Quem vem pela rua Luís Soares de Sousa, mesmo no centro nevrálgico de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, encontra um lar de terceira idade com o mesmo nome. A placa é recente, mas a história da casa remonta ao século passado, a 1876, quando ali foi fundado o Asilo de Mendicidade da cidade. Luís Soares de Sousa era então um benfeitor rico e pertencente à burguesia da ilha, considerado por muitos historiadores um dos maiores autonomistas do arquipélago. Os tectos altos, os traços senhoriais e a grande escadaria central, contrastam com os computadores e a azáfama própria de um dia de trabalho na ala administrativa. A sala de reuniões continua recheada com os quadros do benfeitor e família, bem como algumas jóias, património actual da instituição particular de solidariedade social.
Ao longo de mais de um século de existência, a casa já sofreu várias remodelações, a última na década de 90, em que o lar foi encerrado para tomar a forma actual. “Quando comecei aqui a trabalhar, os idosos ainda estavam divididos por dormitórios, género enfermarias de um hospital”, relembra Teresa Terceira, trabalhadora na instituição há quase três décadas. Do tempo do asilo restam apenas algumas fotografias velhas, onde se vêem os utentes a usar fardas, uma consequência resultante do facto da grande maioria ser muito pobre e não ter roupa própria. “Ouvi também falar que aqui se criavam porcos, galinhas, tinham uma horta e comiam aquilo que produziam”, relembra Teresa. A conotação menos positiva do termo asilo foi banida pelo actual presidente, Roberto Rego, com a mudança da placa para lar, a que se seguiu uma modernização dos estatutos para permitir a abertura de mais valências. Actualmente, a IPSS é composta por um lar residencial, onde vivem 43 idosos, cinco deles em apartamentos privados, um regime que tem tido muita procura. A instituição também serve 70 utentes em regime de apoio domiciliário e mais 35 em centro de convívio.
O número de utentes é considerado elevado para o gabinete técnico que aos poucos começa a implementar mudanças no quotidiano da instituição. “A falta de dinheiro é sempre o problema”, refere Patrícia Melo, técnica de serviço social. “O alargamento dos quadros técnicos é uma necessidade, pois só com uma equipa multidisciplinar é que poderíamos oferecer um trabalho mais globalizante que fosse cada vez mais ao encontro das necessidades dos nossos utentes”, diz a técnica. As barreiras arquitectónicas ainda são algumas, com vários lanços de escada e a falta de um elevador que permita a entrada e saída de macas. Apesar dos constrangimentos, os 41 trabalhadores dão o seu melhor para que o “saber ser, saber estar e saber fazer” sejam de facto uma realidade, palavras que servem de mote ao plano de formação traçado para este ano e que prevê uma reciclagem de conhecimentos. As actividades diárias começam também agora a tomar maior expressão, mas a falta de uma animadora é notória. “Temos uma grande lacuna que é a falta de uma animadora no lar e todas as actividades que desenvolvemos são resultantes do esforço diário de todos os trabalhadores”, afirma Patrícia Melo. Mesmo assim, são várias as actividades desenvolvidas na instituição, entre elas, o grupo coral é das mais participadas, principalmente pelo público do sexo feminino.
Mas a que reúne um trabalho mais regular ao longo do ano é o atelier de artesanato, onde se prepara os produtos (rendas, bordados, etc.) para a grande exposição anual que se realiza na altura das festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, no quinto domingo depois da Páscoa, e que é considerada a maior manifestação de religiosidade não só do povo micaelense, mas de todo o arquipélago. O Lar também promove sessões de reabilitação e de ginástica através da ajuda de uma voluntária que se descola uma vez por semana à instituição. “Note-se que no nosso Lar a esmagadora maioria dos idosos são autónomos e devido à nossa centralidade, em plena cidade, muitos gostam de ter o seu tempo livre para sair, ir passear na marginal e fazer as suas voltas”, explica a técnica.
Patrícia Melo relembra que nos meses de Primavera e Verão, a instituição organiza diversos passeios a vários locais de São Miguel e também a outras ilhas do arquipélago.
Como em muitas instituições dirigidas à Terceira Idade, a lista de espera é grande, embora as admissões sejam feitas em parceria com o Instituto de Acção Social, que fornece a avaliação técnica de cada utente. “Temos muitas inscrições em lista de espera, porque também temos umas instalações pequenas”, explica o presidente da instituição. Roberto Rego avança ainda que está em fase de aquisição um prédio que conflui paredes-meias com o edifício da instituição para que, e recorrendo a fundos sociais europeus, “ se possa aumentar a capacidade do lar”. “A sociedade já percebeu que, hoje em dia, é quase indispensável, colocar os pais em lares, porque a vida não permite tê-los em casa e há uma procura tremenda por este tipo de alojamento”, diz Roberto Rego.
Patrícia Melo prefere relembrar que continua a existir uma grande variabilidade de condutas familiares após o internamento dos mais velhos em lares. “Temos exemplos de familiares que estão quase que diariamente a fazer um trabalho connosco, mas também temos situações de idosos que não recebem qualquer visita há anos, alguns dos quais, com os filhos a viver relativamente perto”, lamenta a técnica. Uma das medidas adoptadas para tentar inverter essa situação foi através da comemoração dos aniversários dos utentes, em que a família é convidada a participar na festa. “É uma tentativa de responsabilização da família que já tem dado resultados, pois tivemos utentes que não tinham qualquer visita e que passaram a ter”, congratula-se a técnica.
Data de introdução: 2008-03-09