"Um grito rebelde e de sede de justiça". É assim que o paraplégico José Lima resume a viagem de vinte dias que fez desde Viana do Castelo até Faro, onde chegou no dia 21 de Agosto, em cadeira de rodas. Depois de ter percorrido 800 quilómetros numa cadeira adaptada com pedais e uma espécie de caixa de velocidades, José Lima vestia uma camisola amarela à chegada a Faro como símbolo da sua vitória.
Pelo caminho, encontrou um apoio inesperado, sentiu a solidariedade dos portugueses “a cada curva”, o que o fez emocionar-se mas, diz, gostava que essa sensibilidade estivesse também presente nos que ditam os destinos do país. “Espero que essa sensibilidade esteja também nas esferas superiores, nas pessoas que nos governam”, afirmou, perante as dezenas de pessoas que o esperavam à porta do Governo Civil de Faro, onde estavam várias entidades oficiais, entre as quais Idália Moniz, Secretária de Estado-adjunta e da Reabilitação. A representante governamental reconheceu que é preciso proceder a uma mudança de mentalidades e considerou que a viagem do paraplégico foi fundamental para chamar a atenção sobre a temática. “A sociedade está pouco disponível para coabitar com a diferença”, assumiu, realçando a importância da legislação que concede aos grupos de cidadãos o poder de denunciar o incumprimento das regras de acessibilidade.
As histórias da viagem foram muitas e não faltaram os apoios de muitos populares. José Lima recorda com especial carinho os grupos de ciclistas que o acompanharam ao longo de vários quilómetros, bem como atletas a correr, com especial destaque para José Arruda, presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, que correu agarrado à sua cadeira de rodas durante nove quilómetros. “No Alentejo, um hipermercado parou e todos os funcionários vieram para a berma da estrada esperar-me”, relembra, e conta de imediato outro momento da viagem, - “talvez o que mais me comoveu” -, quando o levaram a ouvir o Grupo Coral dos Mineiros de Ajustrel que cantaram em sua honra.
Com formação em electrónica industrial, foi um alto quadro de empresas portuguesas no mundo. Desempenhou funções na Venezuela e em Angola, país este que viria a marcar decisivamente o seu futuro. Em 1997, um acidente de trabalho deixou-o paraplégico. “Estava a reparar um elevador no Ministério das Finanças em Angola, que me esmagou contra uma parede de betão. Tenho sorte em estar vivo”, conta. A partir daí, e após os longos tratamentos em diversas unidades hospitalares do país, teve que se adaptar à sua nova condição e passou a enfrentar um sem número de preconceitos e barreiras. “Quando concorro a um posto de trabalho, envio o currículo e por telefone está tudo bem e até chego a ir a várias entrevistas, mas quando lá apareço em cadeira de rodas, apresentam uma série de desculpas e despacham-me”, confessa revoltado. Esta é uma das principais razões que o levaram a efectuar esta empreitada. “Esta volta foi um grito de dor, de protesto, por eu saber que posso trabalhar, tenho conhecimentos técnicos e experiência para o fazer e há três anos que estou desempregado. Nós, deficientes, não temos igualdade de oportunidades”, reafirma.
Sem emprego, não ficou de braços cruzados e montou uma mini-gráfica em casa, onde já editou dois livros da sua autoria e outras obras assinadas por autores da região. “Faço todos os processos de criação do livro desde a escrita, à impressão e à encadernação”. Agora pensa contar a sua odisseia em livro.
No final, José Lima não tem dúvidas em afirmar “que o objectivo foi cumprido”. “Queria descansar e não tinha tempo”, gracejou, afirmando que não trocaria a viagem que fez “por nada” e que estes dias foram as suas verdadeiras férias. Pioneiro da iniciativa, já foi contactado por uma empresa que quer organizar a próxima “Volta a Portugal em Cadeira de Rodas”, a realizar em Julho de 2008. Para já, conta com a predisposição de 20 participantes, mas continua a aguardar por mais interessados.
Data de introdução: 2007-09-14