Pedro Guerra recusa contar de forma detalhada o acidente que lhe decepou os braços. Em 1994 já tinha abdicado dos estudos para se dedicar ao trabalho numa serralharia, em Oliveira do Bairro. Desse período refere, pressuroso, um episódio, talvez uma brincadeira de rapaz de 16 anos, numa fábrica abandonada, um choque eléctrico…uma desgraça. Conclui, abruptamente, com a evidência da amputação dos braços e muda de conversa.
Para Pedro Guerra há uma vida antes do acidente e outra depois. Uma nova realidade tomou conta, então, da vida de Guerra e da sua família. Filho mais velho de três irmãos contou sempre com o apoio de todos. “Não foi fácil para eles, aliás, não foi fácil para ninguém”, lembra. Desenvencilhar-se de todos os obstáculos foi um processo “muito lento e difícil de aceitar”, afirma Guerra.
Estimulado pela força de vontade, Pedro Guerra reaprendeu a viver com a mudança que o destino lhe trouxera. “Tive que aprender tudo de novo. Eu fazia muitas coisas com os braços e de repente deixei de o poder fazer. Como, por exemplo, comer pela minha mão, ir à casa de banho ou cortar a barba. Nesse sentido, foram feitas obras na casa de banho para poder ajudar-me a superar os obstáculos iniciais”.
“Eu não me posso refugiar naquilo que tenho ou que não tenho, mas sim, mostrar às pessoas que estão à minha volta o meu valor e reconhecer, de facto, que somos pessoas normais, iguais às outras.” Foi já com este espírito que, no ano de 1996, Pedro Guerra resolveu concluir o secundário. “Foi uma época difícil porque eu já não estudava há muito tempo e estava prestes a completar os 18 anos e, na minha turma, havia uma diferença de idades de 12 anos”.
Dois anos mais tarde, numa conversa entre amigos na escola, o tema natação “veio à baila” tendo captado o interesse de Guerra que completara, então, 20 anos de idade. “É claro que, ao início, achei uma grande estupidez. Pensei: Jamais vou conseguir nadar!” O certo é que, no espaço de um ano, Pedro Guerra passou a frequentar as aulas de natação monitorizadas por José Luís Corte Real, e nunca mais parou.
Começou a dar as primeiras pernadas de costas, sendo o “primeiro estilo” praticado pelo desportista. Do primeiro estilo, mergulhou para a sua primeira vitória em Janeiro de 1999. Passou a ser membro do grupo Oliveira do Bairro Sport Clube e pôde contar ainda com apoio da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes. Na natação adaptada estão pessoas com diferentes deficiências (desde s1 à s10). São analisadas e classificadas por um especialista segundo as normas internacionais para serem incluídas na respectiva classe. Tinha nascido um campeão!
Perseverança e força
Em Portugal existem milhares de pessoas com diversas deficiências que nem sempre são bem aceites por elas próprias e pela sociedade. “Sinto que os direitos dos deficientes em Portugal ainda têm um longo caminho a percorrer por parte das pessoas. Quer as pessoas, quer as colectividades, públicas ou privadas, quer as próprias pessoas com deficiência, têm de mudar de mentalidade”, lamenta-se Guerra.
O seu dia-a-dia é bastante preenchido. Pratica natação durante uma hora e meia, de segunda a sábado, com folga aos domingos. À segunda e sexta-feira faz ginásio. Está a concluir a licenciatura em Administração Pública na Universidade de Aveiro e, paralelamente às aulas, está a realizar um estágio curricular na Câmara Municipal de Oliveira do Bairro. ”Estou a receber um bom feed-back por parte das pessoas. Não significa que eu vá lá ficar, mas é bom sentir que as pessoas gostam e valorizam o meu trabalho”, garante o desportista.
E passados nove anos de natação, o resultado é inequívoco: José Pedro é um campeão: “É verdade, tenho vindo a vencer ao longo dos anos. São 9 anos de natação e estes resultados são fruto de muitos anos de trabalho, não só meu, como do clube, do treinador, dos amigos, da namorada, da família… Portanto o mérito é de todos”. A próxima batalha desportiva é a participação nos Jogos Olímpicos de Pequim.
Pedro Guerra perdeu os braços mas ganhou força de vontade, a necessidade de vencer, a luta contra a adversidade, a perseverança, a esperança e as vitórias são características desta nova vida. São descobertas aceleradas por um infortúnio.
Pedro Guerra é frequentemente elogiado pelo seu talento insólito. “É bom ouvir as pessoas dizerem-me: és um exemplo para o meu filho; és um exemplo para mim que não sei nadar. E isso, para mim, é impressionante.” Sente, até nos olhares indiscretos dos desconhecidos, o reconhecimento e a admiração por ser um campeão. Mas a grande vitória de Guerra é, apenas, ter encontrado a vida.
Data de introdução: 2007-04-03