PADRE LINO MAIA, PRESIDENTE DA CNIS

Nesta crise do ATL acabaremos por triunfar

SOLIDARIEDADE – Ao cabo de dois anos de mandato, e a um de novas eleições, que balanço é possível fazer?
PADRE LINO MAIA –
Foram dois anos muito intensos. Devo destacar a importância da equipa directiva. Há coesão, amizade, conhecimento e dedicação. Conseguiu-se, ao longo destes dois anos, dar mais visibilidade a uma realidade extremamente bela que é a CNIS. Penso que as instituições sentiram-se bem fazendo parte dela. Paralelamente, penso que o mundo envolvente se habituou a olhar para a CNIS, vendo-a como uma organização dinâmica, com ideias, com programa, com trabalho. A CNIS está a ser respeitada, muito embora nem todas as causas da CNIS sejam patrocinadas por todas as instâncias. As instituições filiadas têm sido respeitadas.

Definiu alguns objectivos para os três anos de mandato. Julga que os compromissos assumidos foram, ou estão em vias de ser, atingidos?
A coesão da equipa é uma realidade palpável. Somos, independentemente das capacidades de cada um, somos um grupo de amigos que estão a trabalhar para a mesma causa. Em relação à visibilidade penso que hoje a CNIS é conhecida, respeitada e ouvida desde o mais alto órgão da Nação até às autarquias mais afastadas. Convém fazer uma ressalva: não há aqui qualquer crítica subjacente à liderança anterior. A CNIS é herdeira da UIPSS, mas a passagem de designação, de liderança e de realidade estatutária de uma para a outra teve o seu tempo. A liderança da UIPSS era carismática, bastante unipessoal. Houve um percurso a fazer. Não há mesmo qualquer crítica à equipa anterior que permeou entre a UIPSS e a actual direcção da CNIS. Era muito difícil fazer melhor.

Neste momento a coesão da CNIS e a visibilidade, conforme refere, são realidades. O relacionamento interno, designadamente com as Distritais, era outro objectivo fundamental. Tem sido um esforço contínuo…
Ainda há muito caminho a percorrer. Primeiro porque a estrutura orgânica da CNIS ainda não está ajustada. Representa um mundo de actividade, de dirigentes, voluntários, de instituições, de desafios. Tem de se enfrentar esses desafios e situações, mas a estrutura ainda não está ajustada. Precisa de crescer, de se redimensionar, tem que se abrir a novas frentes de luta e atenção. A CNIS deveria ser uma associação de Uniões e Federações. As Uniões ainda têm que fazer um percurso. Não são realidade em todos os distritos do país. As instituições estavam habituadas a estarem todas representadas na UIPSS. Ainda não vêem na sua herdeira CNIS a primeira e última representante. São filiadas nas Uniões e através delas na Confederação. Há Uniões que ainda são muito novas e que têm dificuldade em adaptar-se a esta realidade. Há que fazer algum trabalho junto das IPSS para que sejam vistas como as suas representantes mais directas, mais próximas, no terreno. Agora, de um modo geral, há uma boa relação com as Uniões. Durante estes dois anos de mandato houve um trabalho efectuado. O processo eleitoral, que levou à eleição da actual equipa, deixou algumas marcas, provocou algumas dores e isso manifestou-se, de facto, em algumas Uniões. Essas marcas estão a ser diluídas com bom senso de parte a parte. Está quase tudo feito. Ainda há, no entanto, necessidade de implantação das Uniões e delimitação de competências.

