CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL DO ALANDROAL, ALENTEJO

Uma terra onde os sonhos não chegam a nascer

A paisagem estende-se até ao horizonte com planícies cor de mel, polvilhadas por azinheiras e pequenos arbustos. Aqui e além cavalos pastam sob o sol tórrido de Verão que por aquelas paragens atinge temperaturas bem elevadas, ou não fosse o clima estar marcado por uma acentuada continentalidade. A estrada, pouco movimentada, leva-nos até à vila do Alandroal, no Alentejo Central. A vila nascida em 1498 localiza-se na margem direita do rio Guadiana, a nordeste da cidade de Évora, e a poucos quilómetros da vizinha Espanha. Com cerca de 6600 habitantes, segundo o Censos de 2001, e perto de 550 quilómetros quadrados de área, o concelho é marcado, como grande parte dos concelhos do interior do país, pela desertificação e falta de oportunidades.

Nas paisagens abundam as pedreiras. A indústria do mármore é uma das poucas empregadoras daquelas zonas, para além de algumas explorações agrícolas. O desemprego atinge cerca de 10 por cento da população e perto de 65 por cento sobrevive com o recurso a subsídios. A taxa de suicídio é também muito elevada, com particular incidência na população adolescente.

É com esta conjuntura como pano de fundo que em 1988 nasce o Centro Social e Paroquial do Alandroal, com sede no centro da vila. Criado com o objectivo primário de prestar apoio social no âmbito da paróquia, o centro conheceu diversos períodos de evolução, sendo que o primeiro grande saldo da instituição foi dado na década de 90 com a aprovação de um projecto no âmbito do Programa de Luta Contra a Pobreza. Os apoios financeiros daí decorrentes permitiram a abertura das quatro valências do centro, que ainda se mantêm activas actualmente, ao abrigo de protocolos celebrados com a Segurança Social.

Vice-PresidenteA valência “Família e Comunidade” é provavelmente aquela que melhor traça o trabalho distintivo desta instituição de solidariedade social. Vocacionada para conhecer, avaliar, encaminhar e acompanhar os agregados familiares do concelho, é no contexto da “Família e Comunidade” que o centro se depara com situações graves de carências. “Há muitas pessoas que ainda vivem com hábitos muito arcaicos, sustentados por um grande isolamento e muitas dificuldades económicas”, explica Margarida Marques, coordenadora técnica do centro. 170 famílias recebem apoio da instituição, quer a nível de acompanhamento psicológico e social, quer a nível de distribuição de alimentos e roupas. Os técnicos procedem ao encaminhamento de cada situação para os serviços competentes. São muito diversas. “Por vezes deparamo-nos com situações de crianças que, por exemplo, vivem com os avós no monte e que com 5, 6 anos não sabem praticamente falar, embora estejam em idade de iniciar a escolaridade obrigatória”, explica a técnica. As Brigadas de Apoio deslocam-se até à casa das pessoas e, para além de levarem alimentos e roupa, também ensinam a ter hábitos de higiene, ou seja, ajudam a reforçar a capacidade das famílias ao nível das competências básicas. “Significa, em relação a cada um dos elementos do agregado, reflectir com a família que necessidades é que aquele elemento tem. Por exemplo: se a filha mais nova, que está no primeiro ciclo, tem algumas dificuldades escolares nós fazemos a ponte com a professora. Trabalhámos um projecto social para cada um dos elementos da família de acordo com os nossos apoios directos e também com os de outras entidades”. Para além desta intervenção mais directa com a população, a instituição também promove várias campanhas de sensibilização, de prevenção e de formação para a comunidade com temáticas tão variadas como a violência doméstica, a toxicodependência ou a educação dos filhos.

