TEATRO JUNTA RECLUSAS E ACTRIZES PROFISSIONAIS

Nunca mais - Uma peça que une histórias de vida

Frida, Vera, Edite, Áurea, Isa e Clara. Seis mulheres. Seis reclusas. Seis histórias de vida diferentes. Une-as um mesmo objectivo: barricadas na sala de aulas da cadeia, lutam para que uma delas - Áurea, muda em palco - fique com o filho. Não há subversão, nem violência. Apenas o sentimento de que este gesto é um acto legítimo. Enquanto esperam, revelações, desejos íntimos e segredos de dor vão sendo partilhados. Bem próximos das actrizes, os espectadores da peça vão sendo facilmente envolvidos por este sentimento de luta e, sobretudo, pelos dramas que “prendem” estas mulheres a um passado que é difícil recordar.

Durante cinco dias (de 23 a 28 de Outubro), as reclusas do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, transformaram-se em “actrizes”. “Nunca Mais”, é o espectáculo teatral encenado por Luísa Pinto e que esteve em cena na Galeria Nave do Edifício dos Paços do Concelho da cidade. As reclusas Ana Oliveira, Ana Catarina Antunes, Ana Paula Fernandes, Isabel Gavires e Marta Trindade actuaram com as actrizes Micaela Cardoso e Anabela Nóbrega e a apresentadora de televisão Sónia Araújo. A peça foi vista por mais de mil pessoas. Em cada sessão, três das cinco reclusas juntavam-se às duas actrizes e a Sónia Araújo. Todas encarnaram as reclusas Frida, Vera, Edite, Áurea, Isa e Clara.

Apenas no final, quando todas se libertam das personagens, é que deixam perceber quais são as actrizes profissionais e quais as reclusas. Todas lutam por Áurea, Ana Paula fora da peça e dentro da cadeia. Com 34 anos, condenada a seis meses de prisão, espera ansiosa pelo próximo mês, quando a pena chega ao fim, a tempo de seguir um sonho. “Queria ser pára-quedista”, confessa. Curiosamente, é o mesmo sonho da personagem Clara, interpretada por Marta Trindade. “Tenho 32 anos, estou presa há 14 meses e ainda não sei quando vou sair”, apresentou-se. Os olhos brilham quando se fala da importância de integrar um projecto como este: “Agradeço, do fundo do coração, à Luísa ter depositado esta confiança em mim. É muito bom saber que ainda acreditam em nós”. As lágrimas caíram-me pelo rosto no primeiro dia em que saí da prisão, não numa carrinha celular, mas numa carrinha normal”, lembrou. Seropositiva, sabe bem qual é o seu sonho quando voltar à liberdade. “Queria abrir uma IPSS para ajudar as famílias e as crianças de pessoas portadoras de HIV. A indiferença e a discriminação também matam”, alertou.

Promover a auto-estima das reclusas e “trabalhar a reintegração social” foram os principais objectivos desta iniciativa, cujo projecto artístico, encenação e figurinos ficaram a cargo de Luísa Pinto. O texto é de Fernando Moreira e a composição e direcção musical de Carlos Azevedo.
Luísa Pinto é voluntária no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo há um ano e meio. Começou pela ala masculina e desde Março que se voltou para a ala feminina. Ali orienta um grupo de teatro, mas o projecto começou no início do ano, quando a Câmara de Matosinhos apresentou a exposição retrospectiva da carreira da encenadora que divide a sua actividade entre o teatro, o cinema e a televisão “10 Espectáculos, 10 Mulheres”, projecto que concebeu, em Março, com o fotógrafo Paulo Pimenta, transformou as reclusas do mesmo estabelecimento em modelos fotográficos. A mostra representava dez divas de Coco Chanel a Maria Callas, de Edith Piaf a Florbela Espanca, interpretadas em estúdio pelas reclusas devidamente caracterizadas. “Quando terminei a exposição de fotografia “10 Espectáculos – 10 Mulheres”, nos meus 10 anos de encenação, achei que aquilo não podia morrer na praia. Na altura, prometi-lhes que um dia faria uma peça com elas”, recorda Luísa Pinto.

A encenadora critica a sociedade actual que apelida de “surda” e “autista” e chama a atenção para o problema do preconceito. Luísa quis que este projecto transmitisse a mensagem de que as reclusas “são pessoas normais, são seres iguais a nós”. “Tiveram um azar na vida, escolheram o caminho errado, mas é preciso dar uma segunda oportunidade às pessoas”, diz. Sónia Araújo, por sua vez, caracteriza o projecto como “um exemplo de abertura da cadeia à sociedade”. A apresentadora de televisão faz também questão de deixar um apelo: “É uma porta que se abre e, por isso, este é um exemplo que, sem dúvida, deveria ser seguido por outros estabelecimentos prisionais”.

Luísa Pinto espera que “Nunca Mais” não fique por aqui. A encenadora aguarda a autorização da Direcção Geral dos Serviços Prisionais para levar a peça à Póvoa de Varzim. A 10 de Dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos, Luísa Pinto gostaria que “Nunca Mais” subisse ao palco no Ministério da Justiça, em Lisboa.

* Foto gentilmente cedida pela organização

 

Data de introdução: 2007-11-14



















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