CHAMA DA SOLIDARIEDADE

Cavaleira do Asfalto

A cidade engalanou-se! E não se pense que este é um verbo eivado de preciosismo, pois é facto jornalístico, visível a olho nu, a quem se deslocou naquela tarde de fim de Setembro à metrópole dos arcebispos. Porventura, ser véspera de fim-de-semana, terá ajudado à concentração das pessoas, para não falar do tempo ameno e solarengo que banhava as últimas horas do dia.

Na Praça Central de Braga, um palco todo enfeitado reunia à sua volta centenas de pessoas, muitas delas crianças de bonés na cabeça e bata às cores, agrupadas por idades e escolas para não haver enganos. A animação sucedia-se com canções, danças, poemas. Tudo o que a imaginação permitia. O frenesim aumentava à medida que a hora chegava e, de vez em quando, a voz no microfone lá anunciava que estava quase. Os balões amarelos e azuis enfeitavam o espaço já de si bem apetrechado com cartazes identificativos da iniciativa. Vinha de longe e aquela seria a última paragem antes do destino final. Tal qual peregrino, percorrera muitos quilómetros, transportada de mão em mão e encerrando milhares de sonhos e de vontades de quem acredita que ainda é possível mudar o mundo.

“Já está na segunda rotunda, mesmo às portas da cidade”, ouviu-se alguém a dizer num grupo que parecia entendido no assunto. Muitos transeuntes demoravam-se a contemplar tamanha festa onde a palavra de ordem era Solidariedade. Ao longe, começou a ouvir-se uns bombos e uns rugidos ferozes dos cavalos metálicos que agora galopam pelas auto-estradas. “Vem pelo Arco da Porta Nova”, dizia a multidão. Não fosse esta a porta de entrada da cidade, um monumento classificado como património nacional e que marca o momento em que a cidade começou a crescer para fora das muralhas. O som dos bombos aumentava. Cada vez mais forte, mais constante, mais compassado.

Irrompem pela grandiosa arcada, com o porta-bandeira à cabeça, orgulhoso da sua missão. As gentes encostam-se na berma e os lojistas saem à rua para ver quem e o que perturba o costumeiro quotidiano de uma sexta-feira à tarde. Finalmente, surge! Erguida firmemente no ar, eis que surge a Chama da Solidariedade, o motivo de tanta festa. Para espanto da multidão, e não fosse esta porventura a mais religiosa e conservadora das cidades portuguesas, a chama brilha nas mãos de uma freira à pendura de um motard. O grupo barulhento dos cavaleiros do asfalto, montados nas poderosas e reluzentes máquinas de duas rodas, casacos de couro repletos de emblemas e óculos escuros, são agora os guardiões da Chama que atravessou meio país, de Lisboa a caminho de Barcelos.

A irmã, Emília Almeida, religiosa no Centro de Solidariedade da Sagrada Família, em Braga, não desfaz o sorriso orgulhoso que traz no rosto quando passa o testemunho ao homem a cavalo que está incumbido de transportar o símbolo das Instituições Particulares de Solidariedade Social até ao palco que a aguarda.
“Inicialmente nem estava previsto eu pegar na Chama mas, enquanto esperávamos por ela, perguntaram quem é que ia de pendura e, a brincar, respondi que se não houvesse mais ninguém iria eu mesma”, explica Emília Almeida. Mas o gosto pelas motos não é uma imposição do momento, mas já vem de longe. “Desde pequenina que sou uma fã de motos. O meu pai sempre teve moto e eu estava habituada a andar”. O hábito não lhe tirou a vontade e a Chama deu-lhe a oportunidade de reviver antigas memórias. “Estava perante um grupo de jovens que demonstraram muita vontade de ter uma religiosa sentada na mota e para mim foi muito giro, muito agradável”.

A colaboração dos motards foi conseguida através do marido de uma funcionária da instituição de Emília que quis reforçar o grande empenho de toda a gente para que a Chama tivesse honras de Estado quando entrasse na cidade.
Depois dos cavalos metálicos a tocha brilhante foi transferida para os cavalos verdadeiros e no palco, cuidadosamente preparado, foi recebida com grande ovação. Seguiram-se os habituais discursos de quem, por direito, usa o poder do verbo para solenizar o momento. A Praça Central vibrava e a energia contagiante pôs muita gente a dançar.
Certamente, foram muitos os quadros pintados pela Chama nas inúmeras aventuras que viveu, mas em Braga fica registado um dos momentos mais improváveis: Pelo Arco da Porta Nova, de hábito e véu, uma freira de sorriso estampado no rosto, à pendura de um motard transporta a Chama da Solidariedade. Sinal dos tempos?!....

 

Data de introdução: 2008-10-09



















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