A creche da instituição é uma das duas existentes em todo o concelho. Numa localidade marcada pelo envelhecimento da população, as restantes instituições de solidariedade direccionaram a sua acção para a área da terceira idade. A creche, com capacidade para 15 crianças, comporta anualmente um prejuízo estrutural de 25 por cento, devido às comparticipações dos pais serem quase sempre as do escalão mais baixo permitido por lei, uma vez que os rendimentos familiares são muito reduzidos, o que resulta numa mensalidade média de cerca de 60 euros. São poucas as famílias que podem contribuir com um valor suficiente para quebrar essa tendência, uma vez que “é comum haver um desempregado no casal ou situações de trabalho precário”, refere Margarida Marques. Mas a creche serviu também para ajudar a detectar situações de pobreza e de desequilíbrios familiares. “Pelos miúdos chegamos aos pais e também assim fomos tendo cada vez mais visibilidade, o que se traduziu num número de utentes cada vez maior e, neste momento, é a própria comunidade que nos procura”, diz o vice-presidente do centro, José Correia.
A mudança das antigas instalações no rés-do-chão da casa paroquial para o centro da vila permitiu igualmente o desenvolvimento de outras actividades e a contratação de mais pessoal, actualmente com um quadro de efectivos de 35 pessoas que dão apoio directa ou indirectamente a cerca de 1000 habitantes.
A residência de estudantes é outra das valências do centro com capacidade para 15 jovens. Criada com o objectivo inicial de melhorar o percurso escolar de crianças e jovens, vindos de meios isolados geograficamente ou com dificuldades de aprendizagem, com o tempo, aquele espaço tem sido solicitado para acolher outro tipo de situações. “Começámos a receber insistentemente pedidos para acolher na residência menores com medidas de promoção e protecção e até com medidas tutelares cíveis, ou seja, jovens com idade inferior a 16 anos que cometeram delitos, pedidos vindos sobretudo do Tribunal do Redondo”, diz a coordenadora técnica. A experiência tem tido bons resultados e, neste momento, o centro está em negociações com a Segurança Social para levar a cabo a transformação da residência num Centro de Acolhimento Temporário (C.A.T), para a faixa etária dos 12 aos 18 anos. “Seria uma maneira de complementar o outro C.A.T que nós temos, que acolhe crianças em risco até aos 12 anos e assim poderíamos dotar-nos técnica e logisticamente para esse tipo de trabalho”, explica Margarida Marques.

Directora TécnicaSegundo o vice-presidente da instituição, o centro pretende acima de tudo “quebrar o ciclo de pobreza”. Assistimos a um ciclo que se arrasta há 50 anos, onde as gerações actuais são incultas e tão pobres como as anteriores”, afirma José Correia. O dirigente dá como exemplo a disparidade na vivência e no quotidiano das crianças e jovens da região em relação aos dos meios urbanos. “Até há pouco tempo 90 por cento dos miúdos destas aldeias não tinham acesso a nada e nem tinham perspectivas”, lamenta e refere o caso dramático de um suicídio de uma jovem acompanhada pela instituição que no período de férias deixou de ter acesso ao acompanhamento por falta de transporte”. Segundo José Correia, a necessidade de trabalho com as famílias deveria ser prioritária mas, mesmo a nível do distrito, não há muitas IPSS a trabalhar nessa área. Por outro lado, o vice-presidente do centro refere o facto da falta de apoios camarários ao trabalho realizado e de, por exemplo, a Rede Social, não reunir há quase ano e meio. “Não temos apoios camarários, dão-nos uma viagem gratuita por ano destinada aos miúdos e entradas gratuitas na piscina municipal. Não temos mais nada nem qualquer interligação a nível de trabalho desenvolvido”, lamenta.
Embora esta seja a realidade com o poder local, a nível estatal o Centro Distrital de Segurança Social está a transferir competências para a instituição para que esta assegure grande parte da acção social do concelho, adiantou a coordenadora técnica.

A situação financeira do centro não é fácil, pois o número de pedidos de ajuda está a aumentar. “Começámos a ter muitas solicitações para apoio ao pagamento das rendas de casa, da compra de medicamentos, porque há muito desemprego”, explica José Correia. Sem receitas próprias, as verbas provenientes dos protocolos não chegam para tudo e o trabalho é sempre desenvolvido perto do vermelho. “Temos protocolos feitos há 12 anos que nunca foram renegociados e há situações em que a prestação por utente por mês é de 5 mil escudos”, exemplifica o vice-presidente. O projecto de voluntariado tem ajudado a conseguir alguns apoios, mas a maioria deles é na área da infância e ainda há poucas pessoas que se disponibilizam para trabalhar com idosos e no apoio directo às famílias.

De futuro, a aposta vai essencialmente para a formação: “Queremos ver se conseguimos criar aqui, com 3 ou 4 instituições, uma bolsa de formadores para podermos apoiar as restantes”, explica o dirigente para quem a aposta numa melhor rentabilização dos recursos humanos e financeiros é o único veículo para a sobrevivência das IPSS. “Evitar situações extremas, em que jovens com 14 e 15 anos nunca fizeram a higiene pessoal numa casa de banho e nem sabem utilizar um chuveiro é uma das nossas prioridades”, afirma José Correia. A coordenadora técnica reitera a afirmação e acrescenta que gostaria de nunca mais ouvir de uma criança ou jovem, quando questionado sobre qual é o seu sonho quando crescer, a seguinte resposta: “não sei, não tenho nenhum”.

 

Data de introdução: 2008-09-09



















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