E além disso, o que é que falta fazer?
Há ainda acções e objectivos que estão por cumprir. A CNIS, ou melhor, este país precisa de um Observatório Social. Penso que neste ano será uma realidade. Estava no nosso programa. A CNIS será chamada para dar um contributo legal a todo este sector que ainda é bastante disperso, inadaptado à realidade. Há um desafio que se levanta às instituições que é o da crescente auto-sustentabilização, que obriga as IPSS a criarem formas de que derivem lucros na sua actividade, relevando a necessidade de reenquadramento legal. No sector, um outro desafio com o qual nos comprometemos foi o de criar o CEFIS, Centro de Estudos de Formação e Inovação Solidária. Na parte da formação está-se a fazer um trabalho excelente, mas falta dar estabilidade e estatuto a este CEFIS. São compromissos por cumprir. Por outro lado, temos que estar mais atentos à comunicação social e mais presentes. A CNIS tem estado relativamente presente, mas tem que ser mais dinâmica e agressiva. Para isso é importante que a estrutura orgânica se redimensione. Há outro objectivo que se perfila, e neste ano ainda vamos dar passos nesse sentido: a CNIS representa um sub-sector na economia social muito importante. São muitos trabalhadores que, directa ou indirectamente, estão ligados à Confederação. Das instituições filiadas serão perto de 200 mil. É uma actividade económica considerável. Nós precisamos de ter uma intervenção e um perfil sobre a economia que ajude a estudar, apontar metas e novos caminhos porque a actividade económica filiada na CNIS significa 4,2 por cento do PIB actual, com tendência para aumentar.

O que é que neste tempo correu menos bem?
Tenho alguma dificuldade em falar do negativo, como é óbvio. Foi um trabalho difícil porque, como já disse, o processo de eleição não foi pacífico e deixou marcas. Não estão totalmente diluídas, mas quase. Houve um outro momento bastante difícil na organização da equipa: a falta saúde de alguns dirigentes. Destaco os momentos difíceis por que passaram o Prof. Eugénio e o Dr. Elutério. Foram tempos complicados que obrigaram a alguns reajustamentos. Outro momento de tensão foi o da celebração de acordos de contratos colectivos de trabalho. O processo foi muito bem desenvolvido pela equipa negociadora da CNIS, mas houve alguns aproveitamentos perversos que felizmente foram ultrapassados. E ainda a constituição do CEFIS. Tem sido uma tarefa complexa porque houve a necessidade de rever algumas fases. Não está tão célere como inicialmente prevíamos.

Noto que não considera a crise do ATL, nem negativa nem positivamente. É por ser ainda um processo em curso?
Estou convencido que acabará de forma satisfatória. Desde que esta equipa assumiu a liderança da CNIS foi sempre um assunto em cima da mesa. Já era assim na anterior direcção, começou em Maio de 2005, e vai continuar a prolongar-se. Gerou situações difíceis, frentes de luta complicadas, mas ainda não está concluído. No fim acabaremos por triunfar. Acabaremos por fazer valer o direito de livre escolha dos pais, entre a frequência do ATL das instituições e os AEC (actividades de enriquecimento curricular) da escola pública. É um direito constitucional. Toda a gente, com quem a direcção da CNIS tem falado, líderes partidários e dos grupos parlamentares, toda a gente reconhece a justiça da causa. Vamos lançar, agora em Janeiro, uma Petição nacional. Estou convencido que serão muitos os subscritores para que a Assembleia da República se pronuncie sobre este direito de livre escolha. Isto não quer dizer que todas as instituições têm ATL que satisfaça as condições que consideramos plausíveis. Eu reconheço ao Estado competências. O Estado não pode ser o grande e único educador das massas, mas tem obrigação de apoiar formas, processos, meios para que todos os portugueses, crianças e jovens tenham um processo educativo ajustado. Há um modelo educativo consagrado nos nossos ATL. Esta medida do governo do prolongamento do horário escolar e da sua universalização têm uma inequívoca bondade, mas as AEC que estão consagradas são uma cópia reduzida daquilo que se passa na maioria dos nossos ATL. Já tinham as AEC, estas e outras. Temos um modelo educativo que vamos afirmar. O Ministério da Educação não o reconhece, mas vamos defender o direito de escolha dos pais. O Estado tem que reconhecer as IPSS que têm ATL, apoiar e depois suprir onde não houver respostas. Não estamos contra as medidas queremos é que seja considerado o direito à escolha. Os pais têm que ter a garantir de que o ATL é apoiado pelo Estado para haver possibilidade de opção.

