Também na CNPCJ já se faz sentir este “caminhar perverso” sob a “desculpa” de se pretender defender o interesse superior das crianças.
O mais recente e claro exemplo é sem dúvida o apelidado “Plano Don” no qual, sob o “disfarce” de uma Equipa de Diagnóstico, a Segurança Social entra pelas instituições dentro só para “diagnosticar” e colocar os “seus protegidos”, sabe-se lá com que fins, nas equipas técnicas das IPSS com valência de acolhimento temporário ou prolongado.
Sem respeito pela pela Lei (que confere autonomia às IPSS), estes “novos” técnicos são impingidos às Direcções com quem devem estabelecer relações e vínculos laborais. E o legítimo requisito da relação de confiança para que se estabeleçam essas relações laborais? Porque razão os técnicos da Segurança Social estão mais habilitados a seleccionar potenciais técnicos do que as próprias IPSS? Com quem será estabalecido o vínculo laboral? Sem experiência de terreno que iluminação será essa que lhes confere mais aptidão para seleccionar os trabalhadores dos outros?
É espantoso como já não se tenta disfarçar a prepotência. Se antes este tipo de regulamentação era submetida à apreciação dos Parceiros na CNPCJ, agora primeiro publica-se e depois comunica-se, obviamente por se tratarem de estratégias políticas e não de medidas para a defesa real do “interesse superior” das crianças.
A mais valia desta Comissão Nacional é, sem dúvida, o seu Presidente, o Sr. Conselheiro Armando Leandro, por quem tenho há muitos anos uma admiração e respeito profundo. O Sr. Presidente da CNPCJ tem conseguido nas reuniões plenárias, democraticamente, reunir consensos sem limitar a liberdade de expressão de ninguém, numa equipa de trabalho maioritariamentedo do poder político.
Quando há dois anos a Direcção da CNIS assumiu funções na CNPCJ, estavam a decorrer trabalhos no sentido de se melhorar uma série de situações referentes às crianças na Lei de Promoção e Protecção que mereciam uma mais cuidada atenção por parte desta Comissão, entre outras: a necessidade de valorizar o trabalho das CPCJ, a sensibilizando-se a sociedade civil para a importância inestimável do trabalho nas comunidades pelos técnicos das CPCJ (foi decidido dar mais e melhor formação aos técnicos); reconheceu-se a necessidade de regulamentação específica sobre o Acolhimento Familiar; a regulamentação das medidas em meio natural de vida, bem como, a reflexão sobre o novo “estatuto” do acolhimento institucional, e discutiram-se outros assuntos de sobeja importância, como a problemática do insucesso e absentismo escolar e a falta de vocação das IPSS para acolherem crianças delinquentes, a introdução da figura do professor tutor nas CPCJ; a problemática do ensino em Portugal no que respeita ao ensino especial e a destruição dos ATL em detrimento da segurança e protecção das crianças e jovens que já beneficiavam de serviços de qualidade lúdico-pedagógica disponíveis por IPSS com a valência da ATL.
Relativamente às medidas em meio natural de vida (como os apartamentos para autonomia de vida e o acolhimento institucional), aguarda-se, porém, a reflexão conjunta sabendo-se que a Equipa Técnica (um “outsorcing”) já está a preparar o texto base.
Em relação ao “Acolhimento Familiar” já foi publicado o novo diploma que está muito aquém do que foi a ideia da CNIS. Era necessário legislar, com urgência, por razões políticas. A expectativa era um diploma que cativasse famílias com uma condição socio-económica e académica estável, para que se disponibilizassem a acolher em ambiente familiar, temporariamente, crianças cujos lares com inúmeras carências não reunam, num determinado momento, os requisitos de um lar adequado ao desenvolvimento sadio e integral das crianças e jovens.
Com o diploma recentemente publicado, não me parece que pessoas bem informadas, arrisquem meter-se em “tamanha empreitada”. Desde já porque os Direitos e Deveres das famílias biológicas e de acolhimento são desiguais, havendo a probabilidade de muito maior exposição da vida privada das famílias de acolhimento do que das famílias biológicas que serão mais protegidas no que respeita à reserva da vida privada. Há uma linha muito ténue que delimita o equilíbrio entre o Direito à reserva da vida privada e o que poderá ser considerado intromissão nessa privacidade e só a experiência dirá o resultado.
Além do mais, as problemáticas que envolvem esta medida têm sido desvalorizadas em nome de uma política que olha. sobretudo para os números/custos na acção social do Estado, bem como em nome do mediatismo das medidas do Governo.
