1 - Todos os anos, entrado Agosto, venho para a Galiza passar as férias de praia.
Na primeira crónica que escrevi para o “Solidariedade”, já lá vão mais de 10 anos, avisei os meus leitores de que o meu olhar sobre o mundo e as coisas, de que procuro dar alguma nota nestas crónicas, seria ao jeito do Porto, ou do Norte – que é o mundo onde melhor me reconheço.
A Galiza tem a vantagem de me manter a Norte – ainda mais a Norte do que é costume -, mas de melhorar a perspectiva, como só a distância permite.
Habituei-me, ao longo dos anos, a comparar os dois lados da fronteira, a Autonomia galega e o Norte de Portugal, e a verificar a essencial identidade de gentes, de usos, de paisagem e de povoamento.
Sinto-me em casa.
2 - As notícias dos jornais ajudam, já que são iguais às nossas.
Ainda hoje, 31 de Agosto, La Voz de Galicia nos dá conta, em título, de que “75% dos empresários espanhóis pagam às Finanças como mileuristas” – neologismo que significa rendimentos até mil euros mensais -, declarando rendimentos ao fisco inferiores aos dos seus próprios assalariados.
(A mesma peça salienta, no entanto, que alguns assalariados estrangeiros são, da mesma forma que os empresários, igualmente tributados pelo mínimo, como se fossem mileuristas.
Seria o caso, ao que diz o Jornal, de Cristiano Ronaldo e de Kaká, tributados em cerca de metade das taxas vigentes para os desportistas autóctones).
Também nós, em Portugal, o que mais temos são empresários pelintras.
Por todo o mês de Agosto, os jornais davam contas de suspeitas, sem apresentação de qualquer prova, levantadas pelo Partido Popular, na oposição, de que dirigentes desse partido estariam a ser objecto de escutas telefónicas ilegais, a mando do Governo, do PSOE – Partido Socialista Operário Espanhol.
O Rei, é certo, não se queixa de ser escutado (… também não dispõe de poderes efectivos… )
Mas é impossível não encontrar semelhanças com idêntico episódio, passado em Portugal, na mesma ocasião, com acusações de vigilância ilegal dirigidas por fontes da Presidência da República ao Governo.
Pelo seu lado, o Governo do PSOE propõe-se atribuir um subsídio de 420 euros aos desempregados de longa duração que tenham esgotado o período de atribuição dos subsídios regulamentares de desemprego.
E proporá igualmente a criação de um novo escalão do IRS para os rendimentos familiares superiores a 50.000 euros, que o ministro José Blanco classifica de classes altas.
(É que até os números são iguais aos nossos …).
Também em Espanha se não esqueceram do cheque a cada recém-nascido, o chamado cheque bebé.
Igual à conta bancária para cada novo português que o nosso Governo quer abrir.
Por sua vez, Mariano Rajoy, chefe do Partido Popular, faz saber que bloqueará as nomeações para os órgãos de regulação, nomeações partilhadas pelos dois principais partidos, se não forem satisfeitas algumas das condições que coloca.
Citando do ABC: “À renovação pendente no supremo árbitro da política, o Tribunal Constitucional – ano e meio de atraso – podem somar-se este Outono os órgãos reguladores da economia nacional: a Comissão do Mercado das Telecomunicações, a Comissão Nacional de Energia e até o Banco de Espanha… Se não houver um acordo geral em nomes e normas nas próximas semanas, os órgãos reguladores ficarão bloqueados ou emperrados pelo carácter provisório de uns membros “caducados”, mas obrigados a manter-se em funções durante meses sem expectativas de relevo.”
Como não lembrar o triste enredo, entre nós, do processo de substituição do Provedor de Justiça?
E também a escandalosa - cá como lá – partilha dos cargos e das mordomias pelos dois partidos que alternam no poder?
Para finalizar este excurso, de novo La Voz de Galicia, na mesma edição de 31 de Agosto, a parecer dar-nos uma notícia de Portugal: “As grandes fortunas ganharam a batalha e serão tributadas apenas em 1%”
3 – Este ano, no entanto, e pela primeira vez, ao que me lembro, foi possível detectar na imprensa um tom geral de avaliação positiva do que se faz em Portugal.
Foram quase diárias as menções à competência e eficácia do funcionamento do Aeroporto do Porto, cujo movimento ultrapassou o conjunto dos aeroportos galegos - Vigo, Santiago de Compostela e Corunha -, a propósito do estabelecimento pela Ryanair de uma base no Aeroporto Francisco Sá Carneiro e da preferência dos galegos pelo nosso Aeroporto.
Também La Voz de Galicia titulava na 1ª página de 30 de Agosto que 27% das empresas tributárias da Citroen se haviam deslocado da Galiza para Portugal, em virtude das condições concorrenciais oferecidas no Norte de Portugal para a instalação de actividades económicas.
Até as virtualidades das escassas remunerações praticadas em Portugal como factor de competitividade foram lembradas por estes dias, de par com os preços baixos praticados no nosso País.
Repetindo o que o ex-ministro Manuel Pinho em seu tempo foi dizer para a China.
E mesmo Mariano Rajoy, que não é suspeito de gostar de governos socialistas, salientou o melhor comportamento da economia portuguesa na luta contra a crise, de par com a França e a Alemanha e por comparação com a manutenção da economia espanhola em situação de recessão.
Soube-me bem ler estas referências, a que não estava habituado.
4 – Sei que recente sondagem desvendou que uma grande percentagem de portugueses aceitaria de bom grado a União Ibérica, reincidindo na integração de Portugal em Espanha, como com os Filipes.
Não é o meu caso, que muito prezo a o meu canto.
(Embora me envergonhe o kitsh “obrigado Afonso” dos cartazes com que uma operadora de comunicações invadiu as paredes das cidades, referindo-se sem o devido respeito ao nosso primeiro Rei.)
Mas, se integração houvesse, as pessoas não estranhariam a mudança, já que o que se passa do outro lado da fronteira é uma réplica do que temos por cá – ou vice-versa.
Nem se dá pela diferença.
Quem ficava a perder era o Cristiano Ronaldo.
Por Henrique Rodrigues – Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta
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