Entretanto começa a haver muitas instituições a fechar. Para essas já vai ser tarde…
Sim. Alguns ATL de instituições já encerraram. E podem fechar algumas IPSS que rejeitam serem coagidas a limitarem-se ao serviço de pontas e pausas lectivas. Eu tenho pena, mas compreendo perfeitamente. Houve alguma má vontade e inabilidade na implantação da medida do prolongamento do horário escolar. Neste momento o Estado ainda pede às instituições que mantenham o ATL clássico, mas apenas nas zonas em que há desdobramento de escola ou quando as autarquias rejeitam ou não têm condições para implementar as AEC. Isto é um processo ínvio. Onde as instituições não podem é que o Estado deve suprir. Quando eu digo que por fim havemos de triunfar quero dizer que este é um processo lento. Tivemos de enfrentar resistência até mesmo para chegar a esta clareza: o Estado deve ser o único educador ou não? Eu penso que não. Há as instituições solidárias e outras organizações que podem ser educadores. Os pais têm que poder escolher um projecto educativo para os seus filhos. Somos contra aquilo que se designa por “Ceausesquização”, em que os pais entregam ao Estado os filhos que os educa até aos 18 anos, criando um tipo único de cidadão no futuro. Acabaremos por triunfar porque a serenidade e a sensatez são características portuguesas. Sabemos que ¾ da acção social neste país é assegurada pela iniciativa solidária voluntária. Este processo de implementação da medida do prolongamento escolar desincentiva o voluntariado e desincentiva a solidariedade. Com sensatez, serenidade e prosseguimento nesta luta, com aquilo que eu julgo que será a vitória - o triunfo do direito de escolha -, novos horizontes se vão abrir para as respostas solidárias. Se perdermos, este mundo solidário estará ameaçado. Muitos dirigentes generosos que têm como contrapartida a alegria de se reconhecerem como construtores de uma sociedade melhor vão interrogar-se se vale a pena continuar.

O ATL pode ser um exemplo no relacionamento com o Estado. Adivinham-se novos confrontos, noutras áreas?
Esta luta já fez alguns agentes ideológicos e políticos repensar a sua estratégia. Se não tivéssemos actuado como actuamos já estaríamos pior do que estamos agora. Penso na transferência de competências para as autarquias. Penso que a luta da CNIS com o tema ATL e não só, já fez repensar o poder. A questão já não é colocada como era há uns tempos atrás. O que se adivinhava era que houvesse uma adulteração da cooperação significativa. Julgo que isso está acautelado. Outro aspecto: temíamos que esta inabilidade do Ministério da Educação se manifestasse na intenção de querer assumir a educação das crianças desde o infantário. Considero que está salvaguardado. É reconhecido que até aos três anos é apoio à família. Mas temos que estar sempre atentos porque embora diga, por exemplo, que a transferência de competência já é colocada de outra maneira há apetites que vão aparecer.

Há outras áreas em que se verificam tentativas do Estado entregar à iniciativa privada serviços prestados pelas IPSS. Nas valências relacionadas com idosos, por exemplo, há intromissão na área das instituições solidárias?
É muito importante provocar o debate. Neste país não tem havido um suficiente confronto de ideias. Escasseiam ideias e pessoas que as apresentem, estruturem e defendam. Para o debate podemos adiantar alguns contributos. Eu não tenho receio que a iniciativa privada aposte em nichos de acção social. Penso que até é bom que haja iniciativa privada lucrativa. No apoio a idosos há lares lucrativos muito bons. A nossa intervenção é não lucrativa. O debate tem que ser colocado de uma maneira equilibrada. A nossa iniciativa é direccionada prioritariamente para os mais carenciados. Temos de acautelar para que seja direccionada para os muito carenciados. Mas é necessário que haja uma pluralidade de situações. Não por causa da sustentabilidade económica, mas para instaurar nas instituições utentes de diferentes estratos. Tem que haver pluralidade e harmonia.

O Estado tem feito um esforço na implementação da rede de cuidados paliativos e cuidados continuados. As IPSS têm colaborado?
É uma resposta social em que se deve apostar. Há instituições filiadas na CNIS a cooperar. Deve, no entanto, ser feito um trabalho mais aturado e deve haver mais respeito pelas instituições. É uma resposta muito cara. Penso que não está a ser devidamente implementada. Parece-me ilógica. É mais o Estado a apoiar algumas situações do que pedir às IPSS que manifestem a sua disponibilidade para traçarem caminhos comuns e definam estratégias.

