OPINIÃO

As voltas trocadas

1 - Os resultados das eleições europeias vieram virar do avesso o que era a convicção apresentada em quase toda a imprensa: que a questão das legislativas de Setembro se limitava a saber se o PS manteria a maioria absoluta ou obteria apenas a maioria simples.
O cenário é agora de luta aberta pela vitória, entre os dois maiores partidos, sem certezas antecipadas quanto ao que irá formar o próximo Governo.
Ainda bem que é assim, na medida em que a liberdade dos cidadãos cresce na exacta proporção da precariedade dos titulares do poder.
(Defensor que sou da estabilidade no emprego, defendo o trabalho precário para o exercício do mando.)
Dizem as sondagens – se é que ainda se pode confiar alguma coisa nelas … - que, ganhe quem ganhar, será por pouco, pelo que o próximo Governo será ou minoritário, ou de coligação.
Já por várias vezes escrevi nestas crónicas – e já lá vão onze anos que as escrevo, desde Maio de 1998 – que, a ter de haver Governos, gosto mais deles fracos do que fortes.
Prefiro que venham ter connosco como quem pede desculpa por incomodar – e como, às vezes, incomodam … - a que nos ponham um pé sobre o pescoço.
(Ou mesmo os dois pés, como há quem goste e faça.)

2 - O resultado das eleições europeias foi uma derrota do Governo e do PS.
Os próprios o reconheceram.
O PS ensaiou nos últimos tempos uma viragem súbita à esquerda, a fim de estancar a sangria para o Bloco de Esquerda e para o PC.
Mas essa viragem não virou o voto. E a votação nesses Partidos cresceu ainda mais do que se pensava - e cresceu à custa do PS.
Esse ensaio de viragem fez-se talvez pelo lado errado.
Fez-se pelo lado dos costumes, dos chamados temas fracturantes – as leis divorcistas, o casamento homossexual.
(Esses temas, a nível da representação política, têm dono, que não larga mão deles – é o Bloco de Esquerda.
Frente política que aliás levantará aos seus eleitores, a manter-se o seu nível de crescimento e a aproximação ao exercício do poder que daí decorre, a dificuldade de saber se estão a votar no trotskismo do PSR, no maoismo da UDP ou no ar mais arejado da Política XXI, já que o seu volume de votos ultrapassa em muito a soma dos votos desses seus três componentes.)
Parece evidente que o eleitorado do PS não é por aí, pelos temas dos costumes, que vai e preferiria que o PS tivesse antes virado para o que é o próprio coração da esquerda: a redução visível das desigualdades, a luta contra a especulação financeira e os lucros escandalosos de tantas empresas, a atenção especial aos trabalhadores e aos pobres, uma política fiscal que redistribuísse com mais justiça e equidade os rendimentos.
Claro que ninguém espera nos nossos dias que o PS ande a colar pelas ruas cartazes com a iconografia clássica de banqueiros de cartola e charuto enforcados nos candeeiros dos passeios.
Por hoje a esquerda ser mais civilizada e ter introduzido na sua retórica – e nas suas convicções – os direitos humanos como direitos universais, certamente.
Mas também porque muitos dos que apresentaria dependurados nos postes teriam o retrato de gente lá de casa.

3 - Nessa matéria, creio que os próximos tempos não hão-de trazer grandes alterações: ganhe quem ganhar, os dois partidos que entre si têm rodado no poder vão continuar a municiar a banca e as grandes empresas de antigos e próximos governantes.
Não é preciso constituir, em Setembro, um Bloco Central.
Ele já existe há 30 anos.

4 – O Presidente da República, o Governo, as Oposições, os 28 sábios economistas do Manifesto, que se opõem às grandes obras públicas, os 54 do outro Manifesto, que as defendem – agora mais 31, próximos do Governo, neste último sentido -, todos são unânimes na atribuição à desregulação financeira, à falta de ética e transparência nos negócios, às remunerações e prémios “pornográficos” dos gestores e à mais banal prática de crimes na alta roda dos negócios e da finança a responsabilidade pela crise actual.
No mundo, na Europa, em Portugal.
A gente olha para as figuras que os escândalos vêm trazendo à tona e reconhece, uma a uma, personagens que já conhecia doutras paragens anteriores: dos governos, das direcções partidárias, de fundações políticas, das empresas que são ou foram do Estado.
Claro que não se podem antecipar condenações antes de os Tribunais as decretarem, como todos dizem antes de formularem as suas próprias condenações.
Mas, mesmo sem sabermos se é tecnicamente crime, já sabemos dos factos praticados – e que não são boa referência do currículo de ninguém.
E bem podemos ter vergonha de termos escolhido e nos termos deixado governar por algumas das personagens de que as televisões e os jornais nos têm mostrado o carácter nos últimos tempos.
(Deve ser essa mesma incomodidade que o Presidente da República, que tem uma imagem pública de ascetismo e rigor, sente pelos comportamentos de gente que lhe foi tão próxima.
E o leva a abandonar a regra, que cumpriu durante todo o mandato, de só em privado comentar a actualidade e o governo, invocando agora notícias de jornais que sempre recusara como fonte e resultados de sondagens em que hoje, e justamente, ninguém tem confiança.)

Já critiquei todos.
Posso fechar a crónica.

Henrique Rodrigues, Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta

 

Data de introdução: 2009-07-10



















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