1 - No Congresso do PS, em Espinho, foi anunciada a candidatura de Vital Moreira como cabeça de lista nas eleições para o Parlamento Europeu.
O PS mantém a receita de há 4 anos, com Sousa Franco, abrindo a um independente o encabeçamento da lista.
Só que desta vez à esquerda do partido, já que é desse lado do espectro que vêm as ameaças de sangria eleitoral.
Logo ouvi na rádio e na televisão os comentadores do costume a dizerem que foi uma surpresa, mas que se trata de uma candidatura forte – uma máquina trituradora, chamou-lhe Carlos Magno.
Parece que o Bloco manterá Miguel Portas como cabeça de lista – e também essa será seguramente classificada como uma candidatura forte.
Os outros virão a seguir – no mesmo dia do Congresso do PS, o Movimento Esperança Portugal apresentou no Porto a sua cabeça de lista, Laurinda Alves -, e todos eles, do PSD ao PC e ao CDS, apresentarão igualmente candidatos que a imprensa e os comentadores considerarão fortes.
Se, em vez de serem estes, fossem outros os ungidos, seriam igualmente todos considerados candidatos fortes.
Tão forte como a de Vital Moreira, vindo do Partido Comunista, seria considerada a candidatura de Freitas do Amaral, vindo do salazarismo – e que foi uma das hipóteses do PS.
É como o Steinbroken, de “Os Maias”, que definia sempre do mesmo modo “todas as personalidades superiores, homens de estado, poetas, viajantes ou tenores: É um homê múto forte. É um homê eqsessivemente forte.”
O adjectivo, aplicava-o a todos, fortes ou fracos: todos eram “eqsessivemente fortes”.
Era o que se chama um chavão
Há dias, no “Público”, prognosticava-se o naipe dos candidatos à Câmara do Porto – Rui Rio, Elisa Ferreira, Rui Sá, Teixeira Lopes -, e de todos dizia o comentador que não seria por falta de qualidade dos candidatos que a disputa eleitoral perderia.
Todos eles são igualmente candidatos fortes – “eqsessivamente fortes”, como diria o diplomata finlandês.
2 - No que me diz respeito, tenho tido como critério – um entre outros, naturalmente -, na hora de decidir o voto, preferir quem tenha por si a tradição da resistência e do combate pela liberdade.
De sorte que, com a gradual e progressiva subida ao poder de dirigentes que medraram nas juventudes partidárias e que não têm a seu crédito aqueles galões, ou se acomodaram mansamente à ditadura, vai-me faltando gente em quem possa votar com a alma sossegada.
É certo que se vai instalando o hábito de os dirigentes políticos de topo darem entrevistas onde reconstroem a sua própria história pessoal – se se pode utilizar a palavra história a pretexto de um percurso de habilidades, empurrões e rasteiras -, adornando-a de episódios heróicos inventados e de prosápias culturais que a si próprias se destroem e denunciam.
Devem ter ouvido as agências de imagem explicar-lhes que a um dirigente político de topo fica bem a “basezinha” – se não o latim, ao menos ter lido os clássicos…
Enfim, nada mais que a homenagem que o vício sempre prestou à virtude.
Não faltará muito para que também o combate à ditadura preencha um dos capítulos da vida heróica que para si próprios forjam os nossos dirigentes, mesmo que ainda estivessem no berço em 1974.
3 - A propósito da escolha de Vital Moreira, os comentadores assinalaram que ela se inscreve na operação mais ampla em que está empenhada a direcção do PS de apresentar o partido adornado à esquerda, de que a proposta do casamento homossexual, as recentes leis divorcistas, o debate sobre a eutanásia e a regionalização constituem outras tantas manifestações.
Esta recente descoberta pelo PS de que o coração está à esquerda parece que tem mais que ver com o facto de os estudos de opinião e as sondagens sugerirem que o eleitorado se tem deslocado do PS para o PC e o Bloco de Esquerda do que com a vontade do Partido de se reencontrar com as suas raízes e com a ideologia que o matriciou.
Parece que é mais uma cosmética do que uma vontade; mais uma plástica do que um sobressalto.
Passa-se o mesmo com o PSD quando está no poder: também ele, em vez de propor um modelo social que corresponda ao seu próprio modo de ver o mundo e a vida, adapta-se ao que são as vontades do mercado e às sondagens.
Em vez de uma ideia, propõe-se ao eleitorado um embrulho.
Mas a prenda que está dentro do embrulho é sempre para os mesmos, seja qual for a tribo que governa – e não é para os cidadãos.
4 – Parece um paradoxo: mas é singular que os partidos que apresentam as propostas mais nítidas sejam os que acabam por ter menos votos; e o grosso dos eleitores se encaminhe para o grande magma indiferenciado do bloco central que nos governa há 35 anos.
Também o PS organizou o seu Congresso deste fim-de-semana sob esse signo da unicidade e do unanimismo e subordinado ao dogma da liderança, em que qualquer opinião crítica é fulminada pelos devotos como divisionista.
O mesmo se passava quando o PSD governava com maioria absoluta – em que a discordância era interdita.
A indiscutibilidade das opiniões dos líderes, e os aplausos que sempre lhes são tributadas pelos fiéis, falem eles sobre o estado da Nação, ou falem sobre o estado do tempo, não é uma vantagem para os governados.
É mais uma ameaça.
Como escrevia o célebre Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes – o Bispo da Liberdade -, nas Cartas ao Papa, “se … no nosso testemunho e na nossa acção (de bispos) houvéssemos de pensar sempre no que pode dividir, nada ou muito pouco de útil poderíamos dizer ou fazer.”
É bem verdade: dividir não é reduzir. É multiplicar.
* Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta
Data de introdução: 2009-03-07