Em 2008 comemoram-se 25 anos sobre o decreto que regulamentou o sector. Ao fim deste tempo acha que o papel da CNIS é reconhecido? A CNIS é a interlocutora desse grande universo da solidariedade?
Ainda não. Durante bastante tempo a UIPSS e a CNIS era vista como uma organização menor de bons rapazes, de gente boa, caridosa e pouco mais. Não havia a consciência de que representava um cada vez mais importante sector da economia. Não havia a consciência de que representava a mais larga fasquia de agentes sociais. Estão a ser dados alguns passos e, estou convencido, que acabaremos por colocar a CNIS no lugar que lhe compete como organização.

Às vezes dá impressão que, sendo o universo tão grande, seria simples fazê-lo equivaler a uma força de representação correspondente. Durante 25 anos foi-se estruturando a organização, mas a regra, muitas vezes, é cada instituição desenrascar-se…
Está a focar um aspecto interessante que ainda está presente nas nossas instituições. Em números, há para cima de 600 mil utentes. Multiplicados por uma média de quatro membros da família dá um número considerável. Praticamente todas as famílias são tocadas pela acção das instituições. E quase todas elas reconhecem a importância da iniciativa social solidária. Estamos habituados a olhar as instituições no silêncio porque na maior parte dos casos os dirigentes, que têm outras ocupações, preocupam-se com a sua IPSS sem olhar para os problemas das outras. Ainda não conseguimos uma verdadeira dinâmica de grupo. Para isso existe a CNIS que vai fazendo a comunhão entre elas. Não havia muito a ideia de corpo, agora ainda é insuficiente, mas é caminhando que se faz caminho. Por outro lado, era importante que apontássemos para uma plataforma comum onde estivessem as organizações que representam a iniciativa social solidária: a CNIS, a União das Misericórdias e a União das Mutualidades. Estarmos unidos a uma só voz era essencial.

Ao cabo de 25 anos, este é o momento em que a CNIS se afirmará como a grande representante das instituições?
Já é altura de isso acontecer. No geral já se reconhece. A cultura do desenrasque já pertence ao passado, mas às vezes ainda somos vistos como se isso fosse o normal. Há instituições com centenas de trabalhadores que são autênticas empresas. Em algumas zonas do país os principais empregadores são IPSS. Temos instituições que são já importantes agentes de desenvolvimento económico, de recuperação de actividades, de fixação de populações. Não são domésticas, com contabilidades de livros de mercearia. É importante que isto seja dito. É claro que ainda há muito a fazer. A nossa equipa de formação tem feito um trabalho notável, no sentido de se intensificar processos de qualificação, de gestão. Já temos muitas instituições certificadas. Chegou o momento de o proclamarmos. Gostaríamos que houvesse um grande debate nacional sobre este mundo da solidariedade social sobre a sua importância, o seu espaço e o seu futuro. A CNIS podia liderar este debate.

Por último, estamos a um ano de novas eleições. O padre Lino já decidiu se vai, com a mesma ou com outra equipa, apresentar-se a novo mandato?
Sinceramente… não. Essa questão só se poderá colocar a partir de Outubro/Novembro deste ano. Neste momento não medito em cenários. Só aceito o cenário de continuar a trabalhar com muito entusiasmo. Encanta-me este mundo da solidariedade social. Saber que faço parte, com as minhas muitas limitações, de um grande corpo de dirigentes voluntários cuja única recompensa é o sorriso que fazem nascer na criança, no idoso, no deficiente, e deitarem-se com satisfação, contemplando esse sorriso. É bom fazer parte deste mundo. Sinceramente, não coloco a questão, não digo nem sim, nem não, nem talvez. O que digo é que me sinto muito bem com esta equipa, somos um grupo de dedicados amigos. Para sermos coerentes, com o nosso passado de equipa, eu não me devo apresentar. Dizer: aqui estou. O Conselho Directivo, alargado a todos os representantes de Uniões e Federações, é que se deve pronunciar. Depois é possível que pondere, dependendo do resultado da reflexão do Conselho Directivo.

 

Data de introdução: 2008-01-06



















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