Os Pupilos do Senhor Reitor

1 - Quando andei no liceu, há 40 anos, quem mandava era o reitor.

Por sua vez, no reitor mandava o Governo, que o nomeava e demitia.

Havia depois o vice-reitor, que era nomeado pelo reitor.

E havia os directores de ciclo – 1º, 2º e 3º, como então havia -, também eles nomeados pelo reitor.

Do ponto de vista de quem mandava, o sistema era perfeito: ninguém era eleito – pois se nem o Governo era eleito … -, não se correndo o risco de alguma dissidência vir perturbar a antiquíssima ordem natural das coisas.

O reitor do meu liceu, por exemplo, era deputado da União Nacional.

Depois do 25 de Abril, e por causa do 25 de Abril, tudo isso mudou.

Acabaram os reitores – na verdade, também acabaram os liceus, mas isso é outra história … -, passando as escolas – terminologia igualitária que passou a identificar todos os estabelecimentos de ensino primário e secundário – a ser dirigidas por conselhos directivos eleitos pelas bases.

Esse modelo, chamado de gestão democrática das escolas, vai agora acabar, após trinta anos de vigência.

Volta a figura do director como fecho da pirâmide hierárquica e titular único do poder na escola.

O director volta a ser nomeado e demitido pelo Governo.

E é o novo director que nomeia os titulares dos cargos seguintes da hierarquia da escola – os coordenadores.

É certo que o novo modelo é apresentado com base em bons princípios – como são a abertura das escolas à comunidade envolvente e às autarquias onde se situam.

Mas as semelhanças com o modelo de antigamente deixa um sabor amargo a requentado.


2 – É a esta luz que se deve entender a luta generalizada que os professores vêm mantendo com o Ministério da Educação – englobando, creio que pela primeira vez, as duas centrais sindicais e a Associação Nacional de Professores, numa unidade que só deixou do lado do Ministério a estrutura directiva da Confap –, como o último Prós e Contras da RTP mostrou.

Sei que o mundo não é a preto e branco, e que apontar apenas o dedo da culpa a este Governo e à sua Ministra da Educação é mais ver o dedo do que ver a lua.

Nem o centralismo é pecha privativa do Governo actual – que se limita a honrar a tradição, bem pouco gloriosa, dos Governos anteriores, de ir absorvendo e comandando as energias da sociedade -, nem a reforma agora introduzida na vida das escolas tem só vícios.

Há todavia um ponto – haverá, certamente, outros - em que os professores têm toda a razão do seu lado: é o da avaliação do seu trabalho.

O Ministério tem feito passar a ideia de que o que está em causa é os professores não quererem nenhum tipo de avaliação.

Ainda que isso fosse verdade, também o é que a avaliação que o Ministério pretende não é a mais séria.

Indo ao ponto: não é aceitável que quem vai, na realidade concreta, e não na propaganda, avaliar os professores sejam os coordenadores, nomeados pelo director, isto é, contaminados pelo princípio da autoridade.

Quer dizer, quem os vai avaliar, com efeitos na progressão na carreira, são os comissários do director, da confiança do Governo.

Os professores têm de ser competentes, trabalhadores e diligentes, como é evidente. Mas não podem, nem devem, ficar dependentes de avaliações de quem obedece a outros senhores.

Nem nós podemos aceitar que quem educa os nossos filhos se habitue, como diria o Dr. Miguel Veiga, mais à gramática da obediência do que à gramática da liberdade.

E pelo menos uma coisa tenho como certa: a centralização e governamentalização diminuem a autonomia e a liberdade.


3 – Quando o Engº José Sócrates tomou posse como Primeiro-Ministro, pareceu evidente que um princípio iria marcar a actividade do Governo, ideia que vinha directamente do seu desempenho como Ministro do Ambiente – a protecção do consumidor. (A ASAE é a caricatura desse princípio).

A referida protecção é tanto maior quanto maior é a autonomia e a liberdade de escolha por parte dos cidadãos – e essa liberdade não pode ter constrangimentos.

O tempo inaugural deste Governo foi muito marcado por esse princípio da liberdade de escolha.

Cá pela CNIS, em concordância com esses bons propósitos, lá assinámos com o Governo, há mais de dois anos, o protocolo para um novo modelo de cooperação, centrado justamente na defesa do consumidor e na liberdade de escolha.

É essa uma das razões por que se não entende a teimosia do Ministério da Educação neste assunto do ATL, a querer centralizar e nacionalizar, a contra-ciclo, a educação das crianças das escolas do1º ciclo – e parece que também do 2º -, e a piorar o atendimento a 100.000 dessas crianças, como toda a gente que não tem reserva mental já percebeu.

Onde fica a liberdade de escolha?

E as prioridades do Primeiro-Ministro?

Pupilos – ou cidadãos?

* Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta

 

Data de introdução: 2008-03-06



















editorial

TRANSPORTE COLETIVO DE CRIANÇAS

Recentemente, o Governo aprovou e fez publicar o Decreto-Lei nº 57-B/2024, de 24 de Setembro, que prorrogou, até final do ano letivo de 2024-2025, a norma excecional constante do artº 5ºA, 1. da Lei nº 13/20006, de 17 de Abril, com a...

Não há inqueritos válidos.

opinião

PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

A segurança nasce da confiança
A morte de um cidadão em consequência de tiros disparados pela polícia numa madrugada, num bairro da área metropolitana de Lisboa, convoca-nos para uma reflexão sobre...

opinião

EUGÉNIO FONSECA

A propósito do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza
No passado dia 17 de outubro assinalou-se, mais uma vez, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Teve início em 1987, quando 100 000 franceses se juntaram na...