ESTUDO SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO, DESIGUALDADE E POBREZA EM PORTUGAL

A política social tem sido sempre um parente pobre das outras políticas

As populações mais pobres foram as que mais empobreceram nos últimos anos, de acordo com um estudo sobre a “distribuição do rendimento, desigualdade e pobreza em Portugal”, da autoria de Carlos Farinha Rodrigues, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (ISEG) e investigador do Centro de Investigação sobre Economia Portuguesa (CISEP).

O estudo, cujos dados reportam até 2004, revela que a taxa de pobreza em Portugal é superior à média europeia, mesmo após contabilizadas as transferências sociais (20 contra 16 por cento). Segundo os dados apresentados por Farinha Rodrigues, Portugal continua a ser o país da União Europeia com maiores níveis de desigualdade (41 contra 31 por cento da média comunitária) e maiores níveis de pobreza. “Este estudo apresenta uma série de dados que estão disponíveis no Eurostat e que basicamente retratam a situação extremamente difícil da pobreza e da desigualdade no nosso país”, explicou o investigador. Para Farinha Rodrigues os números demonstram que há “uma insuficiência da política social em termos de medidas concretas dirigidas à população mais carenciada, o que não significa necessariamente uma ineficiência das mesmas”. O docente do ISEG aponta como exemplo outro estudo que realizou sobre o Rendimento Mínimo Garantido que demonstrou que essas transferências eram “altamente eficientes”.

Farinha Rodrigues não deixa de relativizar os dados apresentados, sublinhando que a par da taxa elevada e da persistência da pobreza, há também uma melhoria significativa dos níveis de vida das populações, apesar de diversos estudos apontarem que nos últimos 10 a 15 anos, o valor da taxa de pobreza praticamente não se alterou no nosso país. “A taxa de pobreza utilizada é uma taxa relativa (constituída por 60 por cento do rendimento mediano do produto equivalente) portanto, à medida que o nosso rendimento cresce, a linha de pobreza também vai crescendo”, explicou o professor. Para comprovar este facto, Farinha Rodrigues remete para outro estudo que efectuou sobre a situação económica nacional na década de 90, já com os efeitos da adesão à Comunidade Europeia, em que constatou que, apesar da manutenção do valor da pobreza em 20 por cento, o nível médio de todos os sectores da sociedade cresceu significativamente. “Em termos simples, significa que o que era ser pobre em 1990, não é o mesmo que ser pobre hoje em dia”, diz o investigador. Embora esse crescimento tenha trazido diversos benefícios, e até 2000 foi acima da média europeia, traduziu-se, no entanto, num “crescimento desigual e que aumentou fortemente as discrepâncias entre as classes sociais”.

O que significa “ser pobre”?

Cerca de dois milhões de portugueses são pobres, mas o que é, em termos técnicos, ser “pobre”? Segundo Carlos Farinha Rodrigues, a definição de pobre vai muito além do rendimento per capita (indicador que ajuda a saber o grau de desenvolvimento de um país e que consiste na divisão da renda nacional pelo total da população). Assim, utiliza-se outro indicador relacionado com o número de adultos existentes numa casa – rendimento por adulto equivalente. “Um indivíduo é considerado pobre se vive numa família cujo rendimento por adulto equivalente é inferior a 60 por cento do valor mediano por adulto equivalente calculado para toda a população”. Os cerca de 20 por cento apresentados na taxa de pobreza resultam do cálculo desse indicador ao longo de vários anos, o que indicia que “a nossa pobreza tem um carácter muito estrutural e que não tem sido ultrapassado”, conclui Carlos Farinha.

Analisando a distribuição de rendimentos por sexo, verifica-se que as mulheres apresentam um valor ligeiramente mais elevado de pobreza do que os homens (21 contra 20 por cento), mas são os idosos que denunciam maior fragilidade, com uma taxa de pobreza situada nos 28 por cento, sendo que a média europeia é de 19 por cento. Além da população idosa, as famílias afastadas da actividade produtiva (em que nenhum dos elementos adultos está empregado ou tem fontes de rendimento regulares), as famílias monoparentais e as famílias numerosas são também considerados grupos de risco. Para o investigador, têm sido tomadas medidas importantes para combater a frieza destes números. Farinha Rodrigues aponta como exemplo a recente política do Governo socialista dirigida à população idosa, o Complemento Solidário para Idosos. “Se for bem sucedida, esta é uma medida que cumpre os requisitos para ser eficaz, pois é dirigida a um sector específico e particularmente vulnerável”.

