PORTO

Valores do Tratado de Lisboa em debate

Os valores fundamentais da civilização europeia, o modelo social europeu e a matriz cristã da construção europeia estiveram em análise à luz do Tratado de Lisboa, na Casa Diocesana de Vilar, no passado dia 10 de Maio, no Porto. A iniciativa partiu do Secretariado Diocesano de Pastoral Social e Caritativa (SDPSC), presidido pelo Pe. Lino Maia que abriu o debate ao início da manhã.


Numa alusão à ratificação do mesmo tratado, a 9 de Maio, dia da Europa, pelo Presidente da República, Lino Maia lembrou as palavras de Cavaco Silva quanto à importância da “construção de uma Europa mais unida e solidária”, onde são consagrados os valores da dignidade humana, como a “liberdade, democracia, Estado de direito, igualdade, direitos do homem”. Na sua nota de abertura, o presidente do SDPSC relembrou o “fascínio pela Europa rica”, na adesão de Portugal à antiga CEE e os consequentes “lucros” daí provenientes. “Não questionamos a ratificação do Tratado de Lisboa, mas sentimos que urge que o caminho da Europa seja idealizado e percorrido por todos”, disse, e referiu a necessidade de preservar uma “certa matriz cristã”, patente na própria construção europeia.


José Silva Peneda, deputado no Parlamento Europeu pelo PSD, foi o primeiro orador do dia com uma dissertação sobre os “Valores Fundamentais da Civilização Europeia no Tratado de Lisboa”, painel moderado por Américo Mendes, professor na Universidade Católica Portuguesa. O eurodeputado salientou a importância da assinatura em Lisboa daquele Tratado (a 13 de Dezembro de 2007), que encerrou a Presidência Portuguesa da União Europeia, no segundo semestre do ano passado. “Foi durante a presidência de Portugal no Conselho de Ministros da União Europeia que 27 Chefes de Estado ou Primeiros-Ministros o outorgaram e a designação de Lisboa nele figurará para sempre”. Após uma breve resenha histórica sobre os aspectos que estiveram na génese do que hoje é considerado o projecto europeu, entre eles a multiplicidades de povos, culturas e instituições, com relevância para a Igreja e o cristianismo, o eurodeputado sublinhou que o projecto de integração europeia “nasce de um sonho (…) a busca da paz para a Europa”. No percurso desde o Tratado de Roma (em 1957) a Lisboa, foi-se desenvolvendo, segundo Silva Peneda, “uma espécie de identidade europeia” no que respeita a valores culturais, históricos, religiosos, políticos e geográficos. O deputado europeu falou também da “clara preocupação com os resultados da acção governativa”, patente no Tratado de Lisboa (substituição da regra da unanimidade pela regra da maioria qualificada), segundo ele uma “marca distintiva” da Comissão presidida por Durão Barroso, que desde o início da sua acção “deu prioridade à revisão da Estratégia de Lisboa”. Silva Peneda salientou o que depois dessa revisão, a União Europeia registou, em 2006, o maior crescimento económico desde o ano 2000 e que em 2007 cresceu mais que os Estados Unidos da América (2,9% contra 2,2%). O deputado social-democrata relembrou os 6 milhões e meio de novos empregos criados nos últimos 2 anos e a previsão que até 2009 sejam gerados mais 5 milhões postos de trabalho. “É preciso ir à década de 80 para encontrar valores parecidos”, disse e acrescentou que “embora não se possa afirmar que estes resultados sejam consequência da revisão da Estratégia de Lisboa, também não se pode negar que ela tenha contribuído para a sua obtenção”. O eurodeputado fez também referência às consequências do processo de globalização, com destaque para a perda de competitividade de Portugal, em especial a região norte do país, com aumento do desemprego, perda do poder de compra, etc. Para Silva Peneda o Tratado de Lisboa cria condições para que a União Europeia possa “reforçar o seu papel no contexto mundial”, onde o Brasil, a Rússia, a Índia e a China irão representar nos próximos 20 anos mais de metade da economia mundial, além de que “pode vir a ser a tal entidade que o mundo precisa e que permita uma resposta coerente à força de integração dos mercados e a um equilíbrio mundial mais justo”. O deputado europeu mencionou também que ficou consagrado no Tratado de Lisboa que a UE deve ter em consideração ao implementar as suas políticas o emprego, a protecção social, a luta contra a exclusão social e a descriminação, que, segundo Silva Peneda, “faz com que aspectos muito relevantes da política social passem a ser transversais a todas as políticas da União”. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi também apresentada como exemplo dos valores comuns da UE. O eurodeputado falou ainda das fragilidades da União Europeia, principalmente com o aumento da esperança média de vida e da evolução da pirâmide demográfica e frisou o papel importante das instituições particulares de solidariedade social, em território nacional, no fortalecimento de uma sociedade civil portuguesa “débil”, em que a existência de uma rede de solidariedade “é um pressuposto para que o Estado possa vir a ser muito mais eficiente no que respeita às políticas sociais”.


