É num conjunto de pequenas casas rodeadas de jardins e árvores em Bicesse, Cascais, que desde Outubro de 1967 crianças e jovens órfäos, abandonados, mal-tratados ou oriundos de famílias de risco
encontram o lar que nunca conseguiram ter junto dos pais biológicos.
A Aldeia SOS de Bicesse, a primeira criada em Portugal, acolhe hoje 62 crianças e jovens e está a comemorar 40 anos de um projecto virado para dar um futuro àqueles que se viram privados dele.
"Aqui as crianças têm um ambiente que é familiar, têm uma mäe, os seus amigos, vivem também num ambiente externo à aldeia, nas escolas", "é como se estivessem em suas casas", afirma Armando Albuquerque, director da Aldeia SOS de Bicesse.
As casas, caiadas de várias cores, espalham-se pelo espaço aberto da aldeia. Bicicletas, brinquedos e crianças a jogarem à bola ilustram a vida comunitária. As "mäes" ocupam-se da preparaçäo dos lanches e das tarefas domésticas.
Armando Albuquerque diz que é "como um tio" para os jovens e salienta o "ambiente igual a qualquer outro tipo de família, apenas mais protegido, com outro tipo de atençäo", negando, contudo, que este espaço tenha qualquer similaridade com um orfanato.
O objectivo da instituiçäo passa por "criar um projecto de vida para estas crianças e jovens e fazer com que, ao sair daqui, levem os seus estudos concluídos e tenham o seu emprego", afirma Armando Albuquerque.
No entanto, näo existe idade limite para os residentes na aldeia. As crianças sabem desde logo que podem viver nas Aldeias o tempo que for necessário até que se casem ou tenham uma vida profissional que lhes permita tornarem-se independentes.
"O ambiente é o mais familiar possível, como uma família dita normal", confirma Martinha Sérgio, a assistente social da Aldeia SOS de Bicesse, que caracteriza todo o trabalho da instituiçäo como "muito virado para o
conceito de família, para a casa".
"De manhä acordo, tomo o pequeno-almoço, depois ainda tenho tempo de ir brincar lá para fora e depois vou para a escola", diz "Joana", 11 anos, "filha" de Adalcinda desde os seis anos. "À tarde venho para casa, lancho, faço os trabalhos de casa e à noite janto, às vezes ouvimos histórias e depois vamos para a cama", conta com um brilho inocente no olhar.
Adalcinda Martins é uma das oito mäes sociais desta aldeia SOS. Tem actualmente em casa nove crianças, que lhe chamam mäe sem reservas, e até já tem netos, fruto de uma dedicaçäo à aldeia SOS que já tem 26 anos. A sua vida passou a ser a da aldeia, da casa e das crianças que säo a sua família, porque a "vida anterior" deixou de existir.
Como as outras mäes sociais, Adalcinda fica feliz em saber que oferece a estas crianças e jovens "ferramentas emocionais" e "boas lembranças" ao longo do seu crescimento. Em relaçäo aos seus "filhos", "saber que estäo bem" é a "recompensa absoluta" da sua total entrega a esta missäo.
Com 47 anos, solteira - até porque "nem poderia pensar em ter uma vida matrimonial" -, quando pensa em projectos futuros confessa querer continuar a ser mäe social e querer "continuar a sonhar estas vidas novas", afirma.
Na Aldeia SOS de Bicesse há seis casas vazias que provam näo ser fácil encontrar alguém com a dedicaçäo necessária para ser mäe social.
A Associaçäo das Aldeias de Crianças SOS, que actualmente acompanha cerca de 160 crianças e jovens, nasceu em Portugal há 40 anos com a criaçäo da primeira aldeia em Bicesse, Cascais, existindo outras duas, em Gulpilhares (Vila Nova de Gaia) e na Guarda.
As aldeias SOS recebem crianças, a maior parte com poucos anos de idade, órfäs, abandonadas ou pertencentes a famílias de risco que näo podem cuidar delas, e procuram, através de uma vivência em comunidade, dar-lhes um ambiente diferente de um orfanato, junto de uma família, organizada em torno da figura da mäe social, com a vida autónoma e a integraçäo plena na sociedade como horizonte.
O conceito Aldeias de Crianças SOS teve origem na åustria, para acolher crianças que ficaram órfäs durante a Segunda Guerra Mundial e abrange actualmente perto de 1.400 instituiçöes SOS, entre jardins de infância, lares de jovens e centros sociais e médicos, prestando auxílio a mais de 600 mil crianças em 132 países.
De acordo com números da Associaçäo das Aldeias SOS, existem em todo o mundo 452 aldeias que oferecem um lar a cerca de 47.400 crianças e jovens.
Segundo o director da Aldeia SOS de Bicesse, o sucesso da ideia continua, relembrando que a instituiçäo tem novos projectos em desenvolvimento, nomeadamente a construçäo de novos Centros Sociais de acompanhamento aos jovens.
A Aldeia SOS de Bicesse foi inaugurada em 29 de Outubro de 1967 mas comemorará o seu 40.º aniversário no Sábado com a presença do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, e uma festa para todos os utentes, ex-utentes e amigos da instituiçäo.
* Com Lusa
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