O docente do ISEG refere que também é necessário ter atenção à forma de avaliação das políticas sociais, tendo em conta as alterações da taxa de pobreza, pois “é um indicador muito simples, que só indica a percentagem de população pobre, mas não nos diz como é que estão nessa situação de pobreza”. O investigador dá um exemplo: “imagine que a linha de pobreza situa-se num valor hipotético de 100 e tínhamos um indivíduo com rendimento de 80 e outro com rendimento de 20, ambos eram pobres, mas é evidente que as condições de vida do que tem um rendimento de 20 são muito piores do que aquele que tem um rendimento de 80”. Para o professor há diversas medidas de apoio social que não estão vocacionadas para acabar com a taxa de pobreza, mas para reduzir a precariedade das populações mais desfavorecidas. “Os estudos sobre o Rendimento Social de Inserção permitem concluir que esta foi uma medida extremamente importante para diminuir a intensidade da pobreza, isto é, para aliviar o défice de recursos da população pobre”, diz Carlos Farinha.

Apesar dos aspectos positivos que algumas políticas sociais acarretam, Farinha Rodrigues alerta para a necessidade de todas estas políticas estarem devidamente enquadradas e integradas num contexto social mais abrangente. “São necessárias medidas completas, que permitam ir além do subsídio e que desenvolvam programas de inserção das pessoas na vida activa”, defende. O estudo que o investigador realizou sobre o Rendimento Social de Inserção demonstrou que, em 2004, apenas 20 por cento dos beneficiários do programa estavam incluídos socialmente, “uma das grandes fragilidades da medida”. Recentemente, o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, na conferência da Presidência da República “Compromisso Cívico para a Inclusão”, realizada em Santarém, em Abril passado, estabeleceu como meta do Rendimento Social de Inserção a integração de 80 por cento dos beneficiários até 2008. “Se esta meta for cumprida, pode dar-se um salto muito importante na melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos”, acredita Farinha Rodrigues.

Para o investigador o combate à pobreza e exclusão social não é tarefa exclusiva da tutela, mas depende muito do empenho da sociedade civil. “O combate à pobreza exige de facto medidas definidas a nível central, mas exige também uma participação muito grande das várias organizações da sociedade civil, que a nível local participam nestes planos de inserção”, defende Farinha Rodrigues.
Numa altura de discussão das grandes prioridades e estratégias do documento de enquadramento da programação dos fundos estruturais da União Europeia para Portugal, o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), para o período entre 2007 e 2013 e que prevê a transferência de 21,5 mil milhões de euros de fundos comunitários, o investigador alerta para a necessidade de tentar “colmatar” as desigualdades que têm vindo a ser acentuadas desde a entrada de Portugal na UE. “Temos salários claramente abaixo da média europeia, mas se formos a um quadro superior de uma grande empresa portuguesa, os salários já estão nivelados pelo nível da média comunitária”, diz Carlos Farinha e conclui que houve “de facto um aprofundar do fosso entre os mais ricos e os mais pobres”.

“Não estamos condenados a ser pobres”

A difícil situação económica do país, o aumento compulsivo do endividamento das famílias e o aumento do desemprego são agravantes ao sistema social português. Embora não existam ainda dados concretos, segundo Farinha Rodrigues, “todos os dados indiciam que no período de 2001 a 2004 houve um retrocesso das condições de vida em Portugal”. “Esse retrocesso é tanto mais grave, pois parece apontar que são precisamente os indivíduos mais pobres que viram reduzido de forma significativa o seu rendimento” acrescenta o professor. O desemprego é outro dos factores responsáveis, segundo Carlos Farinha, pelo agravamento das situações de exclusão e desigualdade. “A situação de desemprego traduz-se inevitavelmente no aumento dos níveis de exclusão social, no afastamento das famílias do mercado de trabalho e na sua consequente vulnerabilidade”, explica o docente do ISEG. Para este especialista em economia a resolução destes problemas não passa exclusivamente pelo livre arbítrio do mercado. “Precisamos de ter o mercado a funcionar para resolver o problema da exclusão social, mas isso não é suficiente, deve ser acompanhado de políticas sociais que promovam a inclusão”.

O investigador diz acreditar na “intenção clara deste Governo em ter uma política social activa”, o que classifica de “muito positivo”, uma vez que, segundo ele, a “política social tem sido sempre um parente pobre das outras políticas”. Para Farinha Rodrigues é preciso pôr na agenda política e mediática estas questões da exclusão e da pobreza. O professor vai mais longe ao afirmar que ao lado das metas comunitárias relativas ao défice orçamental e à taxa de inflação, “seria capaz de se justificar que houvesse também uma meta a cumprir sobre a desigualdade e a pobreza”.

Apesar da conjuntura económica nacional, Carlos Farinha Rodrigues acredita que “não estamos condenados a ser pobres”. “Houve outros países que estavam numa situação semelhante à nossa e conseguiram dar a volta”, diz. Para este economista serão as políticas sociais as grandes responsáveis da alteração deste quadro e diz estar “optimista” quanto aos resultados positivos das mesmas.

 

Data de introdução: 2007-06-06



















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