“Soubesse eu escrever que não estava com demoras. Já há muito que tínhamos um jornal. Bem ou mal, o que lá se disser é verdade. Amanhã reúne a nossa Associação e hei-de propor que se publique um periódico, que nos defenda a todos e mesmo aos companheiros de outras classes”. As palavras são de Custódio Gomes, operário tabaqueiro, que as terá dito após a recusa de um jornal da época (século XIX) em publicar uma notícia sobre as condições de trabalho no sector. E a proposta que fez à Associação dos Manipuladores de Tabaco acabou por ser aceite. A 11 de Outubro de 1879, saía o primeiro número do jornal “A Voz do Operário”.
Numa fase de grande crescimento industrial do país vivia-se, entre as tabaqueiras uma concorrência desenfreada, obrigando a muitos despedimentos. O jornal “A Voz do Operário” dava eco às preocupações da classe, com influência notória de ideias socialistas, segundo vários historiadores. Apesar do sucesso que teve, as dificuldades financeiras obrigaram à sua suspensão no período de 3 a 24 de Junho de 1883. A vontade em continuar a fazer-se ouvir permitiu o nascimento da Sociedade Cooperativa A Voz do Operário a 13 de Fevereiro de 1883, cuja primeira sede funcionou no bairro lisboeta de Alfama. Os 316 sócios, na sua maioria elementos do Partido Socialista, estabelecerem uma quota semanal de vinte réis, o “vintém encantado” como alguns membros lhe chamavam, destinada a manter a publicação do jornal. Foi deste contributo saído dos salários magros dos manipuladores de tabaco, como eram chamados na altura, que nasceu a já centenária instituição particular de solidariedade social, A Voz do Operário.
Com a implantação da República, em 1910, a Sociedade Cooperativa progride e vai acentuando a acção mutualista a par da instrução e educação, o que permite, dois anos depois, dar início à construção da sede da Voz do Operário, que seria inaugurada em 1932 e continua no mesmo local.
Na década de 30, a sociedade atinge um número recorde de 70 mil sócios e ao longo das duas décadas seguintes vai consolidando o seu papel como instituição de ensino, chegando as escolas a ser frequentadas por cerca de cinco mil alunos.
Disponibilizando a vertente de ensino profissional e cursos livres de acesso universitário, A Voz do Operário reúne uma vasta biblioteca, fruto de legados culturais à instituição, e cria serviços médicos de várias especialidades, incluindo um consultório dentário. Com o 25 de Abril de 1974, a instituição ganha um novo alento, surgindo então o centro de convívio para a terceira idade, a creche e o jardim-de-infância, enquanto os anfiteatros e a sala de espectáculos se tornam palco de reuniões culturais e artísticas, característica que se mantém até hoje.
O fim da ditadura trouxe consigo a massificação do ensino e a Voz do Operário passou a incorporar todos os alunos, deixando de ser exclusivamente a escola dos filhos dos operários e passou a receber alunos de todas as origens sociais, resultando actualmente numa população diversificada a nível económico e social, embora predominem as camadas com rendimentos mais baixos.
Um presente onde as lutas continuam… Actualmente, A Voz do Operário dispõe de um posto médico e de um balneário público, mantendo as actividades de creche, de jardim-de-infância, de centro de convívio graças a um protocolo com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, que apoia igualmente o auxílio domiciliário a idosos e acamados prestado pela instituição.
Com 130 trabalhadores e perto de 500 alunos, em que mais de 70 por cento são oriundos de famílias carenciadas, segundo António Navarro, presidente da IPSS, a Voz do Operário à semelhança de muitas instituições de solidariedade debate-se com o problema de financiamento. A suspensão em 2003 dos apoios que o Ministério da Educação dava à instituição para o auxílio a famílias carenciadas fez com que fosse acumulado um prejuízo que ascende aos “800 mil euros”, segundo António Navarro.
“Após termos dirigido à senhora ministra três cartas desde o início do ano, finalmente fomos recebidos em Março, um encontro em que a senhora ministra nos deixou a promessa que iria reatar todo este processo”, explica o responsável, que diz aguardar “a todo o momento pelo fim da injustiça”. O dirigente reconhece que a falta de apoios “pode colocar em causa, dentro de meses, algumas das actividades” que a instituição desenvolve nos sectores educativo, cultural, social e desportivo.
As comemorações dos seus 125 anos de actividade serviram de mote para o lançamento de uma campanha de solidariedade que pretende angariar 500 mil euros para investir em novos projectos. A verba já tem destino, nomeadamente, a remodelação e ampliação da creche e do jardim-de-infância da instituição”, afirma o presidente. Outro dos objectivos é a construção de um elevador que sirva o salão de festas da instituição, tendo sido assinado em Fevereiro um protocolo nesse sentido com a Câmara Municipal de Lisboa, que assumirá também os custos das obras nos acessos ao ascensor, que se destina sobretudo aos mais velhos com dificuldades de mobilidade. O alargamento dos balneários dos ginásios faz igualmente parte das metas a alcançar pela instituição. No final do ano, em Novembro, está prevista a realização de um grande espectáculo no Pavilhão Atlântico, com a presença de artistas de renome, como Carlos do Carmo, cujas receitas reverterão na totalidade para a associação, adiantou o responsável.
Em ano de comemorações, António Navarro salienta sobretudo a “relação próxima entre todos”, que considera até uma “imagem de marca”. Muitos alunos entram para a creche com poucos meses de vida e ficam até à conclusão do nono ano de escolaridade. A ligação entre os alunos das escolas e os idosos do centro de convívio é também incentivada. “As crianças participam nas festas, fazem cartazes e convivem com os mais velhos, ao mesmo tempo que aprendem e vivem experiências novas”, diz o responsável.
As velhas tipografias e máquinas de escrever que deram voz a uma classe desprotegida do século XIX e que agora repousam numa sala fechada à chave, foram substituídas pelos computadores da era moderna, mas o espírito “lutador” continua. “Há toda uma tradição progressista de futuro e de conquista de melhores condições de vida que continua e que faz todo o sentido nos dias de hoje”, assegura António Navarro.
Data de introdução: 2008-05-08