O sr. Santos é um ouvinte assíduo do programa de rádio que costumo ajudar a fazer, às sextas de manhã, emitido na região do Grande Porto. Não conhecemos do sr. Santos mais do que a voz, a condição de reformado de uma actividade relacionada com as Finanças e o que as opiniões que partilha nas emissões em directo nos consentem intuir.
Num dos últimos programas o tema principal era a crise financeira mundial, mas o sr. Santos fez um desvio para abordar a temática que a actualidade tinha trazido à tona: o casamento entre homossexuais. Já nos habituámos ao pensamento conservador, sustentado na corda bamba de valores que vão da direita à esquerda com a mesma facilidade que a marcha militar. Já lhe perdoamos a atitude assertiva que as ondas hertzianas convertem em intervenções críticas e provocatórias. Mesmo assim, não raras vezes, deixa-nos embasbacados com a graça cáustica com que embrulha os comentários:
- Eu, os homossexuais compreendo e aceito. Andei na tropa em África e por lá apareciam alguns rapazes que nos contavam que em crianças tinham sido abusados sexualmente. Esses eu entendo. O que não consigo compreender são os paneleiros...
Depois desta pérola de sabedoria o sr. Santos voltou ao rego. E sobre a crise recorreu a uma máxima que serviu de rodapé para mais uma condenação severa dos devaneios liberais que estão nos alicerces da derrocada do sistema financeiro:
- Meus amigos, só vos digo uma coisa... Quem rouba um tostão é ladrão; quem rouba um milhão é barão; quem não rouba nada é morcão!
Acrescentem vocês a pronúncia típica do Porto à voz grave e forte do sr. Santos, ao telefone, e terão um dos momentos mais hilariantes de um programa de rádio.
O ouvinte tem uma memória e uma experiência de vida que fazem lembrar aqueles baús à guarda de velhos sótãos. Ambas resistentes, fascinantes, sedutoras e recheadas de histórias que serve com deleite extasiado e irónico. Falava-se de Educação no país, mas o sr. Santos encontra sempre espaço para dar a volta à marcha da conversa. Logo na primeira curva da sua intervenção telefónica falou do caso BPN. O antigo administrador do banco, Oliveira e Costa, estava nesse mesmo instante, a prestar declarações no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa sobre as alegadas burlas, fraudes e branqueamentos de capital, que terá dado origem à derrocada da instituição bancária, quando o sr. Santos resolveu oferecer ao auditório mais um achado do tal baú.
- Conheci esse senhor ( José Oliveira e Costa) em tempos numa assembleia-geral. Nessa ocasião, para tentar sensibilizar a plateia, o homem utilizou a seguinte expressão: “Eu não me envergonho de dizer que cheguei a andar descalço.” De pronto, alguém na plateia completou em voz alta: “…na praia, sr. Doutor… Eu também não!”
O ouvinte é um falante com muita piada.
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