Da parte da tarde, Manuel Carvalho da Silva, secretário-geral da central sindical CGTP veio apresentar o painel “O Modelo Social Europeu e o Tratado de Lisboa”, cujo debate foi moderado por Acácio Catarino. O líder sindical começou por salientar a marca institucional “muito forte” deste Tratado, que incorporo, segundo ele, “dinâmicas fortes do neoliberalismo” o que constitui uma “limitação”, bem como a centralização dos poderes de decisão, que para Carvalho da Silva, constitui uma “afirmação do directório dos países poderosos”. O social surge “descentralizado e secundarizado”, uma vez que a Carta Social constitui um anexo e não está no texto principal do Tratado. O facto do Tratado não ter sido objecto de referendo popular foi outra das críticas apresentadas pelo dirigente sindical. Para Carvalho da Silva, o Tratado veio trazer uma “maior liberalização europeia” que irá levar a um aumento do desemprego, da privatização dos serviços públicos e de uma protecção social mais frágil”. Nos grandes desafios propostos à UE, no plano demográfico, tecnológico, energético, os “grandes conjuntos de problemas continuam por resolver”. O líder da CGTP considera que na construção do modelo social europeu começa a imperar um “fundo fundamentalista monetarista e financeiro” e que esse fundamentalismo desvaloriza “actividades produtivas e não especulativas e o trabalho”. A “marca de mercado excessiva”, e refere como exemplo o papel atribuído ao Banco Central Europeu, “alimenta argumentos que acentuam o aumento de desigualdades, de precariedades, da ruptura e de solidariedades e do papel do Estado”. O individualismo institucionalizado e o consumismo alienante são outro dos factores que contribuem para o que Carvalho da Silva define como uma “matriz muito complicada que vai contra o modelo social europeu”. O sindicalista aponta como “necessidade imperiosa” a reconstrução do Estado Social, cujo “ataque” está a ser feito “em muitos planos e às vezes em nome de valores”, como por exemplo o défice público. A construção da UE com base num modelo social baseado em direitos dos trabalhadores, do homem e do papel do Estado “não deve ser esquecida”. A reconstrução do modelo social europeu deve ser “centrada no trabalho”, essencialmente como “factor de produção, como actividade socialmente útil, como factor essencial de socialização, contra a descriminação, enquanto expressão de qualificações, fonte de emanação de direitos sociais e de cidadania”, entre outros. Para Carvalho da Silva o modelo europeu vai ser marcado essencialmente pelo aumento da esperança média de vida, das migrações, às novas formatações quanto às exigência de novos saberes e qualificações e o aumento quantitativo e qualitativo das mulheres no trabalho, pelo que “as relações de trabalho não podem ser tratadas apenas debaixo dos paradigmas da economia (…) pois também são profundamente sociais, culturais e políticas”. A flexisegurança foi outro dos temas abordados pelo líder sindical, enquanto um conceito que abandona a “protecção no trabalho para uma mobilidade protegida”, longe das realidades sociais dos diferentes países e que apenas encontra eco de funcionamento no modelo nórdico, muito longe da realidade portuguesa. Carvalho da Silva salientou o papel da Igreja Católica para o debate destas questões e para a necessidade de um “outro uso da riqueza” no conceito de desenvolvimento dominante.


A última intervenção coube a D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, que falou sobre “A Matriz Cristã da Construção Europeia” e começou por salientar positivamente a “sobriedade” do preâmbulo do Tratado de Lisboa que se inspira no “património cultural, religioso e humanista da Europa”. Para falar dessa matriz cristã, o Bispo do Porto apresentou 6 pontos de análise, entre eles o contributo cristão, enquanto factor determinante para um património cultural e humanístico. D. Manuel Clemente falou de um percurso histórico desde a Antiguidade Clássica e o mundo helenístico e romano, ao nascer do cristianismo como pólo aglutinador do nascimento do conceito de Europa. “A Europa nasce deste cruzamento de movimentos missionários diferentes e que fez com que no século X, com os recortes que temos hoje, todos os povos estivessem congregados aos cristianismo e nasce a Europa de que estamos a falar”, afirmou. Para o Bispo do Porto a herança humanista europeia está “profundamente” assente nos valores do cristianismo. A postura perante o Estado de reconhecer a autoridade, mas não divinizá-la, a atitude de caridade perante os pobres, a abolição da escravatura, são exemplos dos valores de Cristo inerentes à matriz cristã europeia. O princípio da subsidiariedade, também ele consagrado no Tratado, é também muito desenvolvido na doutrina social da Igreja Católica. D. Manuel Clemente, referindo palavras da encíclica “Ecclesia in Europa” de João Paulo II, disse que a matriz cristã europeia assenta em três grandes pólos. “Ser um continente aberto e acolhedor, não só no sentido económico, mas também cultural e social, na participação activa de uma globalização na solidariedade e na construção da Paz dentro e fora de fronteiras”. Para o Bispo do Porto “há muita Europa por cumprir, segundo a sua matriz cristã”.
As conclusões do certame estiveram a cargo de Francisco Sarsfield Cabral, director de informação da Rádio Renascença.

 

Data de introdução: 2008-05-16



















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