Pelos valores apresentados que serão pagos às Famílias de Acolhimento por cada criança, é clara a redução de custos económico-financeiros para o Estado num curto/médio prazo. Porém, descuida-se o custo incalculável que poderá haver num médio/longo prazo, caso esta medida assuma, contornos de “mito de salvação” para as crianças e jovens em perigo.
Partilho com os leitores casos e experiências que podem ser contributo para uma reflexão, para quem tenha a missão de aconselhar ou acompanhar famílas candidatas ao Acolhimento Familiar.
A minha modesta experiência profissional, nesta área, tem contribuído para o meu cepticismo quanto ao ter-se encontrado a solução para a desinstitucionalização.
Tive um caso de uma família de acolhimento que, em vésperas de Natal, foi acusada de abuso sexual de uma criança de 6 anos. Neste caso, tratava-se de um casal que havia disistido de adoptar filhos e optou por ser Família de Acolhimento.
A primeira queixa apresentada, no primeiro dia, foi a falta de informação e a ignorância com que partiram para aquela situação, já que face às razões que haviam levado ao tribunal retirar as crianças dos pais julgaram que tudo acabaria numa adopção.
Nunca lhes passou pela cabeça que crianças retiradas dos pais biológicos, v.g. por maus tratos, pouco tempo depois de terem encontrado algum equilíbrio, na família de acolhimento, teriam que ir aos fins-de-semana a casa da família biológica donde vinham rebeldes, amargas/revoltadas, malcriadas e visivelmente angustiadas pela duplicidade de sentimentos. Desde essa situação foi o “calvário”, com guerras e disputas. Que efeitos teve esta situação na vida concreta destas crianças? Esta situação acabou, mal para a família de acolhimento mas, não foram menos os traumas causados nestas crianças...
Há pouco tempo, soube de uma situação em que a família de acolhimento tinha sofrido o maior horror que se pode imaginar. O seu “filho de acolhimento” (uma criança com experiências sexuais precoces, omitidas à família em nome da reserva da vida privada da criança), violou dois “irmãos de acolhimento”, mais novos. Resta-nos a questão: Quantos acolhimentos teve a seguir? Quantas vezes se sentiu abandonado, rejeitado? Quantas vezes lhe deram a ilusão de uma família de substituição? Onde ficam os sentimentos se não somos únicos e irrepetíveis, o que só se experimenta em ambiente familiar? A cosnciência destes perigos? Sou a favor de uma desinstitucionalização segura, aliás muito bem defendida pelo Sr. Presidente da CNPCJ, onde a planificação prévia prevaleça em relação à pressa.
Será políticamente possível? Que Famílias de Acolhimento dispomos? Que motivação fará os serviços optarem por um projecto de vida em Família de Acolhimento em detrimento de encaminhar a criança para o instituto da Confiança Judicial com vista à Adopção (solução mais cara para o Estado). O que é que as motiva? Continuará a ser tão só uma fonte de rendimentos para as famílias de acolhimento ? Irá subverter-se o mecanismo da adopção?
Há anos atrás, defendi um pai de família, cujos filhos haviam sido “retirados”, e entregues a uma família de acolhimento. As duas crianças eram lindas mas, apesar das contingências da vida tinham fortes laços afectivos próprios de uma relação de filiação com o Pai biológico, um pai do coração! Esta família de acolhimento nunca teve o destino do Sargento Pai da Esmeralda, pois o seu poder político foi certamente (ab)usado e digo isto porque literalmente estas crianças foram subtraídas ao Pai biológico (com 3 e 5 anos de vida), e foram impedidas de manter qualquer tipo de ligação com ele, não obstante os diversos despachos do Tribunal para que as visitas se realizassem. Será isto Acolhimento Familiar?
Creio, que há hoje muito maior sensibilidade das IPSS, no sentido de se estimular a que as Equipas Técnicas trabalhem de forma responsável o projecto de vida de cada criança com profissionalismo e respeito pelos prazos legais. A excelência dos serviços que prestamos a estas crianças e jovens atinge-se com empenho e dedicação, duas qualidades que não faltam na generalidade das IPSS.
Temo que a desenfreada mediatização sobre a desjudicialização da resolução dos conflitos venha a tomar lugar também nestas matérias, relegando-se para os técnicos da Segurança Social, o poderiu de julgar sem formação para tanto.
Há que estar atento aos sinais do tempo actual e reagir. Este é o papel de todos os que se dedicam à defesa destas causas com profissionalismo e verdadeiro espírito de solidariedade social.
* Advogada, Elemento da Direcção da CNIS
Data de introdução: 2008-03-06