recebido reconhecimento internacional e de muitos observadores que apontam esta mudança como indo na linha certa, o que não estava a acontecer.

SOLIDARIEDADE – O Sr. ministro fez parte de um governo, há seis anos, e já nessa altura podia e devia ter sido feita....
VIEIRA DA SILVA
– Há quem use muito esse argumento. A expectativa de crescimento é bem inferior agora, as realidades demográficas mudaram mais rapidamente do que se pensava, mas também é verdade que uma das peças fundamentais desta reforma é uma peça que retoma o que foi acordado em 2001 que é a nova forma de cálculo das pensões. Apenas consideramos que era preciso ir mais depressa, o período de transição não podia ser tão longo.

SOLIDARIEDADE – Com expectativas de crescimento económico conhecidas julga que o sistema é sustentável até quando?
VIEIRA DA SILVA
– Nós temos projecções até 2050 porque são aquelas que a UE suporta. Segundo essas projecções o sistema mantém-se financiável, sem nenhuma mudança radical, se tudo correr com normalidade, até 2050. Esta mudança tem uma vantagem: tem dentro de si instrumentos auto-correctores. Se o crescimento económico for maior ou menor isso repercute-se no sistema.

SOLIDARIEDADE – O combate à pobreza é a área onde os resultados têm sido mais frustrantes?
VIEIRA DA SILVA
– Eu não diria frustrante. Tenho consciência que não é um combate de dois anos. Infelizmente a própria União Europeia dedica menos atenção às questões das desigualdades do que a outras questões. Já usei várias vezes esta frase: Nós conhecemos, todos os dias, o valor do mercado de acções; todos os meses conhecemos o valor da inflação; de três em três meses sabemos valores seguros sobre o emprego e desemprego. A taxa de pobreza é conhecida com dois anos de atraso. Isso quer dizer alguma coisa: não estamos a dedicar a atenção que devíamos a esse problema. Não basta saber as coisas: Em Portugal há 20 por cento de pessoas a viverem abaixo da linha de pobreza. Como se distribuem esses 20 por cento? Alguns dos instrumentos públicos mais importantes, como o RSI e o Complemento Solidário para Idosos, são para aproximar as pessoas dessa linha de pobreza, não têm capacidade para as tirar desse universo. É preciso conhecer e actuar sobre a severidade da pobreza. Há instrumentos novos, estamos a reformar os sistemas de protecção social no sentido de serem mais eficazes no combate à pobreza. A taxa de pobreza, antes de agirem os instrumentos de protecção, é praticamente igual à média europeia. Depois de agirem, depois das transferências sociais, a maior parte dos países reduzem a taxa às vezes em 70 por cento. Em Portugal reduzimos em cerca de 30. Não somos eficazes.

SOLIDARIEDADE – Um milhão de idosos com menos de 300 euros por mês é uma situação dramática...
VIEIRA DA SILVA
– Serão 300 mil nessas condições de grande necessidade. Temos o espaço da legislatura. Vamos alargar esse complemento para as pessoas entre os 70 e os 80 anos já este ano. Há um trabalho social complementar muito importante. Não é só passar um cheque ou fazer a transferência. É preciso identificar quem precisa, calcular o esforço que deve ser concretizado e depois fazê-lo lá chegar. Isso é o que vale a pena fazer.

 

Data de introdução: 2007-01-05



















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